Afirmação interessante, importante e que vem com uma marca de carro desaparecida há décadas, pouco conhecida hoje em dia. Este texto não é a história da fábrica e de seus carros, mas apenas uma pequena nota a respeito desta e da pessoa que a fez famosa.
Essa fábrica, a Templar Motors, foi fundada em 1917 na cidade de Lakewood, Ohio, bem próximo de Cleveland, a capital do estado. O slogan era The Super Fine Small Car – O Finíssimo Carro Pequeno.
Uma publicação de 1922 liberada pela fábrica descrevia os veículos e tinha como título: Super-Fine Light-Weight Motor Cars – Veículos a Motor Finíssimos e de Baixo Peso.
Note o farol móvel do lado do passageiro |
Belo interior. O volante bascula para facilitar entrada e saída |
Este carro tinha carroceria de alumínio, e um motor de quatro cilindros de potência elevada para a época, 44 cv a 2.100 rpm, com válvulas no cabeçote, uma inovação ainda não muito comum nessa época de válvulas laterais no bloco, 3,2 litros de cilindrada. O motor era chamado de Templar Vitalic Top-Valve Motor. Com ele, o carro chegava a respeitáveis 46 mph (74 km/h).
Foram 6 dias, 17 horas e 33 minutos para a façanha, percorrida quase totalmente em estradas sem calçamento, um caminho propositalmente escolhido para ser difícil e exigente. Por asfalto, outros recordes já existiam, com tempos bem menores. Dois meses depois, o mesmo carro e motorista percorreram um trajeto do México ao Canadá, utilizando os caminhos montanhosos da Sierra Nevada, Cascade Range e Montanhas Rochosas, num total de 1.642 milhas (2.642 km) em 2 dias e 4 horas.
Los Angeles, 4 de agosto de 1920 – seis dias dirigindo |
Alegria! E vejam o diâmetro desse volante |
Não foram apenas esses os recordes, mas ambos servem apenas para exemplificar o quanto a marca se propunha a mostrar que tinha um produto de alta qualidade.
A piada da época era que Baker nem mesmo tirava os sapatos nessas viagens feitas nas maiores velocidade possíveis, já que só descansava nos momentos de abastecimento e manutenção mínima do Templar. O que ele mesmo dizia antes da partida é que havia dormido por dois dias inteiros para agüentar a empreitada.
Esse carro usado nas viagens teve seu motor substituído na fábrica por um de seis cilindros, após o período de uso por Cannonball Baker.
O carro amarelo que aparece aqui nessas fotos é um dos que tem freios nas quatro rodas e pertence a um colecionador americano que tem dois da marca, dos trinta que restam hoje.
John L. Smith explica que o carro tem a direção muito pesada devido ao fato dos freios também nas rodas dianteiras, de acionamento puramente mecânico por alavancas e varões, combinado com a inexistência de atuação hidráulica. Quando se freia, o giro do volante é muito dificultado pela força exercida pelos freios nas rodas, além de curso limitado pelo sistema cinemático dos componentes do freio. Smith diz que os Templar com freios apenas na traseira são muito mais dóceis de condução no que se refere a segurar e virar o volante, e que Baker devia ter uma força física considerável, para agüentar seis dias dirigindo, sendo que um pequeno passeio com o carro mostra claramente o peso do volante.
Baker já havia cruzado o país de moto diversas vezes, para ele o Templar deve ter sido uma viagem de férias.
Os recordes de Erwin Baker são algo a ser estudado com mais calma. No total, apenas de moto, ele percorreu seu país, em vários tipos de viagens, nada menos que cento e quarenta e três vezes. Foram 890.000 km em duas rodas, fora as viagens de carro e até mesmo de caminhão. Combinava com os fabricantes e patrocinadores que, se não batesse um recorde, não aceitaria pagamento. Seu apelido e suas façanhas foram a inspiração para as travessias Cannonball Run, promovidas por Brock Yates, e que foram até mesmo parar no cinema.
Após pedidos de falência que começaram em 1920 e um incêndio em dezembro de 1921 que destruiu quase totalmente a fábrica, um banco de Cleveland, o principal credor, assumiu a empresa.
Uma pena, mas previsível pelo nível de qualidade que levava a preços altíssimos. No mesmo ano em que o Ford modelo T custava US$ 645, o Templar mais barato custava US$ 1.895. Pudera. Além de vir com muitos equipamentos de conveniência e luxo, como bússola, câmera fotográfica, bomba de encher pneus, lanterna elétrica móvel e outros, a pintura tinha vinte e sete camadas. Algo impressionante para um carro pequeno, para a época e de uma marca pouco conhecida. Se fosse hoje, a Templar seria o que se chama de marca "premium", termo absolutamente horrível.
Por mais quatro anos, até 1924, a Templar Motors tentou resolver os problemas desse sistema de freios, porém insistindo apenas no acionamento mecânico. Fez isso lutando para sobreviver, com fornecedores cobrando pagamentos e baixas vendas devido aos preços. Em 1923 a Duesenberg colocou no mercado o primeiro carro do mundo com freios hidráulicos nas quatro rodas, mudando a percepção que o motorista iria ter daí para frente, e o acionamento mecânico da Templar imediatamente se tornou obsoleto.
A Templar não mais produziu carros após sete anos no mercado e seis mil unidades produzidas.
Modelo Sportette |
JJ
Atualizado em 19 de março:
Sobre a primazia do freio nas quatro rodas, o Templar foi o primeiro carro americano, já que em 1903 a Spiker, da Holanda, o utilizou, embora sem sabermos exatamente a quantidade produzida. Depois dela, em 1909 a Isotta Fraschini também desenvolveu um sistema próprio usado até 1914, e a empresa Escocesa Arrol-Johnston também conseguiu uma patente de sistema mecânico no mesmo ano, aplicado na marca Argyll.
Todos esses porém, tiveram que se render ao sistema hidráulico, aplicado primeiramente pelo Duesemberg.
Seria como um Spyker ou Bugatti hoje em dia marcas tidas como "premium". Até que o preço 3 vezes mais caro do que o carro mais barato vendido então não era tão assustador assim.
ResponderExcluirPerguntas ao Juvenal:
ResponderExcluirNa foto após "seis dias dirigindo", as rodas são maciças como os Peugeot da mesma época, ou eram calotas?
Essas rodas ou calotas poderiam ser utilizadas nos dias de hoje, ou os freios superaqueceriam?
Não sei da viabilidade nos dias atuais, parece que a Ford fez algumas experiências, e pelo jeito não gostou do resultado (técnico ou estético). Mas para a época faz todo sentido: A roda maciça elimina o problema de se entortar os aros, e, por estar diretamente aparafusada com a "panela" do freio, deve até servir como dissipador de calor.
ExcluirCélio,
Excluiras rodas normais eram com aro de metal e raios de madeira, algo não muito durável. As rodas fechadas desse carro sem dúvida eram mais resistentes para uma empreitada desse tipo.
Eu não conhecia a marca, com história curta,mas interessante. Ambas as provas de resistência a que foi submetido mostram sua qualidade. 2.642km em 52 horas dá uma média acima de 50km/h, incrível para as condições do caminho, a época e os recursos técnicos do carro. O tal "Cannonball" e o Templar eram realmente "casca grossa"!
ResponderExcluirHá algum problema com o servidor do blog? Agora a pouco passei por aqui e esse texto estava com quase 60 comentários, agora só sobraram tres!
ResponderExcluirNão conhecia essa marca, que é fascinante, mas lembro de já ter visto esse volante escamoteável em algum lugar. Eles eram comuns nos anos 20?
E o Sr. Cannonball certamente tinha um problema de falta de miolos ou excesso de colhões para pegar esses veículos, com os quais muito cara que se julga ás do volante não conseguiria dar a volta no quarteirão, e crusar o país procurando pelas piores estradas...
Internet Explorer para Windows não presta, use Firefox.
ExcluirO Isotta Fraschini de 1909 foi o primeiro automóvel a usar freios nas 4 rodas como equipamento normal. Em 1921 o Duesenberg adotou acionamento hidráulico. E freios mecânicos (por varão ou cabo) continuaram em uso até 1938 nos Fords. Mesmo depois da guerra alguns ingleses ainda utilizavam controle sólido (Anglia, Prefect, Austin). Volantes escamoteáveis eram comuns até 1924-25, devido a posição do guidom. AGB
ResponderExcluirJJ,
ResponderExcluirGrande post, interessantíssimo.
Aprendi mais uma!
MAO
Não conhecia a Templar. Uma pena que não tenha sobrevivido por mais tempo.
ResponderExcluirIgnorava a existência desta marca,sem dúvida aquele volante enorme era a explicação da direção pesada.Impressionante como a indústria automobilística americana se reduziu às três grandes.
ResponderExcluirNão menos impressionante é como haviam grandes homens que desafiavam a pouca tecnologia da época e desafiavam seus limites nestas viagens malucas,mas que rendem excelentes enredos de filme,em contraponto com o marasmo que vivemos,apesar do fenomenal avanço tecnológico.
Parabéns pelo post!
Corrigindo,o enorme diâmetro do volante era pra driblar a direção pesada.
ResponderExcluirÉ ISSO AÍ JJ!!! VIVA OS ENTUSIASTAS DO TROVÃO AZUL!!!
ResponderExcluirComo se vê, automovel não era só "chip"...E joy stick algum venderia com um diãmetro do volante do Templar...
ResponderExcluirNo passado os EUA tinam muitas fábricas de automóvel, mas restaram apenas 3 (Europa aconteceu o mesmo). Pergunto:
ResponderExcluirQuando a China fará o mesmo?
Estas associações da GM com PSA ou FIAT podem fazer uma delas desaparecer?
Como pode o Brasil não conseguir uma só indústria?
Renato
Nossa maturidade de fabricante de automóveis, apesar de estarmos a reboque da economia mundial, tem um atraso de tres décadas. Então, basta analisar tres décadas atrás nos paises ditos maduros e veremos que teremos espaço para no máximo tres grandes fabricantes, os demais simplesmente se extinguirão, China inclusa...
ResponderExcluirA propósito de fabricantes nacionais, no meu entender não tivemos nenhum, nem a Gurgel. Explico meu ponto de vista. O que vemos dessas histórias de fabricantes estrangeiros é que realmente desenvolviam a maioria dos sistemas que utilizavam, como trem de força completo, suspensão, freios, carroceria, etc.; nossa Gurgel fazia veiculos, na sua maioria, com mecânica Volkswagen, vestida com carrocerias de fibra de vidro de modelos diferentes, algo muito próximo de um bugue um pouco mais sofisticado; o motor do BR-800, ao que me parece, era também baseado no propulsor do fusca, reduzido para dois cilindros e com as adequações necessárias. Assim também a Puma, Santa Matilde e os demais, sempre adaptando mecânicas já existentes a novas carrocerias e outros propósitos. Com meus modestos conhecimentos, realmente desconheço existir ou ter existido um fabricante de automóveis nacional que tenha desenvolvido e produzido um veiculo fruto da sua própria engenharia. Daí, talvez, essa nossa tão comentada orfandade no que tange ao assunto. O que é uma pena!
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