Foto: Mark Thompson/Getty Images
Após o GP da Alemanha no domingo passado, em que Felipe Massa deu a vitória Fernando Alonso por ordem da direção da equipe Ferrari, a grita foi incomensuravelmente grande aqui e no resto do mundo..Essa zanga universal requer algumas considerações.
Após o GP da Alemanha no domingo passado, em que Felipe Massa deu a vitória Fernando Alonso por ordem da direção da equipe Ferrari, a grita foi incomensuravelmente grande aqui e no resto do mundo..Essa zanga universal requer algumas considerações.
O automobilismo é esporte a motor e isso o torna diferente de qualquer outra modalidade esportiva. Existe uma variável importantíssima nesse esporte que é a máquina, um mecanismo complexo concebido e produzido por mentes especiais. Não é um animal, como um cavalo.
Não é um esporte individual e tampouco coletivo, mas participativo. Um exército de pessoas trabalha para que o esportista, o piloto, possa desempenhar seu papel. O piloto não usa sua capacidade para se movimentar num espaço e nem atira algum objeto, como uma bola, ou uma flecha, para obter algum resultado.
É um esporte inerentemente perigoso, com alta taxa de fatalidade desde as primeiras corridas, ainda no século 19. Nenhum outro o iguala nesse aspecto — que nada de meritoso tem, é bom que se diga.
O nome desse esporte é corrida de automóveis, car racing na língua de Shakespeare, não corrida de homens no sentido de seres humanos. Mas homens pilotam esses automóveis, então a perseguida vitória nunca é de um ou de outro, mas de ambos. É por isso que no Campeonato Mundial de Fórmula Um disputa-se o título de pilotos e o título de construtores.
Um título de construtor por si só é atraente para quem fabrica automóvel, não importa o volume produzido. Cem unidades por ano ou 1 milhão, não importa, para o fabricante é a mesma coisa. Mas o título de piloto honra o fabricante do carro que lho deu.
É intuitivo que toda equipe, de fabricante ou não, procure otimizar seus resultados. Na arena que é o circuito suas chances de sucesso dobram se forem dois carros em vez de um. Três, elas triplicariam, mas a operação complicar-se-ia muito. Dois carros é mesmo o número ideal. Os dois carros somam os pontos correspondentes às colocações.
Dentro dessa ótica de otimizar resultados é infantil achar que ali estejam dois carros e dois pilotos para disputarem posição, guerrearem entre si. Que me lembre, só houve isso nos anos Senna-Prost na McLaren, mas é raro. Tão raro que só agora, quase 20 anos depois, no GP da Turquia, presenciamos Mark Webber e Sebastian Vettel se enroscarem feio na reta, sair um para cada lado e darem a vitória de mão beijada a Lewis Hamilton.
O que é pior, uma equipe determinar quem vence ou companheiros se digladiarem, tipo Senna e Prost no GP do Japão de 1989, em que acabaram batendo? Alguém tem alguma dúvida? O fato de haver dois pilotos inimigos na mesma equipe chega a ser constrangedor, fora que no âmbito dela deve algo insuportável.
De novo, a corrida é de automóveis e vemos marcas disputando a prova. Quando uma marca domina, caso da Ferrari na Alemanha domingo último, qual dos seus pilotos vai vencer passa a ser mero detalhe.
Na aurora da F-1 nos anos 1950, não se trocava de posição na prova, mas de carro da equipe. Quando dirigi competições na Volkswagen, em duas ocasiões determinei troca de posição, estava nos contratos dos pilotos. Na década de 1970 anterior, quando dirigi para a equipe oficial Ford, era o chefe Luiz Antônio Greco quem determinava qual dos dois carros e sua dupla ganharia.
Aposto que todo mundo achou lindo, um gesto nobre, Senna deixar seu amigo Berger e companheiro de equipe vencer o GP do Japão de 1991, uma ordem dada pela McLaren. Por que a mudança de opinião agora?
Nesse caso não existe desonra e muito menos maracutaia, como tanto se leu essa semana. O que existe é uma característica do automobilismo.
Para achar isso o espectador precisa entender esse esporte tão especial.. Senão acontece o que aconteceu, muxoxos — principalmente dos brasileiros — após o GP de Áustria de 2002 e agora, em Hockenheim, Alemanha..
Não entender um esporte lembra a velha piada de alguém não entender como é possível um esporte em que 22 pessoas ficam correndo atrás de uma bola...
Meu único irmão Rony, que na juventude correu (guiava uma barbaridade) e mora no Rio, trabalhando na Petrobrás e na plenitude de seus quase 70 anos, escreveu a respeito disso algo muito interessante usando o futebol, uma argumentação para os que acham a posição da Ferrari antiesportiva:
"Digamos que um jogador brasileiro (jogador A) precise de somente mais um gol para ser o artilheiro da Copa do Mundo; na última partida ele está empatado em número de gols com um jogador de outro país e este país não joga mais. O Brasil já está ganhando e vai ser campeão, mas no finalzinho um outro jogador brasileiro (jogador B) está em frente ao goleiro oponente, dribla-o e fica de cara com o gol escancarado. O que ele faz? Dá um toque na bola e faz o gol? Não. Passa a bola para o jogador A e este se torna o artilheiro absoluto da Copa. O que faria a Fifa? Multaria o país por prática antiesportiva? Anularia o registro do gol do jogador A e o daria ao jogador B? Pelo que se vê no exemplo, a posição da FIA no caso de Hockenheim foi ridícula."
O mano está coberto de razão.
BS
BS