google.com, pub-3521758178363208, DIRECT, f08c47fec0942fa0 AUTOentusiastas Classic (2008-2014): Tampa
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Seguindo com o que achei interessante no Tampa Bay Museum, vêm os Tatras exibidos lá. Eles estão representando uma outra forte vertente no desenvolvimento do automóvel, o motor traseiro com tração traseira. Essa vertente se contrapõe a vertente abordada no post anterior, motor dianteiro com tração dianteira. E o mais interessante é a abordagem do dono do museu sobre essas duas vertentes. Ele faz uma analogia delas e seus maiores representantes com a dualidade do yin-yang da filosofia chinesa. Ou seja, se complementam.

Esses Tatras streamlined, com seus motores traseiros, sempre me intrigaram. Já estive na extinta Checoslováquia, terra de onde saíam essas maravilhas, mas infelizmente não me lembro de ter visto nenhum desses pelas ruas. E fica até difícil de imaginar como um carro tão avançado para a época poderia ter saído de lá. Na realidade passei no país apenas uma noite, no inverno europeu de 1990, com alguns amigos. E nas ruas só havia militares empunhando rifles.

Troquei algo como 30 dólares na moeda local (sei lá qual era) e dormimos num quarto de um apartamento de família em um prédio centenário. Zero de comunicação com a dona. Tudo muito simples, velho, mas funcionando, como num “bom” regime comunista. A TV devia ser preto e branco ainda. Lembro-me que na escuridão do “toque de recolher” e da total falta do que fazer até o sono vir, a diversão foi ficar esfregando o cobertor no lençol e fazer faíscas devido a estática e a secura do ar.

No dia seguinte acordamos, raspamos o gelo dos vidros do Renault 21 alugado, tomamos um café e tentamos gastar “todo aquele” dinheiro. Simplesmente não havia o que comprar ou como gastá-lo. Então resolvemos o problema comprando muitas cervejas Urkel. Acabamos tomando-as na Áustria, geladas na neve da varanda do hotel em que ficamos. Se eu voltasse lá hoje com certeza procuraria alguns Tatras e Skodas interessantes.

Mas voltando aos carros, o museu possui 6 Tatras diferentes, sendo um veículo comercial, um carro com carroceria convencional e quatro modelos streamlined.

Entre muitas coisas interessantes em termos amigos interessantes é poder aprender com eles. Aprender de tudo, desde simplesmente fatos até novas abordagens sobre velhos assuntos, incluindo novos jeitos de sentir o mundo.

Antes de conhecer o MAO eu me atentava praticamente aos objetos e as emoções causadas por eles. Mas com o MAO eu tenho aprendido a admirar as pessoas por trás dos carros-arte que tanto amamos. Como já revelei em outro post, com o Arnaldo Keller passei a admirar e me encantar com carros pré-guerra. E foi com esses novos aprendizados na bagagem que eu visitei o Tampa Bay Automobile Museum, na Flórida, a pouco mais de uma hora de Orlando. Trajeto feito com o Camaro que tive por dois dias.

Antes mesmo de pensar nos construtores dos maravilhosos carros que estão expostos, eu me impressionei foi com o dono do museu. Não o conheci pessoalmente, mas pelo que está no site e no livro/catálogo do museu escrito por ele dá pra perceber claramente que ele é um apaixonado não só pelas máquinas, mas também pelos seus criadores. Além disso, é um colecionador que não é egoísta, pois decidiu, para nossa sorte, compartilhar sua seleta e especial coleção com o público geral.

O Sr. Alain A. Cerf é um francês dono de uma empresa que projeta e fabrica máquinas de embalagens (empacotamento) que se desenvolve através de pesquisa e inovações. Logo no segundo parágrafo da introdução do livro/catálogo do museu ele escreve:

"Por trás de qualquer máquina, robô, computador ou automóvel está um ser humano. Sua habilidade em criar e dar vida - ainda que uma vida artificial e limitada - a úteis equipamentos irá nos conduzir ao desenvolvimento e progresso material."

É nos visionários dos primórdios da indústria automobilística, nos homens que desenvolviam, faziam protótipos e construíam carros na raça, que consagraram suas ideias revolucionárias na base da tentativa e sem medo de errar, que passaram a vida realizando seus sonhos, que o Sr. Cerf se inspira para manter sua empresa.

A coleção do museu, apesar de não muito grande – com 44 carros – é composta na sua grande maioria por modelos significativos na evolução do automóvel entre as décadas de 1920 e 1930. Esse período, onde a tecnologia disponível para o projeto dos automóveis era muito limitada, foi muito fértil nas ideias e direções que se tornariam os padrões da indústria, ou não.

O museu tenta mostrar um pouco dessas tentativas e diferentes direções tomadas. É tanta informação, história de carros e pessoas que se cruzam e formam uma árvore cheia de ramos em que alguns frutificaram e outros morreram. Estou há dias pensando em como resumir tudo. Concluí que não é possível contar tudo em um único post como eu pretendia. Então para não ficar segurando o post vou dividir essa experiência em algumas partes e focar em alguns pontos que julguei mais interessantes.

Acho que vale a pena começar com um filminho feito às pressas, pois bem no dia em que visitei o museu resolveram fechá-lo uma hora mais cedo. Saí de lá com a sensação de coito interrompido! Desculpem-me a expressão, mas não achei nada melhor para ilustrar o desapontamento. Para compensar comprei o tal livro/catálogo recheado de informações e me arrependo de não ter trazido um para o MAO. Ah, acabei de assistir o filme para verificar se não falei nenhuma bobagem durante o improviso e descobri que troquei barbatana por espinha ao descrever o desenho das tampas traseiras dos Tatras. Acontece. Fiquei meio atônito ao ver seis Tatras juntos.



Uma parte dos carros exibidos conta a história do desenvolvimento da tração dianteira. Isso antes do Citroën Traction Avant (tração dianteira) lançado em 1934 e que massificou a configuração motor dianteiro, tração dianteira com suspensão independente e monobloco. O museu tem um 7CV e um 15CV que o MAO conta um pouco da história no rico post As leis de Voisin e a morte da Citroën.

Hoje em dia parece a coisa mais normal do mundo carros com motor dianteiro, tração dianteira e suspensões independentes. O motor na frente até que sempre foi uma solução lógica considerando que os cavalos sempre ficam a frente das carruagens. No entanto a tração traseira não parecia ser tão lógica até se constatar as dificuldades em fazer o motor e a tração à frente. A distribuição de peso e fazer um transeixo confiável, incluindo as juntas homocinéticas, eram as maiores dificuldades. A distribuição de peso concentrada atrás do eixo dianteiro dificultava muito a tração em rampas, onde há transferência de peso para o eixo traseiro. E as limitações das juntas universais, necessárias para o esterçamento da direção e curso da suspensão, não estavam bem desenvolvidas. A tração dianteira só se popularizou com o aperfeiçoamento das juntas universais que se desenvolveram nas juntas de velocidade constante (homocinéticas) no final dos anos 1920.

Nos Estados Unidos, no final dos anos 1920 e início dos anos 1930, surgiram dois modelos mais significativos com tração dianteira. O Cord L29 e o Ruxton. Ambos com motores V-8 e com problemas de durabilidade relacionados à tração dianteira. Logo após o Cord L29 surgiu o famoso Cord 810 (nariz de caixão) e o Cord 812, com motor superalimentado. Também tiveram problemas relacionados à tração dianteira, considerada uma inovação na época.

No museu há um Cord 810, já bem conhecido no meio dos antigomobilistas e figura carimbada nos enventos aqui no Brasil, e um Ruxton, totalmente desconhecido por mim até então.

A história é interessante, daquelas que o MAO gosta de contar. O engenheiro William J. Muller, funcionário da Budd Corporation, empresa pioneira na manufatura de peças de aço estampadas para carrocerias de carros, aviões e vagões de trem, convenceu a Budd a deixá-lo projetar e fabricar um carro completo e com tração dianteira. A ideia era que a Budd desse (sem cobrar nada) o projeto para alguma empresa que o fabricasse desde que esta comprasse a carroceria da própria Budd. Um jeito interessante de vender mais e investir pouco.

O engenheiro Muller projetou o chassi e a carroceria foi adaptada de um Wolseley, inglês. Durante seu desenvolvimento o motor L-6 foi trocado por um L-8, mais pesado e potente, o que piorou a distribuição de peso atrás do eixo dianteiro. Então foi desenvolvida uma nova caixa de câmbio situada acima do eixo dianteiro que deixou o Ruxton melhor que o concorrente Cord L29.

O Ruxton foi produzido em 1930 por uma empresa chamada New Era, conduzida por um dos diretores da própria Budd – ah, esses americanos. Apenas 300 unidades foram produzidas até que a recessão econômica da época levasse a empresa à falência. Infelizmente não foi uma boa época para o lançamento de um produto revolucionário.

A escolha do nome também é curiosa. Ruxton é o nome de um dos acionistas minoritários da New Era. Acredita-se que talvez na esperança de se obter mais fundos do Sr. Ruxton, os dirigentes da New Era deram o seu nome ao novo carro. No entanto esse dinheiro nunca apareceu.

Além do porte e das cores achei que o detalhe dos faróis chama a atenção. Me fez lembrar o carro da família Adams, mas sem que isso seja negativo, pois o carro é muito elegante.
Na Europa, um pouco antes, em meados de 1920, um passo importante foi dado para a viabilidade técnica da tração dianteira. Jean-Albert Grégoire ("Senhor Tração Dianteira") e Pierre Fenaille acreditavam que a tração dianteira era o caminho certo a ser perseguido. Juntos desenvolveram uma nova junta universal mais robusta, silenciosa e fácil de ser fabricada.

E para provar sua durabilidade superior aproveitaram e fizeram um carro esporte de tração dianteira chamado Gephy (Grégoire-Fenaille). A nova junta foi patenteada com o nome Tracta, que mais tarde seria licenciada para a DKW e Adler entre outras além de ser usada em Jeeps e veículos militares fabricados pela Ford e Dodge. O Huxton e o Cord usavam juntas diferentes, do tipo Rzeepa.

Não tão conhecido como André Lefebvre, o Senhor Tração Dianteira também trabalhou para a Citroën no desenvolvimento do Traction Avant. No entanto, suas juntas Tracta não deram certo quando aplicadas junto com a caixa automática e falharam pela primeira vez. As juntas Rzeppa também não se saíram bem. Aí surgiu um novo tipo de junta que usava rolamentos de agulha que contribuíram para consagrar o novo Citroën como um dos carros mais importantes da história.

Logo depois do Gephy a dupla Grégoire-Fenaille iniciou a fabricação de um carro menor, agora chamado Tracta. Vejam que além da tração dianteira o Tracta A tinha freios in-board e suspensão dianteira independente (que também foi patenteada). Para provar a durabilidade do conjunto colocaram o Tracta A nas pistas para competir no máximo de corridas possível. E em 1929 seu carro chegou em nono e décimo lugares na classificação geral de Le Mans e em primeiro na sua classe. Interessante é que checando o resultado da prova descobri que depois dos Tracta ninguém mais terminou a prova. Então acho que a colocação é menos importante do que o fato dos carros terminarem a prova inteiros.

O carro exposto no museu é o número 27 e assim que olhei para ele lembrei do Arnaldo Keller ao volante de um MG. O Tracta de competição tem um motor 1-litro de 46 cv, câmbio de 4 marchas e atinge 140 km/h .
Bem, achei que esses dois davam um bom começo. Logo volto com mais posts sobre esse museu.

PK

Veja também: TAMPA BAY MUSEUM - PARTE 2