

Fácil lembrar qual a primeira vez que um carro me fez gastar um tempo em volta dele. Foi quando meu pai colocou, em 1971, um kit de aparência de GT no Corcel 1969 que tínhamos como único transporte.
Sim, era um tempo em que poucas mães dirigiam, e a maioria das famílias tinha só um carro em casa, enquanto não haviam filhos com mais de 18 anos.
O Corcel ficou chamativo. Faixas laterais, teto de vinil , capô preto-fosco com um scoop (tomada de ar falsa, não entrava ar) de plástico reforçado com fibra de vidro, que era fabricado pela Puma e fornecido à Ford , e mais alguns detalhes que não me lembro. A decoração de esportivos nesse período seguia a mesma onda dos muscle cars americanos. Época de ouro, diga-se de passagem.
Depois desse, os Dodge Dart e Charger foram os que me moveram para esse mundo que eu pouco entendia, mas que me fascinava. Ficava sentado no degrau na porta do prédio onde morava, olhando para o quarteirão anterior ao meu, uma baita descida, esperando aparecer um Dodge só para vê-lo passar. E escutar aquela música dos escapamentos, claro. Não eram tão raros, mas havia dias em que não via nenhum, nesse meu mundinho pequeno de menino com 5 ou 6 anos.
Por ser o meio de transporte mais popular na vontade das pessoas, os automóveis geram todo tipo de desejos e ações. Para a maioria, porém, trata-se apenas de um símbolo de poder, de situação social e econômica, um atestado de exibição do que o proprietário conseguiu comprar com o suor do seu trabalho. Ou com o esforço de umas tramóias excusas.
Entusiastas, porém, são seres estranhos a essa maioria. Quase todos estão pouco se importando para as aparências diante do não-entusiasta (que chamarei de normal daqui para frente).
Os normais acham um absurdo gastar dinheiro em carros velhos e ruins, para mantê-los funcionando, quando se poderia comprar um zero-km, "último tipo", como se falava há umas três décadas. Consideram uma bobagem ficar trocando peças caras em carros ultrapassados, em vez de aproveitar o sol do domingo para ir naquele feirão de fábrica e torrar uma nota naquele carro prata ou preto, novinho.
Como explicar aos normais a importância daquele carro esquisito? Será que há uma maneira racional de dizer que um jogo de amortecedores de um Gordini é mais importante que um aparelho de som com MP3 adquirido como opcional no carro novo das pessoas normais? Ou que um coletor de escapamento feito de tubos curvados e soldados a mão é muito mais belo e importante que aqueles apliques de plástico pintado de prata dentro do carro?
Não, não há, e vou ser claro com vocês, amigos entusiastas: não tentem explicar esse tipo de fato. Os normais não irão entender. Vocês serão alvo de chacotas, de risos estranhos, serão o assunto da família no final de semana. Ignorem. Façam o que tem que ser feito com seu antigo/velho/quase antigo / clássico, seja lá qual categoria em que o seu carro-amigo se classificar.
Mantenha-o da melhor forma possível. Faça tudo o que você mesmo puder fazer. Aprenda com ele. Use-o.
E não tente explicar nada aos adultos que lhe consideram um anormal. Estes mal sabem onde fica a trava secundária do capô, aquela que é aberta por fora do carro, lá perto do motor, uma máquina quase totalmente misteriosa para os normais, que só tem contato com ela através do pedal do acelerador.
Explique porque você é assim somente às crianças. Estas sim, merecem toda nossa dedicação na tarefa de perpetuar a espécie entusiasta por automóveis. E manter vivo o fato de que um carro não é apenas um carro.
JJ