Dia desses um amigo deste grupo nos presenteou o link de um vídeo sobre a BMW, um bom documentário, de cerca de uma hora de duração, produzido pela CNBC, “BMW, a driving obsession”. Como o próprio título sugere, fala da principal característica da marca bávara, que é sua obsessão por oferecer uma dirigibilidade ímpar em todos os modelos de sua gama.
Foi, porém, o trecho que cita a compra da Rolls-Royce, ocorrida em 1998, o que me despertou especial interesse, uma seqüência de lances incríveis, com diversos ingredientes típicos de um bom romance, ações de bastidores, traição, chantagens etc., que decidi trazer até vocês.
Rolls-Royce e Bentley, juntas em 1931
A Bentley lutava contra perdas operacionais desde o início de sua existência, em 1919, fundada por William Owen Bentley. ou W.O. Bentley, como era mais conhecido. O milionário Woolf Barnato assumiu seu controle em 1926 e bem que tentou tirá-la dessa situação. Enquanto a presidiu, empenhou parte de sua fortuna pessoal no negócio e graças à sua influência e posição socioeconômica privilegiada, também obteve vultosos empréstimos bancários para mantê-la operando. Sendo um verdadeiro autoentusiasta, deu seqüência às participações dos carros de sua empresa na corrida 24 Horas de Le Mans, vencendo quatro vezes consecutivas, de 1927 a 1930. A primeira vitória, em 1924, nas mãos de John Duff e Frank Clement, foi o que o estimulou a financiar a Bentley, que dois anos depois acabou comprando. A reputação de veículos de alto desempenho e alma esportiva, que a acompanha até hoje, veio daí.
Antes de 1946, carrocerias feitas nos coachbuilders |
Mas o crash da bolsa de Nova York de 1929 também afetou os fabricantes de veículos exclusivos. Sem fundos e tampouco crédito, a produção da Bentley parou. Barnato viu seu sonho entrar em recuperação judicial (chamava-se concordata antes) e após alguns meses o liquidante colocou a Bentley à venda. O candidato mais provável na época era a Napier, que já fabricara veículos, mas estava concentrada fazendo motores aeronáuticos.
A Napier fez uma oferta de £ 104.775, tentou articular-se com o controlador da massa falida e com W.O. Bentley e já fazia planos para uma nova companhia, a Napier-Bentley, apenas aguardava a decisão da corte de falências para oficialmente comunicá-lo como novo proprietário. A audiência que definiria o futuro da Bentley foi interrompida pela BCET (British Central Equitable Trust), oferecendo maior valor e dizendo que cobriria qualquer oferta que viesse superá-la. A Napier bem que tentou reagir, mas a corte de falências rejeitou sua apelação, dizendo que não intermediaria um leilão e praticamente selou o futuro da companhia.
Um banho de água fria. Por alguns dias não se soube quem estava por trás da BCET, que levara a Bentley, até que, para surpresa geral, a Rolls-Royce foi oficialmente anunciada como a nova proprietária. A Bentley era adquirida por sua arquirrival num dramático último lance, através de um terceiro (aqui no Brasil vulgarmente conhecido como "laranja"). Eram rivais, mas a Rolls-Royce já era uma empresa várias vezes maior.
Vida nova com os novos parceiros e W.O. Bentley trabalhou nela forçadamente sob contrato por alguns anos, mas com quase nenhuma interferência no futuro da empresa, nem no seu corpo técnico.
Depois de 1946, pouca diferença visível entre as marcas Rolls-Royce e Bentley |
Dessa época até imediatamente o pós-guerra, as marcas tiveram pouco em comum, mesmo porque ambas mandavam seus chassis prontos a encarroçadoras independentes (coachbuilders), que mais tarde vieram a ser absorvidos pela marca e estes artesanalmente se encarregavam do esmero nos detalhes e diferenciação dos produtos para satisfazer o gosto de seus exclusivos clientes.
Depois do lançamento da primeira carroceria própria de aço estampado, em 1946, começaram a vir os produtos com grande sinergia. Para dizer a verdade, era mais que isto, os carros eram virtualmente idênticos, diferiam na grade do radiador e em outros detalhes cosméticos e o mercado absorveu bem os produtos dessa fusão.
1971. o ano em que a Rolls-Royce quase quebrou
Depois da compra da Bentley em 1931 e da morte de Sir Henry Royce, em 1933, as divisões de motores aeronáuticos e de automóveis coexistiram bem. Os lendários Merlin V-12 já renderam inúmeras histórias e na seqüência a empresa lançou-se a produzir turbinas de aviação que, com o explosivo crescimento econômico do pós-guerra, fez a Rolls-Royce multiplicar várias vezes as suas receitas. Para se ter uma ideia, em 1971 a divisão de turbinas tinha faturamento cerca de vinte vezes superior à de carros, proporção que se mantém mais ou menos a mesma até os dias de hoje.
Mas houve uma desventura no caminho. A americana Lockheed contratou a Rolls-Royce para a fabricação de uma nova turbina para um novo jato comercial, estimulado por uma concorrência aberta pela American Airlines. Este jato competiria com o McDonnel Douglas DC-10 em vôos de longa distância e intercontinentais. O avião viria a ser o TriStar e a turbina, a RB211. Estes motores incorporavam uma série de novas tecnologias e os atrasos no seu desenvolvimento, causados por sucessivos problemas técnicos e de confiabilidade, provocaram um suposto cancelamento das encomendas da American Airlines, que acabou preferindo adquirir os DC-10 para aumentar sua frota, colocando a preterida Lockheed e a sua parceira das turbinas em sérios apuros. Os contratos de desenvolvimento envolviam pesadas multas por atraso no programa, a Rolls-Royce entrou em processo de recuperação judicial e o governo inglês, liderado pelo então primeiro-ministro trabalhista Edward Heath, teve de interceder, separando a divisão de carros da de motores de aviação, estatizando esta última em 1973. A despeito de a divisão automobilística ser razoavelmente lucrativa, a desproporção de tamanho com a divisão de turbinas tornava impraticável qualquer tentativa de salvar a irmã maior.
A turbina RD211 e o Lockheed TriStar,, uma grande mudança nos rumos da Rolls-Royce |
Em 1980, a Vickers, fabricante inglesa de equipamentos de defesa, aventurou-se no negócio de carros de alto luxo e comprou a Rolls-Royce Motor Cars. Até então, salvo os sobressaltos nas épocas de crise, ela prosseguia exibindo resultados financeiros positivos e mantendo o orgulho inglês de produzir os melhores automóveis do mundo.
Mas, com o tempo, o novo dono foi se dando conta que, enquanto os seus carros primavam por esmero, exclusividade e refino, sendo avessos a modismos tecnológicos, seus concorrentes plebeus, o Mercedes-Benz Classe S e BMW Série 7, estavam se aproximando, justamente graças à evolução da tecnologia, o premium price cobrado por um Rolls-Royce ou Bentley estava deixando de ser um tema inquestionável na opinião de seus abastados clientes.
Em 1994, a Rolls-Royce surpreendeu novamente seus fãs e admiradores e abriu concorrência para adquirir motores de terceiros. A BMW acabou sendo a parceira escolhida, suas unidades V-8 de 4,4 litros equipariam os Bentley e os V-12 de 5,4 litros, os Rolls-Royce, numa nova geração de carros que viria ao mercado a partir de 1998. Neste audacioso programa, a Cosworth Engineering, que pertencia à Vickers, deu sua contribuição nos itens que diferenciariam estes motores dos BMW topo de linha.
Mas a crise econômica do início dos anos 1990, que reduziu a demanda de veículos de alto luxo, acabou por sufocar a capacidade econômica da Vickers de financiar o desenvolvimento da nova plataforma, que acabou postergada, introduzindo somente os novos motores germânicos com alterações menores nos veículos. E em 1998, pressionada pela ainda maior aproximação de seus concorrentes plebeus, optou por colocar a Rolls-Royce à venda.
Mas a crise econômica do início dos anos 1990, que reduziu a demanda de veículos de alto luxo, acabou por sufocar a capacidade econômica da Vickers de financiar o desenvolvimento da nova plataforma, que acabou postergada, introduzindo somente os novos motores germânicos com alterações menores nos veículos. E em 1998, pressionada pela ainda maior aproximação de seus concorrentes plebeus, optou por colocar a Rolls-Royce à venda.
Rolls-Royce à venda
A Vickers abriu concorrência. A BMW, capitaneada por seu executivo-chefe Bernd Pischetsrieder, saiu na frente e com uma oferta de £ 340 milhões já era considerada vencedora. Mas, por ironia do destino, repetindo a história de 67 anos antes, quando a Bentley fora adquirida, havia mais alguém agindo nos bastidores. Quem ainda acredita que os leilões de empresas dão-se de forma cristalina e que este seguiu um modelo de lisura, está completamente enganado.
Não se sabe como, num evento de lances fechados e com resultados já prontos para serem divulgados, a Volkswagen conseguiu ter acesso ao lance da BMW e a superou oferecendo adicionais £ 90 milhões. No Brasil, se diria que isto ocorreu aos 48 minutos do segundo tempo, poucos segundos antes do árbitro soar o apito final ou até após este; não sabemos, nem saberemos.
Entraram em jogo ações de ficção misturadas à realidade, pois bem poucas pessoas tinham acesso a esses documentos e negociações que se seguiram. E já que gostamos de especular:
“Mandem construir duas miniaturas em alumínio fundido e polido de motores BMW sobre pequena base de madeira de lei envernizada, um V-8 e um V-12 e façam-nas chegarem até o senhor presidente da empresa de defesa antes do fim desta semana", ordenou o executivo-chefe alemão. Ao recebê-los, o presidente da Vickers estranhou o presente inusitado de seu futuro ex-colega e disse a sua secretária que podia desfazer-se deles, uma vez que já tinha pesos de papel bem mais elegantes em sua sala.
Na segunda-feira que se seguiu, ele recebeu um telefonema de Pischetsrieder, que perguntou a respeito dos motores... “Recebi sim, que belas miniaturas, muito bem-executadas, finíssimas, onde foram feitas?” Mas antes de agradecer o fino presente, foi abruptamente interrompido do outro lado da linha, “Não me refiro a esses motores e sim àqueles V-8 e V-12 que a sua empresa começou a comprar da minha recentemente, coisa de três mil deles por ano”. O senhor presidente-executivo da empresa de defesa gaguejou um pouco, mas foi novamente interrompido. “Então, a Senhora controladora de minha empresa disse-me estar um tanto aborrecida por haver ganho a concorrência para comprar a sua divisão de automóveis e logo depois ser comunicada que na verdade houve um engano de interpretação e que ela não era mais a nova controladora, o senhor consegue entender a sua decepção? Pois é, ela ordenou-me para interromper envio dos motores, não das belas miniaturas que o senhor disse já ter recebido, mas dos outros!”
O presidente da Vickers não se conteve e perguntou a respeito do contrato de fornecimento, selado entre as duas empresas, sólidos como uma rocha, se estava indo tudo bem, se era necessária uma revisão nos preços dos mesmos, “afinal, não queremos que nossos parceiros sofram desequilíbrios econômicos.” Uma terceira interrupção selou o fim da conversa: “Creio que o senhor não entendeu, cumpriremos o contrato até o final, limitados às quantidades acordadas, nem uma a mais, e o fornecimento cessa em definitivo dentro dos próximos doze meses!” E desligaram...
Na segunda-feira que se seguiu, ele recebeu um telefonema de Pischetsrieder, que perguntou a respeito dos motores... “Recebi sim, que belas miniaturas, muito bem-executadas, finíssimas, onde foram feitas?” Mas antes de agradecer o fino presente, foi abruptamente interrompido do outro lado da linha, “Não me refiro a esses motores e sim àqueles V-8 e V-12 que a sua empresa começou a comprar da minha recentemente, coisa de três mil deles por ano”. O senhor presidente-executivo da empresa de defesa gaguejou um pouco, mas foi novamente interrompido. “Então, a Senhora controladora de minha empresa disse-me estar um tanto aborrecida por haver ganho a concorrência para comprar a sua divisão de automóveis e logo depois ser comunicada que na verdade houve um engano de interpretação e que ela não era mais a nova controladora, o senhor consegue entender a sua decepção? Pois é, ela ordenou-me para interromper envio dos motores, não das belas miniaturas que o senhor disse já ter recebido, mas dos outros!”
O presidente da Vickers não se conteve e perguntou a respeito do contrato de fornecimento, selado entre as duas empresas, sólidos como uma rocha, se estava indo tudo bem, se era necessária uma revisão nos preços dos mesmos, “afinal, não queremos que nossos parceiros sofram desequilíbrios econômicos.” Uma terceira interrupção selou o fim da conversa: “Creio que o senhor não entendeu, cumpriremos o contrato até o final, limitados às quantidades acordadas, nem uma a mais, e o fornecimento cessa em definitivo dentro dos próximos doze meses!” E desligaram...
Spirit of Ecstasy pertenceu à VW por alguns anos |
Voltando à realidade, a Volkswagen não tinha como sair dessa incólume. Ela não dispunha de motores à altura de um Bentley, menos ainda de um Rolls-Royce, os motores ingleses V-8 já não atendiam as leis de emissões da época. Tampouco dava para recorrer a eles, não é necessário trabalhar na indústria para perceber que o tempo que levariam a desenvolver tais produtos seria bastante superior ao prazo final dado pela BMW para término do fornecimento de motores. Para piorar, com quantidades reguladas a conta-gotas, a formação de um estoque de transição tampouco seria viável. Pronto, a VW ganhou um belo abacaxi no colo, tinha levado a Rolls-Royce e Bentley com uma oferta maior e depois do soar dos gongos, mas não teria como produzir nenhum desses carros dali a doze meses – e por um bom tempo. Pode-se especular que pensaram na Daimler-Benz? Creio que não. A sério, não.
Mais alguns agravantes vieram à tona. A VW comprara ambas as marcas e a vênus alada Spirit of Ecstasy, mas, não se sabe como não perceberam, eles tinham direito ao desenho do radiador (imaginem que o desenho da garrafa da Coca-Cola é patenteado, o do radiador dos Rolls-Royce também é), mas que não garantia o uso da marca Rolls-Royce, com os dois "R" negros sobrepostos, direito este que pertencia a Rolls-Royce plc, a fabricante de turbinas de aviação, que depois de estatizada, na época da primeira-ministra Margaret Tatcher, voltou a ser privatizada, ganhando a pequena sigla, que significa Private Limited Company. Esta também passara a ser parceira da BMW nas turbinas de jatos de pequeno e médio portes, desde 1990.
O RR em vermelho é de antes da morte de Sir Henry Royce, em 1933 |
Pode-se, porém, presumir que na BMW havia quem conhecesse bem esses detalhes e de toda a documentação do passado da empresa, e não tardou muito a marca bávara apareceu com outra aquisição, por adicionais £ 40 milhões: acabara de garantir, junto a sua parceira de turbinas de aviação, num acordo com Sir Ralph Robins, presidente da Rolls-Royce plc, o uso do logo Rolls-Royce, sobre os radiadores, cuja propriedade intelectual estava nas mãos da VW, ou seja, a VW tinha a fábrica de Crewe, as linhas de produção, mas não tinha os motores, nem o RR, e a BMW tinha estes, mas não tinha o restante...
O desenho do radiador, patenteado, o RR em preto, Spirit of Ecstasy: como dissociar? |
Por essa a Volkswagen não esperava, tampouco a Vickers: quando houve a divisão da Rolls-Royce em 1973, dando origem a duas empresas independentes, os direitos legais de uso dos dois "R" sobrepostos nos automóveis ficaram com a empresa de turbinas de aviação! Pensando em retrospecto, fazia todo o sentido, criaram uma proteção para prevenir um fabricante não-britânico se apoderasse da valiosa marca Rolls-Royce. Enquanto pertencente à Vickers, a plc nunca se manifestou em contrário, pressupõe-se por ser esta empresa britânica de excelente reputação, fornecedora de equipamentos de defesa ao governo, mas se a Vickers decidisse vender a Rolls-Royce a um fabricante de outro país, ela poderia exercer o seu direito de veto e o comprador ficaria sem os dois "R" sobrepostos. Aparentemente a Vickers tampouco estava completamente ciente destes detalhes e vendeu à VW algo que não tinha. Louco não? Contratou uma assessoria jurídica e esta confirmou que a Vickers podia vender a Bentley, mas não a Rolls-Royce...
Rolls-Royce plc, de turbinas de aviação |
Portanto, nem uma, nem outra empresa alemã estava capacitada a dar continuidade à lendária marca produtora dos melhores automóveis do mundo, a única superlativa em luxo e conforto e primor de execução, carregada de lendas e mitos, preferidos por reis, rainhas, sultões do petróleo e alguns rapers famosos... Estavam prontas as condições para produzir um acordo?
28 de julho de 1998 – O acordo de Manching
De um lado, Dr. Ferdinand Piëch, neto de Ferdinand Porsche e presidente do conselho de administração da VW, Dr. Klaus Liesen, presidente do conselho, Helmut Schröder, primeiro-ministro do Estado da Baixa Saxônia (depois veio a tornar-se primeiro-ministro da Alemanha), que detém participação acionária e voto no conselho da VW e Dr. Jens Neumann, seu homem de confiança e membro do conselho de administração e responsável pela estratégia corporativa da VW, e Kurt Rippholz, o segundo no comando de relações corporativas da VW. A delegação da VW viajara no jato executivo da empresa até um campo de aviação, que pertencera a Luftwaffe, perto de Munique.
Recebidos por uma reluzente frota de Audi A8, dirigiram-se ao clube de golfe próximo a Manching para se encontrarem com a delegação da BMW, liderada pelo então executivo-chefe Bernd Pischetsrieder, presidente do conselho de administração da BMW, Dr. Eberhard von Künheim, presidente do conselho e tido por muitos como o responsável pela nova "cara" da BMW do século 21, Edmund Stoiber, primeiro-ministro da Bavária, Dr. Hagen Lüderitz, conselheiro jurídico do conselho e Richard Gaul, diretor de relações corporativas da BMW.
O acordo já estava pronto e apenas foi formalmente assinado e testemunhado por todos esses senhores. A Volkswagen ficaria com a Bentley e todos os seus ativos, ou seja, fábrica, linha de montagem etc., e a BMW ficaria com a Rolls-Royce, cujos carros seguiriam sendo fabricados no mesmo local até 2003, depois sua produção seria transferida para a fábrica de Goodwood, em Chichester, cerca de 120 km a sudoeste de Londres, fábrica esta ainda por ser construída.
Documento pronto, três representantes de cada empresa seguiriam para Londres para comunicar ao mundo o que eles haviam acordado.
A Bentley seguiu recebendo motores BMW V-8, mas a Volkswagen tratou de imediatamente desenvolver atualizações técnicas no V-8 que fora descontinuado em 1998, aquele de 6,75 litros, para se desfazer do incômodo fornecedor rival, até que os motores W-12 da marca estivessem prontos.
Foi a única saída possível para a continuidade das marcas nos automóveis Rolls-Royce e Bentley. Mas foi um bom acordo?
Pensemos bem, o senhor Piëch convence o conselho de administração de sua empresa a comprar a Rolls-Royce e Bentley, que tomando todas as suas ações multiplicadas pelo seu valor da época (91 pence), chegava a £ 30 milhões, produzia 3 mil carros/ano e acaba pagando £ 430 milhões, mas fica só com a Bentley.
Do outro lado, o senhor Pischetsrieder convence a matriarca da família Quandt, o conselho de administração e os acionistas a comprar a mesma empresa e acaba ficando só com a Rolls-Royce, paga um valor menor, mas terá de construir uma nova fábrica do zero, para um terço dos volumes!
Isto ficou parecendo mais para uma disputa de egos inflados, ou não?
Presumível que cada um tratou de encarregar seus respectivos times de marketing, vendas, financeiros a recalcular inúmeras vezes o business case, e tome revisões e revisões de premissas, multipliquem-se os volumes, o mercado com mais compradores, enfim, quando se quer chegar a um número convincente a turma se encarrega de fabricar esse número e todos se convencem.
Os puristas e fãs das marcas compradas, principalmente os nascidos na Grã-Bretanha, provavelmente tiveram o seu orgulho arranhado, suas duas marcas de automóveis irmãs desde 1931, superlativas em luxo, compradas por um par de empresas alemãs e rivais, que as iriam separar novamente. A alma, identidade, DNA com um futuro completamente incerto e certamente não-inglês. De doer.
Mas eu penso que o dinheiro que entrou na compra das empresas, muitas vezes maior que o valor da Rolls-Royce Motor Cars, foi um dinheiro lícito, sem sinergia. Tendo se multiplicado os times de trabalho, fornecedores locais, operários das linhas de montagem, enfim, se antes não empregavam mais que duas mil pessoas, os novos rivais empregando somados mais de cinco mil em fábricas reluzentes como uma mesa cirúrgica de um hospital de primeira linha, todos produzindo com orgulho e esmero carros de uma marca centenária e outra de coração esportivo, teria sido assim tão ruim? Creio que não.
A Rolls-Royce bateu recorde histórico de produção em 2011, entregando 3.538 unidades ao mundo, a Bentley faz cerca de duas vezes esse volume, o faturamento das duas empresas separadas pelas circunstâncias tornou-se algumas vezes maior do que era em 1998. Ambas deram resultado positivo.
O que acharam da jogada liderada pelo senhor Pischetsrieder? Genial? Ele certamente conquistou respeito e admiração do Dr. Piëch, tanto que alguns meses depois deixou o posto número um da BMW para assumir um assento no conselho de administração da Volkswagen e, uma vez expiradas as cláusulas contratuais de não seguir para a concorrência (evitando levar segredos industriais e estratégicos), assumiu o posto de excutivo-chefe do grupo VW três anos depois, em 2002, ficando até dezembro de 2006, quando após novo suposto desentendimento com o Dr. Piëch teve de deixar o comando da Volkswagen, mas segue empregado dela até hoje! Nada mau.
Caso algum leitor me indague se para um verdadeiro romance moderno não faltaram cenas de ação, mulheres, sedução e sexo, eu responderia que certamente não faltou. O primeiro carro do agente secreto 007, James Bond, foi um Bentley S2!
Bentley S2, o carro que foi de Sean Connery, o primeiro James Bond |
MAS
Referências e consultas:
Livro "O colapso da Bentley Motors"
Livro "Strategiches Performance Management
Wikipedia, sobre Bernd Pichetsrieder
Car Maganize, entrevista com Bernd Pichtesrieder
Nota sobre a carreira de Pichetsrieder
Livro "The kidnap of the Flying Lady
Post Genial. Há tempos não lia algo tão interessante.
ResponderExcluirRecentemente assisti em vídeo, a montagem dos carros da RR. É fantástico e mesmo há anos luz de poder comprar um, ainda não perdi as esperanças, hehe...Faltaria ainda dinheiro para o IPVA, mas isso é outra história.
ResponderExcluirOs RR, são carros que primam pela qualidade e são extremamente silenciosos, o que mais gosto em um veículo.
Muito bom o post. Valeu a leitura.
Quanto a divisão das marcas, não seria melhor a BMW e a VW criar um outra empresa para assumir a RR e a Bentley?
Realmente, muito interessante,
ResponderExcluirsou verdadeiro fâ da VW e da BMW, sabia dessa história , mas não dos seus pormenores.
Parabéns
Que história interessante, gostei!
ResponderExcluirParabéns pelo texto.
Alguns posts aqui não são apenas textos em si, mas alta literatura. parabéns ao autor.
ResponderExcluirUma pena ser tão difícil para os brasileiros adquirir BMWs, mercedes, e RRs.
E a cada dia isso fica mais difícil.
Que se aumente o imposto das carroças, não dos carros de verdade.
Excelente post MAS, obrigado !
ResponderExcluirInteressantíssimo!! Parabéns pelo post.
ResponderExcluirSempre leio o blog usando meu iPhone, pela versão "mobile" do blog.
ResponderExcluirEstá impossível ler este artigo, porque, por algum motivo, as caixas de texto modtram letras brancas em fundo branco, à exceção do primeiro parágrafo, e das fotos.
Post interessantíssimo, e prova que atualmente ainda existem histórias boas pra contar, isso não ficou no passado distante.
ResponderExcluirAnônimo 20/01/12 16:13,
ResponderExcluirNo meu iPhone funciona normalmente (letras brancas com fundo preto)... Qual é o navegador que você usa??
Sobre o post, eu achei muito interessante a história. Um belo post.
É ISSO AÍ STRASSEN, PAU NESSES BÁVAROS FOLGADOS!
ResponderExcluirParabéns pelo texto.
ResponderExcluirTambém uso bastante a versão mobile e estou tendo problemas com esse texto. meu celular é um Android!
Olá AUTOentusiasta.
ResponderExcluirTive a oportunidade de estar á menos de um metro de dois personagens desse Post: Pischetsrieder e Dr. Piëch num evento na Alemanha.
também conhecia a historia mas não com tantos detalhes...
Não sei se existe uma versão traduzida mas recomendaria aos colegas que lessem Auto Biographie do Dr. Piëch, é muito interessante.
O Especialista,
ResponderExcluirLessem é com C, e não com dois SS.
Lessem é com dois S mesmo, está certo.
ExcluirMeu navegador é o Safari, do próprio iPhone. Continua aparecendo branco sobre branco.
ResponderExcluirCreio que a expressão "driving obsession" tem um duplo sentido: pode ser entendido como o articulista preferiu mas também como uma obsessão que obriga a BMW a seguir seu destino: tornar-se uma grande indústria automotiva (como a VW e a Daimler). AGB
ResponderExcluirModéstia às favas, esse Marco Aurélio escreve muitíssimo bem. Mandou ver, hein! Parabéns, pois contou uma história interessante com maestria!
ResponderExcluirBeijos,
Mari-Jô Zilveti
Quando o contrato de W.O Bentley findou, ele solicitou à diretoria da Rolls-Royce que lhe cedesse o seu Bentley 8-litre de uso pessoal. Mas a empresa negou e o carro faz parte de seu acervo até hoje. Imaginem a frustração do velho W.O.!
ResponderExcluirPara quem se interessa sobre o assunto, recomendo a leitura do livro "Rolls-Royce from the Inside", do jornalista inglês Reg Abbiss. Toneladas de informações interessantes! À venda na Amazon.
Em tempo: o livro acima citado desmistifica algumas lendas, como a do logotipo em preto adotado por "luto".
ResponderExcluirNa realidade, essa foi uma das últimas determinações de Sir Henry Royce. Ele achava que as letras em preto eram mais elegantes e combinavam melhor com a cor do carro.
Já que sonhar não custa (ainda), que vontade de ter um Silver Shadow II fixed head coupe, uma das mais belas carrocerias que já ostentaram o duplo R entrelaçado!
ResponderExcluirSe possível,experimentem o Firefox móvel,sai igualzinho ao que aparece no desktop.
ResponderExcluirMAS,parabéns pelo post,uma verdadeira aula de história,vale lembrar que nos livros de Ian Fleming,o James Bond guiava um Bentley Continental,e no livro "O Foguete da Morte",há uma passagem de um pega entre Bond com o Bentley e o Vilão em uma Mercedes. Muito interessante!
Cara que post! minha nossa! muito obrigado!
ResponderExcluirBelo post! Muito bom!
ResponderExcluirParabéns!
ResponderExcluirMuito legal!
Sou um apaixonado pelos Rolls Royce. Soa como uma música maravilhosa aos sons sublimes de um piano e um violino... Já fiquei em frente a um deles em 1968 ( Era igual ao que aparece na foto, onde a comparações entre o Rolls Royce e o Bentley, sua cor era azul e branco) foi o quando o senhor que trabalha no Banco do Brasil, apareceu com um na casa em frente onde morávamos no Rio de Janeiro. Ao vê-lo, fui direto olhar a sua frente maravilhosa e passei minhas pequenas mãos de um jovem de 14 anos no simbolo Espírito do Êxtase (A Dama Voadora) e passei meus dedos pelo simbolo dos RR. Depois fiquei meio abobalhado e meu pai veio até onde eu estava e disse-me: Satisfeito meu filho ? E eu falei: Quando eu comprar o meu ai, sim, estarei satisfeito ! Hoje, passados 50 anos, ainda não consegui realizar este sonho (um deles...). Mas um dia eu o farei.
ResponderExcluirJorge
ExcluirIncrível, como as coisas da adolescência marcam, não?
Exatamente Bob, marcam e muito. Foi um dos meus momentos mais significativos. Obrigado pelo cometário. Grande abraço.
ResponderExcluirQue roteiro cinematográfico automotivo espetacular. O importante é que as duas marcas - RR e Bentley - continuam vivas. Tem tantas outras histórias de marcas automotivas glamurosas no passado que acabaram sucumbidas ou incorporadas (e se apagou o seu emblema), como p ex DKW, Buick, Gordini ... http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_fabricantes_de_autom%C3%B3veis
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