Não tem jeito. Por mais que admiremos tecnologia avançada, por mais que precisemos respirar ar limpo, por mais que detestemos ruídos desagradáveis e intrusivos, carro tem que fazer barulho. Veículo motorizado tem que ter som. Motor tem que ter explosão para ser considerado motor de verdade.
Alguém é capaz de imaginar a Formula 1 do futuro com carros elétricos e silenciosos? O som de um carro de Formula 1 fica marcado na alma de todos que já o ouviram pessoalmente, em qualquer lugar do mundo. Fico imaginando a primeira corrida em algum país onde nunca houve Formula 1. Os sons normais do lugar são somados a um rugido nunca antes ouvido por lá. Algo como um avião a jato passando pela primeira vez sobre uma tribo indígena. De repente, toda uma área antes alheia a algo tão diferente, fica tomada por um novo item, dominador, no ambiente. Um som descomunal, elevado, intenso, um berro emitido por uma máquina mecânica que mais faz imaginar algum monstro lendário ou um cataclisma do que um carro.
Carros sem som podem ter sua utilidade, podem até mesmo se tornar indispensáveis num futuro bem próximo. Mas o som de um motor bem projetado, construído e munido de um escapamento decente, é insubstituível. E não precisa ser barulhento para ser bonito ou mesmo marcante. Basta ter personalidade, assinatura sonora, como já li certa vez.
Quando o Dodge Viper foi lançado, um dos pontos criticados foi justamente o som do motor. Montado em um carro de uma ferocidade visual como poucas vezes realizada na história do automóvel, o som do V-10 originário de caminhão, porém construído em alumínio, era pouco inspirador. Muito menos excitante e entusiástico do que um bom V-8 com vários litros a menos. E o pior, vindo da Chrysler, mãe do Hemi, um dos mais fabulosos roncadores. Aí devemos lembrar o seguinte: o Hemi atual, ao menos quando colocado num 300C, que podemos ouvir de vez em quando, é absolutamente amordaçado. Como se trata de um sedã e não de um esportivo, há silenciadores do tamanho do tanque principal do Space Shuttle, e o carro se recusa a berrar, mesmo quando se afunda o pé com força. Se for o automático então, o contraste entre ler aquela plaqueta "Hemi" e escutar o dito cujo, é absurdo. Um anticlímax.
Quem já escutou um Hemi antigo, colocado naqueles toscos, e por isso mesmo maravilhosos, muscle cars dos anos 60, tem certeza que esse Hemi novo, todo silenciado e isolado, é um 4-cilindros qualquer. Dia desses tive o prazer de acompanhar com meu carro, andando atrás e ao lado, um Mustang novinho, que além do borbulhar do V-8, tinha um gemido de compressor mecânico tocado por correia, aquilo que se chama de whine noise em inglês. Um outro mundo. Um mundo que a "crise" quer que acabe. Essa maldita e impessoal crise, que domina nosso dia-a-dia se formos só um pouquinho pessimistas. Uma crise a que tudo de ruim é atribuído e que serve de desculpa para tudo.
Em nome dos entusiastas de todo o mundo, eu torço todos os dias para que essa situação desconfortável não perdure, para que tenhamos mais e mais carros com sons memoráveis.
Carros com sons que nos façam lembrar deles daqui a 30, 40 anos como se fosse hoje.