google.com, pub-3521758178363208, DIRECT, f08c47fec0942fa0 AUTOentusiastas Classic (2008-2014): Rolls-Royce
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Imponência em forma de carro

Algumas coisas demoramos a entender.

Apreciar carros enormes é algo que foge da preferência da maior parte dos autoentusiastas, já que “grande” significa quase sempre uma regra geral para “pesado”, e muita massa significa movimentos de carroceria pouco agradáveis na maioria das vezes. Como a maioria de meus amigos da área são quase que viciados em desempenho e agilidade extremos, o carro grandalhão acaba sendo desprezado. Não por mim.

O mundo tem muita variedade, que é algo que prezo bastante, e consigo lhes dizer que as ditas barcas sempre me atraíram. Desde muito pequeno, carros que me pareciam grandes como caminhões me fascinavam. Assim foi com um Buick da década de 1950 (não sei o modelo, mas pode ser o Roadmaster) que meu pai pegava emprestado de seu chefe, com um Galaxie 500 que ele usou por um final de semana para ver como era, com um Dodge Charger R/T que fiquei horas namorando em uma pousada de praia durante um final de semana, os  mesmos Chargers que me faziam sentar na frente de casa para esperá-los passar, o Landau a álcool que além de sua sublime suspensão foi o carro mais veloz do Brasil por muitos anos, a D-20 que me capturou pela sua versatilidade e foi meu carro de uso diário por quase três anos e que só foi vendida porque não cabia na garagem do edifício para onde me mudei, até os monstros de todas marcas e anos que sempre me atraíram e continuam fazendo-o.

Depois de muitos anos de vida adulta, a análise dos fatos históricos me fez chegar a uma conclusão fácil de entender. Meu avô paterno, espanhol de nascimento, teve sua carteira de identidade falsificada aos 16 anos para poder se habilitar em caminhões e ajudar na renda da família. Já que parte de meu DNA veio dele, não estranho nem um pouco minha preferência pelo torque pleno e potência em rotações civilizadas, ou seja, baixas e silenciosas. Poucas coisas são mais desagradáveis no mundo do automóvel do que viajar a 120 km/h com um motor girando perto dos 4.000 rpm. Definitivamente, rotações de corrida são para pistas, ou na melhor das hipóteses, para alguns poucos momentos, não para todo dia.

Elegância inata
Fotos: internet, ultimatecarpage



Carros de filme de agente secreto sempre são interessantes. Os mais famosos são os da série do agente britânico 007, atualmente de volta às origens com a Aston Martin. Os carros são equipados com engenhocas especiais para combater o crime de todas as formas possíveis e impossíveis.

Recentemente, entretanto, um novo filme de agente secreto estreiou no circuito nacional. Bem, não exatamente o conhecido James Bond, mas o também britânico Johnny English, uma sátira comandada por Rowan Atkinson, o inesquecível Mr. Bean.

Os carros especiais dos filmes de Hollywood geralmente são modificações e camuflagens de modelos convencionais adaptados para serem visualmente idênticos aos grandes modelos, como Ferraris e Lamborghinis. Para filmanges de close e cenas estáticas, os modelos originais são usados, mas em cenas de ação, os fakes entram em cena.


Já falei um pouco sobre Dubai em posts anteriores, mas agora tenho um bom material ilustrativo sobre os carros que vi por lá (veja as fotos no final).

Nessa região do Oriente Médio há muita riqueza e um bom jeito de ostentá-la por onde quer que se vá é através dos carros. Não tenho dados, mas posso apostar que o Oriente Médio é um dos maiores mercados da Rolls-Royce, Bentley, Porsche, Ferrari e outras marcas de luxo e de esportivos.


O ornamento de capô mais famoso do mundo é a estátua de uma mulher chamada Eleanor Velasco Thornton e nasceu de uma história de amor, ou de um amor secreto.

No início do século XX, Eleanor era a amada do Lorde Montagu of Beaulieu, um entusiasta por automóveis e editor da revista inglesa The Car. Eles não podiam oficializar seu romance uma vez que Eleanor não tinha credenciais sociais suficientes para ser esposa de um Lorde. O Lorde tinha uma esposa oficial.

Lorde Montagu encomendou uma estátua ao escultor Charles Robinson Sykes para ornar o capô de seu Rolls-Royce Silver Ghost. Eleanor, com seu robe flamejante, foi a modelo. Simbolizando o amor secreto, originalmente o nome da estátua era The Whisper, que pode ser traduzido como O Segredo.
Os primeiros Rolls-Royces não tinham ornamentos no capô. Porém em 1910 os enfeites se tornaram moda e cada pessoa escolhia o seu. Só que alguma pessoas estavam usando "mascotes" inapropriados para um Rolls-Royce. Algo como um adesivo "É nóis na fita" num Mercedes Classe S! Então a Rolls-Royce tratou de encomendar um mascote gracioso, compatível com a marca que expressasse o espírito da marca:

"The spirit of the Rolls-Royce, namely, speed with silence, absence of vibration, the mysterious harnessing of great energy and a beautiful living organism of superb grace..."

"O espírito da Rolls-Royce, ou seja, a velocidade com o silêncio, a ausência de vibração, a misteriosa combinação de energia e um bonito ser de graça soberba..."

Charles Robinson Skyes foi o escolhido pela Rolls-Royce, que lhe sugeriu como inspiração a Deusa Alada da Vitória, Nike. Porém Skyes não se impressionou e quis algo mais feminino: Eleanor. Então ele modificou The Whisper transformando-a na Spirit of Ecstasy, Espírito do Êxtase. Originalmente foi chamada de Spirity of Speed. Mas na época de sua apresentação para a Rolls-Royce Skyes se referiu a ela como uma pequena e graciosa deusa, Espírito do Êxtase, confirmando assim seu nome final.

Nos Estados Unidos, onde o ornamento é um pouco diferente, com maior inclinação para frente, é conhecido como The Flying Lady, ou A Dama Voadora.

De 1911 a 1914 o ornamento era banhado em prata. Depois passou a ser banhado em níquel ou cromo para desestimular furtos. Chegou a ser oferecido banhado em ouro, como opcional. A estatueta, ao contrário do que quase todo mundo diz, nunca foi feita com prata maciça.

E assim um amor proibido ficou eternizado.

Nota: quando visitamos a coleção do Og Pozzoli descobri que o ornamento dos Packards se chama Goddess of Speed, Deusa da Velocidade. Não tem a mesma graça da Eleanor!

Com desculpas aos leitores por continuar espremendo o assunto até sua última gota, resolvi relembrar hoje algumas frases famosas de Sir Henry. São pequenas pérolas de sabedoria, e que ilustram bem a maneira de pensar desse homem formidável. A mais famosa delas é aquela com que começei o post sobre as cinco mortes da empresa, portanto não o repetiremos aqui. A elas, então:

Sir Frederick Henry Royce, 1st Baronet, OBE , teve origem mais humilde do que se poderia imaginar pelo seu pomposo nome e título de Baronete.

Nascido pobre, Royce começou a trabalhar muito duro a partir dos 9 anos de idade. Nunca cursou uma escola, mas estudou sempre e muito em seu tempo livre, desde cedo mostrando extrema habilidade mecânica. Com 21 anos abria, com muita dificuldade, a "F.H. Royce and Company, Electricians", uma pequena indústria (na verdade, uma oficina no começo) de materiais elétricos, que viria finalmente lhe dar alguma estabilidade financeira ainda antes dos 30 anos de idade.

Royce acabou famoso pelos carros que acabou fazendo com Charles Rolls, mas sua indústria de materiais elétricos permaneceu ativa até sua morte, em 1933. Tudo ia bem com ela até que em 1903, começou a aparecer uma forte concorrência para seus dínamos e guindastes, vinda principalmente da Alemanha e dos EUA. Royce refutou veementemente os pedidos de seus subordinados para baratear seus produtos para enfrentar a competição, cunhando a famosa frase:

"The quality will remain long after the price is forgotten"
(A qualidade permanece muito tempo depois do preço ter sido esquecido.)

Sir Henry era um homem do século 19; sendo assim, associava qualidade com controle apenas. Não tinha problema nenhum de jogar 10 peças fora, mas fazia questão de que todas montadas em seus carros fossem perfeitas. Mas tinha uma noção moderna de qualidade quando se fala de retrabalho: Royce exigia que a peça rejeitada fosse jogada fora, e que a falha fosse corrigida para que a próxima estivesse boa, e não permitia os famosos "ajustes" ou "retrabalhos". Por toda fábrica, se viam placas dizendo:

"Above all things, be accurate."
(Acima de tudo, seja preciso.)

Os métodos de projeto de Royce também refletiam sua origem de mecânico autodidata. Royce fazia incansavelmente modificações e experimentos, buscando descobrir em suas bancadas de trabalho algo que não conseguia prever teoricamente. Mas chegou a uma verdade inegável:

"There is no sure way of judging anything except by experiment."
(Não há outra maneira de julgar algo que não seja por experimentação.)

Royce é o estereótipo do perfeccionista. Nunca estava satisfeito, e trabalhava incessantemente e incansavelmente a vida toda, numa impossível busca da perfeição. Certa vez, ouvindo de um funcionário que algo estava "suficientemente bom", cunhou outra famosa frase:

"Nothing is good enough - there is always a way to make it better - a way which we must all strive to learn."
( Nada é suficientemente bom - sempre há uma maneira de melhorar - de uma maneira que todos devemos nos esforçar para aprender.)

Esta mesma frase, melhor pensada e lapidada, se tornou uma outra mais famosa, mais generalista mas com o mesmo significado básico:

"Strive for perfection in everything you do. Take the best that exists and make it better. When it does not exist, design it."
( Busque a perfeição em tudo que faça. Pegue o melhor que existe, e faça melhor. Quando não existir, desenhe-o.)

MAO



Whatever is properly done, however humble, is noble

Há algum tempo atrás, existiam duas formas de se fazer um carro. A primeira é uma que permanece até hoje: se define um preço de venda e projeta-se um carro para ele. A segunda, bem mais nobre mas totalmente ultrapassada e impossível para o mundo moderno, era fazer um carro de maneira correta, (“proper”), seguindo uma especificação, e então vendê-lo pelo preço resultante.

A primeira forma foi desenvolvida à perfeição pela General Motors de Alfred Sloan. A segunda, é o método tornado famoso por Sir Henry Royce.

Mas um Rolls-Royce é algo terrivelmente antiquado hoje em dia. Neste tempo em que vivemos, todos os pilares sobre os quais o Honorável Sir Henry Royce criou seus automóveis parecem desaparecidos.

O belo fica em segundo lugar ao que meramente está em voga. A honra de fazer algo bem feito, da maneira correta, é esquecida, substituída pela esperteza de criar algo que pode ser vendido por bem mais do que vale. A tranquila sabedoria dos mais velhos é desprezada pela energia sem sentido da juventude. Honestidade é colocada em segundo plano ao lucro.

Mesmo a Mercedes-Benz, antes uma séria empresa que refletia isso em um desenho despretensioso, seco, invisível de seus carros, que escondia um “tour de force” tecnológico, hoje se limita a criar carros cheios de alargadores de para-lamas, rodas gigantescas, linhas de cintura acentuadas, e mais guelras e aberturas de admissão e escape que qualquer tubarão imaginado por Bill Mitchell. O que antes era um carro sério para pessoas sérias, passou a ser algo em que uma criança de 45 anos possa mostrar que ainda é jovem e acompanha a moda. Triste.

Não é por acaso, então, que o pormenor totalmente adulto de um Rolls-Royce não tenha lugar no mundo moderno. O seu lema, mencionado no início deste post, chamava as pessoas a um ideal superior de vida; aquele que coloca a vocação pessoal e o orgulho de se fazer um trabalho de maneira correta acima de todas as outras considerações. No caso da Rolls, isto se traduzia em carros feitos da melhor maneira conhecida, sem senões e nem porquês. Seus carros foram feitos para carregar seus donos com honra, discrição e tranquilidade, sendo absolutamente confortáveis e confiáveis no processo.

Alguns diriam chatos, lentos e molengas, como fizeram todas as publicações automotivas do mundo desde os anos 60, algo que muito ajudou o fim da empresa. Coincidência ou não, os anos 60 foram a década em que o mundo foi varrido por revoluções de todos os tipos, a maioria delas proclamando uma nova maneira de viver onde um carro tão aristocrático e sério como um Rolls não teria lugar.


De minha parte, pergunto: e daí que Rolls-Royces são como peixes fora d’água numa pista? Porque é agora um pecado comprar algo bem feito, mesmo que custe uma verdadeira fortuna? Nem todo mundo é piloto, e se alguém trabalhou a vida toda para ter algo bom, por que não pode tê-lo? Mas a partir dos anos 60, o mundo mudou, e tais coisas viraram quase um pecado.

Mas decadência da empresa não foi total e imediata. Não, o seu significado é tão forte que sua morte vem se arrastando há quase um século, sem nunca acontecer “de facto”. Para ilustrar essa triste saga de decrepitude e decadência, separei cinco ocasiões em que um pouco desse espírito nobre da empresa foi destruído, até que sobrasse apenas uma placa com os dizeres que abrem este post, e mais nada. São cinco vezes em que a empresa na verdade morreu em espírito, e dela emergiu outra empresa que tenta, até hoje, carregar seus princípios adiante. Os mais versados na história da marca podem estranhar que não incluí entre as cinco mortes da empresa a vez em que ela realmente morreu, a sua falência de 1971. Mas este episódio não tem relação nenhuma com o assunto sobre o qual falamos. Morte espiritual, não real, é o que conta aqui.



1) A morte de Henry Royce
Até sua morte em 1933, o fundador tinha uma presença fortíssima, e os carros eram projetados debaixo de sua vontade. Nesta época não havia possibilidade real da empresa falir, mas sua alma sofreu o maior de todos os baques. O espírito motivador de Royce desapareceu assim que ele se foi, e seu Phantom III V-12 foi o último Rolls-Royce desenvolvido sem preocupação alguma com custo.





2) Arte sobre o capô
O mascote de capô mais conhecido do mundo adorna o radiador dos Rolls. O “Espírito do êxtase” é uma escultura “art-noveau” de uma dama de braços abertos para trás, usando roupas esvoaçantes. A obra é de autoria de Charles Sykes, que usou como modelo Eleanor Thorton, famosa e belíssima amante do pioneiro do automobilismo, Lord Montagu de Beaulieu.

Mas o mais interessante é que a produção dos mascotes de capô foi, até a morte de Sykes, realizada por ele mesmo. O artista fundia em seu estúdio as cópias da escultura original, usando uma mistura de cobre e zinco (e nunca prata como muita gente comenta). Significa que eram reais obras de arte, e como quais, levavam a assinatura do escultor em sua base.

Em 1950, Sykes falecia, a empresa tomava para si sua produção. Mas nunca mais o nome do escultor apareceria em sua base. O que era antes uma obra de arte, se tornou apenas mais uma peça de automóvel.

3) The Fitch is gone
Nos anos 90, a linha de produção da Rolls-Royce inevitavelmente sofre mais uma modernização, mais uma de várias que vinha sofrendo sistematicamente desde os anos 60. Desta vez, era uma tentativa de emular as infames técnicas “Lean”, popularizadas pelo sucesso da Toyota. No ano de 1996, então era adotado mais um robô, este para realizar a pintura de filetes decorativos na carroceria, chamadas aristocraticamente na Rolls de “Body Coachlines”.

Antes do robô, os filetes eram feitos por um artesão velhinho, com a mão muito firme, usando um finíssimo pincel de cerdas bem longas, chamado “Fitch”. O artesão foi aposentado, sua raríssima habilidade de repente sem mais nenhuma utilidade neste mundo.

Na verdade, o sumiço do fitch é só um símbolo do abandono total das antigas práticas de produção da empresa. A Rolls passava a produzir carros como qualquer outra.

4) O motor BMW
Esta foi a mais ignóbil das atrocidades cometidas ao espírito da empresa. A empresa que criou os motores Merlin V-12 que ajudaram os caças ingleses a vencer a Batalha da Inglaterra contra os Messerschmitt movidos pela Daimler-Benz, agora usava motores da BMW? Uma empresa de engenharia e motores, relegada a criar carrocerias apenas? Há destinos piores para uma empresa, mas não muitos...

O carro que levava este motor refletiu os tempos instáveis da empresa: não era melhor que o carro que substituía em praticamente nada, foi esquecido rapidamente e teve uma das menores vidas de um modelo na história da empresa, com longa tradição de manter seus carros por mais de dez anos em produção.

O Silver Seraph era uma afronta aos pilotos da segunda guerra; um sacrilégio para uma marca tão aristocrata e inglesa como a Rolls. A empresa devia ter fechado as portas naquele ano de 1998, mas ao invés disso, além de lançar este carro, foi alvo de uma triste batalha entre a VW e a BMW para sua compra, que terminou com a venda para a duas fábricas, instalações e a marca Bentley para a VW e o nome Rolls-Royce, para a BMW. O que nos leva a:

5) Um Rolls-Royce projetado pela BMW
A marca bávara, cheia de méritos próprios, sabe-se lá porque tem uma grave fixação pela Inglaterra. E hoje usa marcas inglesas, Mini e Rolls-Royce, como sua marca de entrada e de extremo luxo, respectivamente.


O automóvel Rolls-Royce atual, apesar de ser em termos frios e calculistas um dos mais incríveis já criados pela humanidade, é uma caricatura imensa de um passado distante e esquecido. O fato de seu relativo sucesso é devido à sua adoção pelos cantores de rap estadunidenses que falam muito sobre isso. Uma triste realidade, e um triste fim para talvez a mais nobre das marcas que já criaram um automóvel. O que era uma nobre carruagem inglesa é hoje uma super-adornada barca bávara, usada como símbolo de status por gânguesteres que se imaginam poetas modernos.



A Rolls-Royce nunca foi estranha a donos cafonas e exagerados: os sultões árabes e os novos ricos americanos da década de 70, com seus Silver Shadows, veem a cabeça imediatamente. Mas hoje, sendo um Rolls-Royce apenas no nome e no estilo caricato, usando motores alemães e com Hans decidindo seu futuro, de alguma forma ele não consegue se manter imune aos efeitos nocivos desta imagem. Mesmo mantendo as características básicas dos carros da marca: silêncio absoluto, conforto total, melhores materiais possíveis. E a aceleração, que num Rolls é diferente de todo resto: parece movido pela gigantesca mão de Deus, que parece empurrá-lo de forma impossivelmente suave, mas de forma tão poderosa e irreversível quanto a Sua vontade.

Mas como uma empresa pode morrer cinco vezes e ainda estar viva? Talvez o fato de que ela na realidade ainda esteja viva seja o mais triste. Talvez, se tivesse morrido com os Hispano-Suiza, os Stutz e os Duesenbergs, não me incomodasse tanto. Como está hoje, é como um cadáver que se recusa a ser enterrado, um velho senhor doente que, incapaz de fazer todas as coisas pelo que foi famoso, senta-se na sala infeliz e prostrado, esperando o dia que o Senhor tenha piedade de sua pobre alma, e o leve finalmente para seu descanso merecido.

It is gone for ever? I’m not certain. But I tell you it was a good world to live in.” (George Orwell)

MAO


Decidir qual é o melhor carro do mundo hoje em dia é simplesmente impossível.

Existem carros que podem ser dirigidos a mais de 400 km/h. Existem carros que podem levar três apresentadores de televisão descerebrados ao pólo norte. E entre esses dois extremos, existe um sem-fim de veículos cuja eficiência e excelência, se analisados à minúcia, espantariam qualquer pessoa inteligente. Perguntar sobre qual seria o melhor do mundo hoje traria invariavelmente outra pergunta: melhor em quê?

Mas 100 anos atrás, quando o automóvel era um infante descobrindo seu lugar do mundo, esta era uma pergunta válida e recorrente. Esse mundo, que seria em breve sacudido irremediavelmente por Henry e seu T, ainda se preocupava seriamente em descobrir qual era a forma definitiva de automóvel, o melhor entre os melhores, o Santo Graal da carruagem sem cavalo.

Foi nessa época, mais precisamente ao fim de 1906, que Henry Royce apresentava talvez o único carro que jamais mereceu o título de melhor absoluto: o Rolls-Royce 40/50hp.

O que vocês tem que entender logo de cara sobre Royce é que ele era um perfeccionista como nunca mais se viu. Usava somente peças forjadas, acreditando que pouquíssimas vezes um fundido era aceitável. Todas as peças de seus carros eram polidas à exaustão, em TODAS as suas superfícies, não apenas naquelas de trabalho, depois de passar por inspeções minuciosas. Essas inspeções, realizadas com lentes de aumento, procuravam qualquer fissura superficial e rejeitavam as peças com base nisso. Furos eram tratados com um cuidado ímpar, visto que Royce os odiava como descontinuidades em suas perfeitas peças, e então deviam ser realizados com o cuidado necessário para que não iniciassem quebras ou trincas. Suas peças niqueladas tinham uma camada de níquel de 0,15 mm (espessura de uma folha de alumínio caseira), quando todo resto da indústria, até hoje, usa deposição eletroquímica microscópica. Toda peça que girava era totalmente balanceada. Somente os melhores (e muitas vezes mais caros) materiais eram utilizados, sem nenhum e qualquer cuidado com o custo.

E Royce exigia de seus trabalhadores também nada menos que a perfeição; era o pesadelo do chão de fábrica e uma pessoa totalmente e absolutamente incansável. Diz a lenda que seu sócio Rolls contratou um funcionário com a expressa função de fazer ele comer algo. O resultado é que Royce ficava permanentemente perseguido por uma tigela de porridge (um tipo de mingau inglês), que permanecia invariavelmente cheia...

Charles Rolls e Henry Royce se juntaram em 1905, quando o primeiro, um rico aristocrata inglês (terceiro filho de Lord Llangattock), tratou de colocar seu nome na frente do seu conhecido engenheiro-chefe para criar sua fábrica de automóveis. O 40/50hp foi apenas seu segundo veículo, mas foi criado com o expresso intuito de ser o melhor carro já criado até então.


E, ao contrário de hoje, isto era perfeitamente possível. A essa época não havia carros esporte, camionetes, sport utilities, minicarros ou outra subdivisão. Existiam apenas carros, vendidos exclusivamente como chassi, sem carroceria, no qual eram montados carrocerias diversas. Carros como o 40/50hp estavam destinados a se tornar speedsters de dois lugares; limusines imensas para 7 pessoas e bagagem; ambulâncias de guerra; tourers abertos de 5 lugares, camionetes para carregar balões; station-wagons de madeira e shooting brakes (uma perua de duas portas para caçada, coisa para qual se usa uma Cherokee hoje). O melhor carro esporte era certamente também a melhor perua, camionete, e assim por diante.


Os carros mais caros, com os maiores chassis e motores, eram invariavelmente reconhecidos como melhores que os mais baratos. E o Rolls-Royce era o melhor de todos eles: seis cilindros em linha em dois blocos de três, sete mancais, lubrificação forçada, válvulas laterais, duas velas por cilindro e sete litros de deslocamento garantiam uma potência e durabilidade nunca vista até então. O carro, numa época em que trocar marchas era um sacrifício e as caixas automáticas não existiam, era capaz de cruzar seu país de origem sem sair da terceira e última marcha, direta.

E mais: era completamente liso, abolindo totalmente vibrações e barulho. Podia se equilibrar copos cheios de vinho até a boca em seu capô e acelerar, sem que uma gota caísse. Outro famoso teste público da companhia colocava uma moeda de 10 pence equilibrada no capô com o motor funcionando, e lá ela permanecia.

Suas suspensões, chassi e direção prezavam leveza aos comandos e conforto total; Rolls-Royces foram os primeiros carros em que se viajava grandes distâncias com um conforto suficiente para torná-las algo usual. O carro era longo e baixo, belíssimo para a época, e sendo mais baixo, facilitava o acesso dos passageiros. Velocidades de cruzeiro de 100 km/h se tornaram de repente possíveis, dependendo apenas das estradas.

Hoje o 40/50hp é conhecido como Silver Ghost, nome de um famosíssimo exemplar de 1907 com carroceria "Roi des Belges" (abaixo) que venceu o Dewar Trophy, bem como alguns reides de durabilidade populares a uma época em que sair de automóvel ainda era uma aventura. "Silver" (Prata) pela aparência (detalhes em prata maciça, carroceria pintada de prata), Ghost (fantasma) pelo silêncio com que se movia", dizia a companhia em sua publicidade. O nome nunca foi oficial para o modelo, que permanecia com a potência fiscal/potência real em hp como nome.


Foi produzido até 1925, e foi montaria de cabeças coroadas mundo afora. Muitos de seus donos aristocratas chegavam ao cúmulo (para o mundo de hoje) de manter em sua garagem duas ou três carrocerias diferentes para o mesmo chassi. desta forma, abandonava-se a carroceria tourer aberta usada no verão, para uma limousine fechada no inverno.

Sir Henry Royce veio a falecer no ano de lançamento de seu último carro, 1933. Este carro, o magnífico Phantom III V12, acabou por se tornar também o último Rolls-Royce construído sem nenhum respeito ao custo, e com o perfeccionismo que Sir Henry exigia.

Parte da personalidade da empresa permaneceu intacta nos carros que se seguiram. Um Rolls ainda é fácil de dirigir a despeito do tamanho, e o conforto e isolamento do exterior ainda são impecáveis. Também permanece a tradição em que num Rolls, você parece ser impelido por uma gentil mas incrivelmente poderosa mão invisível, nunca por algo tão cru como a infame combustão interna. O silêncio, a suavidade e a potência dos carros permaneceram sempre, mesmo quando o motor passou a ser um BMW. Mas um moderno Rolls-Royce é estampado, soldado e pintado tal qual um Mille. Seu acabamento e mecânica são impecáveis, mas desenvolvidos com objetivos de custo como qualquer outro carro. Sir Henry rolando na tumba ou não.

Quanto a mim, incorrigível saudosista, ainda acredito que para um Rolls-Royce merecer o nome, ainda devia ser feito como o fantasma prateado que descrevemos aqui. Devia ser uma peça de arte saída da mão de uma pessoa que nunca deixaria algo tão insignificante, irrelevante e mundana quanto dinheiro interferir na maneira em que seria criado seu legado. Seu LEGADO para a humanidade.

Um legado que o mundo moderno tenta emular com uma grade em um enorme BMW.

MAO
Nota de rodapé:
Este post nasceu para tentar corrigir um erro: deixei o melhor carro do mundo à sua época, que por acaso deslocava sete litros, fora de minha lista de melhores carros com motor de 7 litros...Imperdoável!