
As fotos que vocês podem ver ilustrando este post são do carro que tem feito entusiastas bambear as pernas e babarem até colar o queixo na gola da camisa, desde que foi anunciado mês passado no Concurso de Elegância de Pebble Beach, na Califórnia.
Usando como base um 911 original com entre-eixos longo (1969 a 1989), a empresa que o criou clama ter pego o melhor de 40 anos de desenvolvimento do 911 refrigerado a ar (aquele, o que era realmente um 911) e juntado tudo neste amálgama de modernidade e passado glorioso que ela chama apenas de "Singer 911". Praticamente todo escriba que se preza adorou só de olhar a cara do bicho, e quando soube os detalhes quase teve um orgasmo tântrico de 6 horas.

Mas eu, estranhamente, principalmente por ser o puristra maluco por 911 refrigerado a ar oficial deste blog, fiquei meio em dúvida. Ápice do 911 original? Será?
Se você perguntar a alguém de sobrenome Porsche, ele dirá que o ápice do 911refrigerado a ar foi o tipo 993 (nomeado assim devido a seu ano de lançamento, 1993) fabricado até 1997, mas que um 911 zero Km que se pode comprar em concessionária hoje é ainda melhor. Realmente existem poucos argumentos lógicos para refutar tal afirmação. A Singer, porém, parece ter uma idéia interessante: seus press-releases evocam a leveza, a simplicidade e até o barulho característico do motor refrigerado a ar como algo que não devia ter sido abandonado.
Eu mesmo sou largamente conhecido por
apregoar a mesma coisa aqui neste Blog. Muitas vezes, menos é mais, e mais é simplesmente um exagero inútil. Mas o que diferencia um carro como este Singer de , por exemplo, um Carrera 2.7? Aparentemente, pelo uso de componentes e tecnologia moderna, seria um carro também usável no dia-a-dia.
O carro começa com uma carroceria usada de um 911. Ela é totalmente limpa de pintura, e solda MIG é usada para reforçar toda junção de chapas. Um "backbone" (chassi tipo espinha) existe para reforçar ainda mais a estrutura, embora a empresa não dê detalhes de como isso funciona (provavelmente, uma estrutura tubular por baixo do túnel central). Pode-se ver no primeiro carro montado, um santantônio tubular por dentro do carro também. Segundo a empresa, todas as superfícies externas (exceto a porta) são substituidos por peças moldadas em resina plástica reforçada com fibra de carbono (material conhecido por aí apenas com o nome da fibra de reforço). A rigidez, já uma característica que nunca foi ruim num 911, com certeza melhorou. Somente o reforço das soldas com cordões de solda aumenta sobremaneira a rigidez de qualquer carroceria soldada a ponto, apesar de ser extremamente trabalhoso, e por consequência, caro.
O motor também parece ser uma jóia: baseado no bloco grande de 3,6 litros do 993, é aumentado para 3,8 litros por meio de pistões e camisas (parecidas com as de fusca no 911 "a ar") de 103mm de diâmetro e o virabrequim de 76,4mm de curso do Porsche 997 GT3 . Montado pela empresa do famoso preparador Jerry Woods, usando peças da Ninemeisters inglesa, o motor tem ainda bielas de titânio e cabeçote especial usinado de um bloco sólido de alumínio forjado. Balanceado e feito com cuidado, gira a 8000rpm e debita 425cv. Empurrado por essa usina de força (e, sem dúvida, de ruído), e pesando apenas 1088kg, o Singer 911 acelera de 0-100Km/h em torno de 4 segundos, e chega a 275km/h.

A suspensão dianteira, por barras de torção na balança triangular inferior e torre de amortecedor no original, é substituida por torres McPhearson, e a traseira é a mesma dos 911 de corrida dos anos 70: braço arrastado com mola helicoidal concêntrica com o amortecedor.O melhor da indústria de preparação de 911 é utilizado: amortecedores Moton com reservatórios separados, molas Eibach, e buchas e barras estabilizadoras Smart Racing. Os pneus são enormes Michelin sport cup, 225/45 17 na frente e 245/40 17 na traseira, em rodas que imitam as gloriosas fuchs forjadas dos anos 60/70. O desenho dos pneus é claramente focado para aderência máxima em pista seca, com apenas as concessões necessárias para homologação para o uso em rua.
Por dentro, um belíssimo volante Momo de pequeno diâmetro, sem air-bag, domina a impressão inicial. Existe algo em um volante simples como esse que é uma brisa de ar fresco para o entusiasta, uma coisa que nos alivia e nos leva a um mundo mais simples que não existe mais... Os bancos são Recaros antigos, parecidos com os do 2.7 RS, e apesar de espartano, a ampresa diz que amenidades modernas como ar condicionado, som potente e navegador GPS estarão disponíveis. Um detalhe interessante e de bom gosto na escolha dos componentes é o uso dos limpadores de parabrisa do 993, que denota realmente o esforço de usar o melhor de todos os 911 originais. O desenho externo é realmente, de novo, de extremo bom gosto, evocando principalmente o magnífico Carrera RS de 1974. Fica especialmente malvado e adorável no laranja das fotos.

Lendo e vendo tudo isso, não há dúvida que o carro será incrível para dirigir, e causador de furor por onde passar. Mas penso que não tem como ficar barato; todo este trabalho especializado feito a mão individualmente nunca é. E acho que fica num estranho limbo, uma zona cinza entre um carro de pista e um carro de rua, que não consigo entender, ou realmente desejar de forma tão compulsiva quanto a maioria das outras pessoas.
Para o uso nas ruas, no dia-a dia, não entendo onde pode ser melhor que um 993. Sim, é mais potente e mais cru, mais próximo de um carro de competição, mas isto é na verdade um problema para um carro de rua. O 993 tem uma suspensão traseira mais sofisticada, multibraço montada numa bela estrutura de alumínio, que transformou o 911 em um dócil companheiro tanto para estradas esburacadas, como em pistas sinuosas. O ronco e a persona bruta e sem sofisticação de um 911 refrigerado a ar está presente no 993, mas é um carro perfeitamente usável e dócil, um belo companheiro para o dia a dia, e ainda possível de se usar numa pista.
O balanceamento rua-pista é sempre delicado neste tipo de carro. O Singer 911 pretende ser um 911RS3 refrigerado a ar, mas tendo usado componentes dos 911 antigos, acabou deixando o pendulo cair mais para o lado da pista do que pode ser aceitável para que o conceito faça sentido. Não existe como este motor ultra-preparado não soltar um berro gutural que apesar de muito legal nos primeiros 7 dias, será impossível de aturar nos subsequentes. Sua suspensão será rígida demais, e o carro caro e exótico e bonito demais para ser deixado em qualquer lugar, por medo de se repor ou ter que pintar um paralaminha de fibra de carbono. E para pista...algo ainda mais cru e focado é o necessário.
O fato é que pelo preço deste carro, muito provavelmente você poderá comprar um 993 original e deixá-lo em estado de zero, usá-lo todo dia , e ainda rebocar um 911S 68 de corrida (depenado, rollcage, slicks, mármore italiano no lugar de suspensão, sem abafadores de escape) para as pistas no fim de semana. Ou comprar um RS3 novinho, que faz perfeitamente o balanço pista-rua, e deixar toda esta bobagem de passado para atrás. Mesmo porque carros como este Singer, por mais bem feitos que sejam, nunca terão a confiabilidade de um Porsche original. Este fato, amigos, quase nunca é lembrado quando se fala de carros deste tipo, mas é um tremendo problema. Como um brinquedo de fim de semana, tudo bem, mas para este fim existem literalmente infinitas opções.
Desta forma, apesar do extremo bom gosto na execução, este belíssimo 911 me parece ser destinado apenas aos que querem ser diferentes, passar a imagem de puristas ou conhecedores, ou apenas ter algo raro, ou ainda, infelizmente, apenas aparecer. Nenhum problema com nenhum destes motivos, mas definitivamente não toca a minha música.
MAO
