Ford Especial V8, carro de corrida desenvolvido em Portugal e que originou o EDFOR |
Eis minha primeira postagem no AUTOentusiastas. O
autoconvite veio durante um bate-papo com o Bob Sharp em Curitiba, em um evento
da Renault, conversávamos sobre grandes nomes do automobilismo. Com base
nessa conversa decidi o assunto da minha primeira publicação, já que a idéia é
escrever sempre sobre carros antigos. Então, para começar bem, vamos falar de
grandes entusiastas de automóveis que estão pelo mundo. Um deles, em especial é
o motivo desta postagem, o nome do criador é Eduardo Ferreirinha e a criatura é
o EDFOR, um raro automóvel que nasceu com DNA das corridas.
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Os anos 1920 e 1930 podem ser considerados uma época em que as
corridas de automóveis tinham como principal combustível o “romantismo”. Nessa época, um português se dedicou a aperfeiçoar a arte da mecânica com dois
objetivos: vencer corridas e construir um automóvel português.
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A maioria dos pilotos era conhecida por ter muita coragem e
pouco juízo, homens andavam a “velocidades incríveis” em carros com pneus finos
e grandes volantes. Estavam a um metro do chão, seus carros tinham muito motor
preparado e freios originais. Ferreirinha era uma honrosa exceção, sua meta era
adaptar carros por completo para melhores resultados nas pistas.
Assim como os de sua época, nunca pensou em cintos de
segurança, até porque então a idéia de ficar amarrado ao carro era
considerada loucura, os equipamentos de segurança eram um capacete de couro que
mais servia para tirar o cabelo da frente dos olhos do que pare proteger de
pancadas, e óculos para manter os olhos sempre abertos e livres de poeira e
sujeiras. A vestimenta também era simples, normalmente uma roupa comum do
dia-a-dia ou, quando muito, um macacão de mecânico.
Eduardo Ferreirinha e seu Ford Modelo A modificado para corridas, chamado de Ferreirinha Especial |
Enquanto aperfeiçoava a mecânica dos veículos surge uma
empresa usando a experiência das pistas, a EFI – Eduardo
Ferreirinha & Irmãos. Na época o grande “protótipo” da empresa era um
Ford Modelo A transformado em carro de corrida, chamado de Ferreirinha
Especial. A experiência com os modelos da Ford, que virou sua especialidade, rendeu o convite que foi o trampolim para a criação de um dos mais belos carros
esporte de sua época.
Manuel Menéres, o maior concessionário Ford do Porto dos anos 1930 em seu Speedster, um modelo A adaptado para corridas |
Em 1930, Ferreirinha começou uma parceria com o maior
concessionário Ford da cidade do Porto, Manuel Menéres. Para aqueles tempos o
empresário tinha um objetivo, promover corridas de automóveis e assim propagar
a paixão por eles, que até então eram vistos como coisa de gente muito
rica e algo sem utilidade efetiva, visto que manter bois e cavalos puxando
carroças era muito mais prático.
À esquerda junto ao Ford Modelo A, Eduardo Ferreirinha, ao lado, junto ao Ford Speedster, Manuel Menéres |
Nesta onda de promover o automobilismo e o automóvel em
Portugal, pilotos do mundo inteiro foram convidados para correr, entre eles
alguns brasileiros. As corridas lusitanas ganharam notoriedade e surge, então,
a ideia de aliar o mundo das corridas ao universo das vendas de automóveis.
Manoel de Oliveira, o piloto/cineasta buscando posição, atrás do Maserati de Edward Rayson durante a corrida do Circuito Internacional de Estoril, em 1937 – a vitória ficou com Manoel de Oliveira |
Em 1936, Menéres e Ferreirinha construíram juntos três
automóveis de corrida, usaram como base um Ford com a carroceria modificada
e motores V-8 0-km equipados com preparação de época fornecida pela EFI e outras
empresas do ramo. Foram chamados a princípio de Ford Especial V8. Como eram
feitos especialmente para as corridas não tinham pára-lamas, nem porta e
traziam na carroceria os números 1, 2 ou 3 seguindo como ordem a
fabricação, sorteados. O primeiro exemplar ficou com Manoel de Oliveira que era
piloto e, paralelamente, cineasta. O terceiro carro foi para Eduardo
Ferreirinha. O trio de veículos formou uma equipe que participou das principais
provas do automobilismo lusitano da época, ainda sem batismo, os carros eram
chamados de Ford Especial V8.
Eduardo Ferreirinha junto ao Ford Especial V8 número 3 (em primeiro plano), os outros dois “especiais” ao fundo da imagem |
No ano seguinte, 1937, usando o aprendizado dos carros de
corrida e com a pretensão de criar um automóvel verdadeiramente português,
Menéres, usando sua visão de marketing, deu ao Ferreirinha autonomia para
desenvolver e dar nome ao novo veículo, EDFOR, sendo ED de Eduardo e FOR de
Ford.
Pôster de lançamento do EDFOR, claramente inspirado no Ford Especial V8, porém com pára-lamas e portas para o uso nas ruas |
A carroceria do tipo “torpedo” com apenas dois lugares, como
um carro de corridas deveria ser, era feita em alumínio. Isso lhe conferia leveza, era de apenas 150 kg, no total o carro pesava 970 kg, para a época um
“peso-pena”! O motor era produzido pela EFI, um V-8 de 3.620 cm³ e 90 cv, atingindo
uma velocidade máxima de 160 km/h. A suspensão possibilitava a regulagem da
geometria pelo lado de dentro do habitáculo, isso permitia que o carro fosse
acertado em pouco tempo nos boxes, pelo próprio piloto – que se tivesse coragem
suficiente poderia fazer também enquanto guiava.
O EDFOR em exposição no Museu do Caramulo, Portugal, em 2009 |
O EDFOR foi considerado um veículo diferenciado, o projeto
era contemplar um carro para uso em corridas, mas que pudesse ser um automóvel
esporte cheio de personalidade para andar nas ruas, então já contava com pára-lamas, portas e belas rodas de disco recobertas por pequenas calotas.
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O lançamento oficial do automóvel foi no Salão do Porto, em abril de 1937, e foi comentado até pela imprensa internacional. Nas mãos de
pilotos habilidosos participou de corridas e pelo olhar apurado de Manoel de
Oliveira transformou-se no astro principal de um documentário exaltando a bela
criação de Eduardo Ferreirinha.
Livro biográfico sobre o piloto e cineasta Manoel de Oliveira, que está com 103 anos |
A idéia inicial de produção em série ficou no sonho, apenas
quatro unidades foram verdadeiramente produzidas e finalizadas, uma delas ainda
se tem o paradeiro e ainda está em
Portugal.
Cartaz sobre exposição de carros portugueses no Museu do Caramulo; a mostra virou tema de livro |
A Segunda Guerra Mundial deu fim ao projeto de criar um veículo,
as prioridades tornaram-se outras. Se o sonho dormiu por um lado, os veículos
têm chance de ainda existirem, há quem diga que algum deles teria vindo para o
Brasil. Enquanto não achamos o paradeiro dessas máquinas, vamos admirando os
grandes feitos de ontem, na esperança de encontrar hoje carros que contam a
história do automóvel.
PT
PT
(Atualizado em 5/9/12 às 19h30, correção de dado sobre Manoel de Oliveira)
Portuga, Post Super Delicioso e de Imenso Valor Histórico, Parabéns !!!
ResponderExcluirParabéns e bem vindo!! Ótima narrativa, ao mesmo tempo leve e completa.
ResponderExcluirBob, aproveitando a pertinência, e o Sr. Bird, vem?
Alvíssaras Sr. Tavares, muito benvindo e muito bem escrito, o pá !
ResponderExcluirBem-vindo, Portuga. Seu artigo trouxe-me um novo olhar sobre o automobilismo na terra de meus avós. Quando eu viajar para o Porto, visitarei o Museu do Caramulo com certeza.
ResponderExcluirNaquela época realmente só louco queria correr. rsrs Mas sobre o cinto de segurança, lembro que por aqui, lá pelos anos 70, quem usava era ridicularizado: diziam que quem usava ia morrer primeiro! Imagine só.
Um grande abraço
Carro de um piloto...
ResponderExcluirBah...
Eram todos os carros do Satoru Nakagima o japonês suicida! Só ele pilotava, tanto que já na segunda volta tava todo destruído e o japa voltando a pé para os boxes.
Bob o Saraiva
Esse Ferreirinha é dos meus. Aliás, se alguém ainda tiver interesse em viver o que ele vivia, compre um carro até 1936 e venha sentir o vento na cara aqui no www.penatabua.com
ResponderExcluirNão tem o mesmo "profissionalismo" dessa época, mas é tão divertido e sem juízo quanto. Parabéns Portuga, show de pesquisa.
Portuga Tavares, este post sobre estas máquinas portuguesas maravilhosas e seus intrépidos pilotos ficou ótimo, mas tem uma ERRATA: o grande piloto/cineasta Manoel de Oliveira ainda está vivo e trabalhando, sendo o cineasta em atividade mais velho de todos. Abraços!
ResponderExcluirOlá Júlio, tem total razão.
ExcluirNuma das conversas com o Tiago, do Museu do Caramulo fiquei com a impressão que o livro havia sido feito na ocasião da morte, porém realmente o piloto/cineasta está vivo. Obrigado pelo alerta e verificarei como se conserta.
Escrevi sobre o EDFOR alguns anos atrás, até perguntei ao Antonio Ferreirinha se eram parentes, mas não são.
ResponderExcluirNa década de 30, se não me falha a memoria um desses carros foi segundo no circuito de Vila Real na primeira vitória de um Jaguar, o SS100, em corridas.
Rui Amaral Jr
NT. Herculano e Antonio Ferreirinha são os construtores dos HEVE aqui no Brasil. Herculano já nos deixou, mas Antonio continua firme e forte!
que bela história, Portuga. parabéns e bem-vindo!
ResponderExcluirIsso que eu chamo de começar uma participação com o pé direito (no acelerador, naturalmente!)!!
ResponderExcluirÓtima história!
MFF
ora, pois.
ResponderExcluirOra, pois, pois.
ExcluirÓtima estréia no AE, Portuga. Obrigado por contar essa passagem dos tempos heróicos do automobilismo em Portugal, um assunto pouco conhecido entre nós.
ResponderExcluirFaço coro aos demais, belíssimo post de estréia. Que venham outros do gênero, pois sou apaixonado por competições antigas. Benvindo!
ResponderExcluirPortuga, seja benvindo. Com certeza você irá enriquecer mais ainda este blog, que visito todos os dias e me delicio com os posts.
ResponderExcluirUm abraço.
Belo post Portuga!
ResponderExcluirEstou esperando os próximos... Quem sabe sobre o Galaxie e também o Polara.
Sucesso,
Quem espera o do Polara e o Mr.Car
ExcluirEle anda sumido
Acho que tem acontecido e que os leitores que sabem escrever e tem conteúdo para comentar ficam de saco cheio Da molecada que só quer zoar
Charles,Antônio Filho e Mr. car Sao ótimos e andam sumido do blog
Por favor senhores Voltem a participar
Não de ouvidos para esses trolhas que ficam te enchendo o saco
Abraços
Mr. Car: saia do anonimato e vá se tratar...
ExcluirParabéns Tuga!
ResponderExcluir.. e que venham mais e muitos mais!!!
Bjs
O assunto é extremamente interessante. Contudo, a apresentação é superficial e deixa o aficionado insatisfeito. Onde e quando nasceu Eduardo Ferreirinha? Como se iniciou na mecânica? Adquiriu experiência em outros países? Que modificações aplicou a suas máquinas? E outras informações necessárias para melhor entender o contexto em que se destacou o Ferreirinha. Por outro lado, vejam que esses autos são praticamente iguais aos utilizados no Brasil na mesma época. AGB
ResponderExcluirCara, voce quer tudo assim, facil? Deixa de ser folgado e vai pesquisar um pouco, vai atras do livro que o cara falou, se mexe um pouco tambem!
ExcluirE cadfa um que aparece...
Anonimo 5/09/12 22:10
ExcluirCara voce parece meu pai falando comigo!
Muito bacana. Ótimo texto. Bela estreia.
ResponderExcluirAbraço
Lucas CRF
Faz pouco tempo que tenho lido e ouvido sobre os autoentusiastas portugueses...
ResponderExcluirMas pude perceber neste curto espaço que apesar do pouco apelo de marketing e pouco comentário sobre automobilismo vindo daquelas bandas, o que existe tem uma história muito longa e valorizada bem como a pouca literatura a que temos acesso tem como autores verdadeiros entusiastas e conhecedores com profundidade e paixão pelo automóvel. é sempre um prazer ler os comentarios dos antigomobilistas de lá!
Cumps a todos
ResponderExcluirTive o prazer de trabalhar nesta empresa como técnico final de qualidade.
Ainda conheci o Sr Ferreirinha e aqui faço-lhe um tributo a sua sagacidade empreendedora
A razão da minha vinda aqui é para informar que havia em 1975, um outro veiculo descapotável carroçaria em alumínio linhas arredondadas,modelo muito parecido com o Porsche de James Dean com motor traseiro Renault em linha .
Não consigo descobrir que carro era esse ,era um modelo bem mais recente que o Edford
Tinha na altura a responsabilidade do controle de fundidos e esse carro estava apodrecer ao tempo junto a um Edford tb deteriorado.
Muitas vezes quando ia a esse local passava bastante tempo a apreciá-los e tocando-lhes como se estivessem vivos, o volante do Renault era desportivo e de massa a imitar madeira ...já bastante ressequida.
Entretanto passei para o controle final de qualidade e perdi-lhes o rasto ainda para mais quando saí para a Siderurgia Nacional.
Tenho muita pena e tristeza de ver uma empresa destas desaparecida .,enfim ficam as lembranças