Após o lançamento do Chevrolet Agile, quase a unanimidade dos comentários na mídia impressa, sites automotivos etc., enfim, veículos especializados e não especializados foram na direção de certa familiaridade prévia com o carro, aproveitando-se da informação do próprio fabricante de que ele estava baseado nas plataformas GM/Opel 4200.
Observara-se mesmo tom de comentários, quando do lançamento do novo VW Gol, há pouco mais de um ano, o de este ser primo do Polo e Fox, pois todos dividiam a plataforma denominada PQ24, isso antes de sequer ocuparem o banco do motorista, já se sentindo grandes conhecedores de um carro totalmente novo e de seus dotes dinâmicos!
Na verdade, bem antes do lançamento do Agile, já corria a informação de suas origens, a de que seria um hatch de teto alto como o VW Fox para fazer concorrência direta a ele, ou seja, nem havia aparecido ao público e alguns já se diziam seus amigos, outros apontavam defeitos, características negativas e positivas. Mais irônico, impossível.
Criou-se um mito em achar que o fato de um carro dividir componentes com outro da mesma fábrica, ou com seu antecessor, ou ”underbody”, plataforma, traz identidade imediata com as características do ‘carro-mãe’. Ao escrever o post sobre grandes marcas, estudava o VW Gol GT e o que saiu sobre ele na época de seu lançamento, de este pegar emprestado os discos de freio dianteiros do VW Santana. Que seu comando de válvulas era o mesmo do motor VW 1.8 do Golf GTI, portanto ”importava” o grande desempenho de seu irmão alemão através de um simples comando de válvulas, ou seja, esse mito não é de hoje, mas com o modismo de se referir a um carro pelas plataformas, o mito piorou.
Se você entrar em um Toyota Corolla, observe os botões de comando dos vidros elétricos, eles são exatamente assim há mais de dez anos e também vão na Hilux, mas ninguém ousa dizer que a picape perde valor por que usa os mesmo botões de levantadores de vidro que um Corolla 98. Entre Toyotas há muitos componentes e sistemas comuns que os proprietários jamais desconfiam, tampouco veem, mas sabem que funcionam bem. O novo Chevrolet Camaro usa base semelhante ao do Holden Omega, australiano. Vários componentes, até o motor V-6, nem por isso se lê que ambos têm características semelhantes, sejam de rodar, capacidades de fazer curvas etc. Afirmar isso seria assinar um atestado global de ignorância; infelizmente muitos o fazem.

Chevrolet Zafira, Vectra e Astra também dividem plataforma e vários componentes e cada um deles tem suas próprias características e comportamento.

O grupo de pessoas que aqui escreve faz parte de um grupo maior, também de autoentusiastas, sendo alguns profissionais da indústria automobilística, seja dos fabricantes de veículos, de sistemas ou de componentes. Foi então que decidi aproveitar-me da amizade e conhecimento deles e trazer aos leitores visões mais abrangentes a esse respeito, na tentativa de desmistificar e lhes esclarecer, trazendo um post escrito a oito mãos, mais outras de ”insights”.
CZ
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Marco Antonio Oliveira
Em Junho passado, quando falei de um certo
Puma 69, já disse qual é a minha opinião sobre a vil fixação da imprensa menos habilidosa nas tais "plataformas". Cometendo a impáfia de me citar:
"O carrinho é a prova viva e mais exuberante da máxima de que um carro nunca é somente a soma de seus componentes. Ele pode ser melhor ou pior, mais belo ou menos atraente, mas nunca igual ao carro que lhe doou a mecânica. É sempre diferente porque quase sempre foi criado por outras pessoas, em outro tempo, e às vezes, como no caso da Puma, em outra empresa. Por consequência, a marca indelével do humano, um pequeno pedaço da alma de seus criadores se imprime na máquina de maneira clara e absoluta, tornando-a algo diferente e único. Inevitavelmente, para o bem ou para o mal.
É por isso que abomino a corrente fixação da imprensa em "plataforma", que quer simplificar a difícil tarefa de avaliar corretamente um automóvel, tornando-o uma mera derivação de algo já conhecido. Tal coisa pode ser um demérito para o antigo carro, bem como uma injustiça para o novo."
O melhor exemplo disto é clássico, e bem fácil de entender: Karmann-Ghia e Fusca. No caso deles, existe realmente uma plataforma. A Kombi também teria a sua, mas testes iniciais provaram ser necessária uma estrutura mais forte. Como os anos 40 já estavam adiantados, a fábrica optou por uma estrutura monobloco Um chassi-plataforma de chapa de aço estampado, com um túnel central, que todo mundo conhece ou já viu. Mas mesmo sendo um dos poucos exemplos de plataforma de verdade, na acepção da palavra, compartilhada entre os dois, faz dois carros absolutamente diferentes. A posição do motorista e sua posição em relação aos centros de rolagem e gravidade mostra-se neste exemplo claramente decisiva na personalidade e função básica do veículo. No KG, senta-se baixo e perto do centro do carro, com as pernas mais esticadas e a busanfa pertinho do chão, no Fusca um pouco mais para cima e para frente para dar espaço a ocupantes traseiros. Já na Kombi, com uma suposta plataforma, motorista e acompanhante ficam altos e sentados em cima do eixo dianteiro para se ter todo espaço de uma van. Um carro esporte, um sedã para 4 pessoas, e uma van para 9 pessoas.
E o comportamento de cada um é diretamente ligado a isso. O CG (centro de gravidade) da carroceria, e sua relação com os componentes lá embaixo, muda completamente o veículo. Veja uma Kombi acelerar, baixando a frente, e entenda como um carro é mais do que sua "plataforma".
Um carro moderno é monobloco; tudo que ele pode fazer é usar alguns componentes de outros carros. Sua estrutura é sempre única. Poupem-me desse injusto julgamento de qualquer veículo tendo como base um outro que doou componentes a ele. Avaliar um carro é muito mais que isso.
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Waldemar Colucci
Vamos por partes.
Quando se diz que dois ou mais veículos pertençam à mesma plataforma, devemos entender que se está utilizando algumas mesma peças e estruturas da carroceria.
Este aproveitamento pode compreender o "underbody" completo, ou seja, estrutura dianteira (front-end), assoalho dianteiro conj., assoalho traseiro conjunto. Ou parte destes conjuntos, estrutura dianteira + assoalho dianteiro, ou combinações. A variação pode ser ampla. Vamos a exemplos.
Corsa 4200. Tínhamos dentro da mesma plataforma, 2 portas, 4 portas hatch (ou 5 portas), pick-up, sedã, station wagon, Celta e Prisma.
A estrutura dianteira é a mesma para todos eles (Celta e Prisma com alterações muito pequenas).

O assoalho dianteiro é o mesmo para todos. Exceto Pick-up, que era cortado devido ao comprimento da cabine à caçamba.
O assoalho traseiro é o mesmo para os 2-portas e o 4-portas hatch e Celta. Diferentes, inclusive entre si, para pick-up (usava assoalho traseiro da Ipanema), sedã e Prisma (muito próximos), station wagon.
Sobre o Agile, deixo para o pessoal que ainda está lá comentar.
Corsa 4300. O original é o modelo hatch 2 portas Opel que não veio para cá, mas de onde saíram o 4-portas hatch, o sedã, a Meriva e a Montana.
Neste caso, a variação maior existe na Meriva, onde a estrutura dianteira tem maiores alterações, alem das laterais, colunas, teto etc.
Quanto ao comportamento dinâmico, pode ser parecido, mas também pode ser totalmente diferente. Não devemos nos esquecer que em veículos diferentes, em decorrência de distribuições diferentes de pesos teremos CGs em lugares diferentes e pesos diferentes. Desta forma, mesmo possuindo até projeto de suspensão igual, têm-se calibrações de suspensão diferentes. Assim teremos comportamentos dinâmicos distintos, podendo até diferiirem totalmente.
No caso da VW, estão na mesma plataforma Polo, Fox, Gol, porém com diferenças em todos os aspectos, tanto dimensionais quando de suspensões e comportamentos dinâmicos.
O devemos ter em mente é que os fabricantes procuram juntar os veículos em plataformas únicas, buscando minimizar os custos, economizando no projeto, abreviando testes, no investimento de ferramental e estoques.
Muito das análises virtuais pode ser aproveitado de um modelo para o outro. Nos desenvolvimentos e testes de validação, os engenheiros já têm um direcionamento do que pode vir a acontecer e de acordo com sua experiência e bom senso, assumir muitas coisas para abreviar o tempo destas fases.
Quando falamos de ferramental, devemos considerar que o mais caro de um automóvel está exatamente no "underbody". Desta forma, quanto menos se gastar com isto, maiores serão os lucros e, de acordo com as contingências, se baixar o preço de um veículo, ainda tendo lucro. E diferentemente do que muita gente pensa, lucro não é só bom, é necessário. Quem não o tem, quebra.
Portanto, faz muito bem a Toyota, que não deixa vazar o aproveitamento de plataforma, acho que nem para os funcionários e desta forma, evita comentários de especialistas "galvânicos" (sabem nada de tudo).
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Bob Sharp
“Plataforma” é um mero dado construtivo, descritivo, de interesse apenas do fabricante. Tem praticamente o significado de “família”. Todos conhecem o Boeing 737, que voou pela primeira em 1967, portanto 42 anos atrás. Começou com a versão 100 e hoje está na 900, isso a partir da segunda geração surgida com o 600, em 1993. Pois, bem, “737” é a plataforma 737 e nada tem a ver com automóvel.
Isso serve para demonstrar para os “entendidos” em automóvel que informar que a plataforma é x ou y não tem nenhum valor como informação, nem mesmo como curiosidade. O que importa são os dados dos sistemas de propulsão, de suspensão, direção e freios.
O caso do Agile fala por si só. Sua plataforma é a 4200, a mesma do Corsa de 1a. geração daqui e do Celta/Prisma, e não a 4300 do Corsa atual. Nesta, a grande novidade à época do lançamento (2002) era ter o subchassi dianteiro que a plataforma anterior nunca teve. Pois bem, o Agile, um modelo inteiramente novo,, tem a mesma plataforma 4200 e, claro, não tem subchassi. Conhecendo um pouco de engenharia de projeto e a excelência do grupo de engenharia da GM, posso apostar que todos os objetivos foram atingidos. Ainda não o dirigi, mas quem já o fez achou o rodar bem agradável. Que diferença faz a plataforma do Agile ser a 4200, do ponto de vista do proprietário? Absolutamente nenhuma! O que importa é como o veículo se comporta, seu nível de conforto etc.
Como disseram o CZ e o WCC acima, o que vale é a calibração, da suspensão, no caso. O Passat foi o primeiro carro nacional a ter um subchassi de grandes dimensões, em forma de quadro (o Opala, de seis anos antes, tinha apenas uma travessa dianteira). Os primeiros Passats eram ótimos dinamicamente, mas o isolamento do piso era abaixo da crítica — com subchassi e tudo.
Que fique entendido: plataforma não define coisa alguma pela ótica do dono do carro. Um bom exemplo é a plataforma do Gol. Da geração 1 para a 2 houve um grande salto na distância entre eixos, que passou de 2.358 para 2.468 mm — mais 11 centímetros! A plataforma? A mesma. Só que era um carro completamente diferente ao ser dirigido.

Fotos: coleta na web e BCWS(
Atualizado às 22h20 de 24/10/09)