google.com, pub-3521758178363208, DIRECT, f08c47fec0942fa0 AUTOentusiastas Classic (2008-2014): 2000GT
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Eu adoro o Jeremy Clarkson, mas raramente concordo com as opiniões dele sobre carros. Não é por menos, o homem odeia Porsches e ama Ferraris, e teima em discriminar os Corvettes porque, segundo ele, têm potência específica baixa.

Mas concordo muitas vezes com ele em temas mais amplos da vida e do automóvel; e não há como não admirar como ele consegue "provar" qualquer coisa com uma metáfora amalucada qualquer, fazendo-nos cair da cadeira de tanto rir no processo. Um cara realmente legal, se meio difícil de ser levado a sério.

Lembrei disso quando um colega me mandou um texto onde ele tentava definir, em pleno século XXI, o que é um carro admirável. Tarefa dificílima, pois num mundo onde a perfeição é a norma, a objetividade de tal tarefa se torna impossível. Sabemos o que é legal, o que é cool, o que nos move. Mas como defini-lo?

Jeeza acertou na veia:

Porque você não fica acordado a noite inteira desejando um Hyundai? Simples. Porque um Hyundai não é feito para meter a mão dentro da suas calças. É feito para meter a mão no seu bolso. É a mesma história para o Tata Nano, o Vectra, o BMW serie 3 e o Mercedes GL. Todos os carros que vc não gosta e não quer ter foram feitos, como eletrodomésticos, somente para fazer dinheiro.”

“Já se perguntou por que tantas pessoas amam a Jaguar com paixão, e porque Lexus sempre são tratados como chatos e sem graças? Isto é porque a Jaguar foi criada por William Lyons, um homem com uma visão, e a Lexus foi criada com uma apresentação de PowerPoint e princípios de contabilidade. Como uma regra geral, carros japoneses não tem mágica alguma, e não são desejáveis. Exceto algumas Hondas, e isto não é uma coincidência. A Honda foi criada por um engenheiro com uma visão, enquanto a Toyota foi começada por um comitê para fazer o Japão ficar rico.”

Clarkson está ao mesmo tempo errado e correto. Sim, é claro, um carro é realmente uma coisa importante se foi feito a partir de um sonho, de uma visão, de uma boa idéia que seja, e não a partir de um comitê chatérrimo de posicionamento mercadológico de uma empresa, como foi a Lexus. Mas a parte sobre os carros japoneses em geral serem chatos...é uma daquelas generalizações engraçadas mas que na verdade serve para perpetuar uma imagem preconceituosa, que não ajuda em nada ninguém.

A Toyota é realmente o maior fabricante de carros-eletrodomésticos do mundo, disso não existe dúvida. Mas, como já contei aqui na história do 2000GT, não está proibida por decreto de fazer algo memorável, usando para isso exatamente aquilo que o Jeremy tão bem definiu como sendo indispensável para tal.

E como a aventura do 2000GT permanece largamente esquecida, e de qualquer forma pertence a um passado distante, hoje, em pleno 2009, a Toyota está prestes a tentar de novo mudar esta generalizada percepção, com o seu Lexus LFA.



A primeira coisa que se precisa saber sobre o LFA é que ele levou dez anos para ficar pronto. Dez anos, para quem não está familiarizado com os ciclos de produto modernos, é uma eternidade, uma era inteira. Dá para fazer 3 gerações inteiras de um carro comum com dez anos, e ainda sobraria tempo para um face-lift. Mas aí é que está: o carro é tudo menos comum.




Como já acontecera com o 2000GT e com o Honda NSX, o carro tem como objetivo ser o melhor carro esporte moderno. E, também como nestes dois, números absolutos de desempenho seriam secundários ao comportamento geral dinâmico, à absoluta perfeição ergonômica, e a uma experiência sensorial superlativa.

Isto é uma maneira eminentemente japonesa de enxergar as coisas, e vem de uma velha tradição que remonta o tempo dos samurais: O culto àquela sensação única que um cavaleiro experiente e um bom cavalo experimentavam juntos, a sagrada “união entre o homem e seu cavalo”. Acho simplesmente genial toda vez que tentam atingi-la com um automóvel. Um americano, por exemplo, nunca seria assim; ele tem que ser algo que possa se provar como melhor, como é o Corvette ZR1: mais rápido que qualquer coisa de mesmo preço em Nurburgring. Para ele, o que o carro faz e quanto custa é o que interessa. O americano, preso ao valor das coisas que possui, ao TER em oposição ao SER, não entendeu nem o 2000GT, nem o NSX, e muito provavelmente não entenderá o LFA.

E como prega Clarkson, o LFA e seus antecessores foram criados não com o objetivo de encher os cofres da empresa, e sim com e de ser um investimento em imagem, tecnologia, e, em mais um retrato da maneira japonesa de fazer as coisas, treinamento de jovens engenheiros.

Nesta última parte é que começamos a entender o novo Lexus. Os dez anos foram necessários porque tudo foi desenvolvido pela Toyota, da transmissão ao chassi e suspensões. Fazendo tudo em casa a empresa espera desenvolver também seu corpo técnico, e mais: gerar entusiasmo pela marca não somente fora da empresa, mas também dentro dela.



E que carro os entusiasmados japoneses fizeram. Começando pela estrutura, inicialmente a idéia era fazê-la de alumínio, mas logo foi decidido o uso de resina impregnada de fibra de carbono, para redução de peso, sempre o maior inimigo de um carro memorável para se dirigir. Parece simples dito assim, mas a tecnologia de uma estrutura em fibra de carbono ainda é algo restrito, principalmente em produção normal.

E a Toyota simplesmente se jogou de cabeça: desenvolveu uma estrutura feita de peças manufaturadas em todos os processos conhecidos para se moldar termofixo reforçado, usando o processo que a peça “pedia” tecnicamente, sem pensar em custo. Em alguns casos, como na coluna “A”, desenvolveu um tear específico para criar um tubo de fibra dentro do outro. Quem, como eu, já foi profissional em projeto de peças de plástico termofixo em automóveis, vê o quadro abaixo como uma aula resumida de como projetar peças deste tipo.



Não importa que todo este trabalho economizou somente 100 kg em relação ao alumínio. Redução de peso só se consegue sendo obsessivo, e tirando o máximo possível de tudo. Como dizia Chapman, “shed the ounces that the pounds will come” (retire as gramas que os quilos aparecem).

O motor, feito em conjunto com a Yamaha como o 2000GT, é uma obra de arte: fundido no mesmo lugar em que a Toyota faz seus motores de F1, é um V-10 a 72 graus, que desloca 4,8 litros, e que gira excepcionalmente liso e fácil, a ponto de ir da marcha lenta ao corte (a incríveis e estratosféricos 9.500 rpm) em seis décimos de segundo! Tal resposta impôs um conta-giros digital, pois nada analógico conseguiria acompanhar. São dez gloriosas borboletas individuais, como um BMW M, e uma atenção única a um detalhe importantíssimo em um carro que pretende atingir da mesma forma todos os cinco sentidos: o som.



Seu escapamento foi criado como um instrumento musical que na verdade, é. O som é simplesmente uma festa completa com couvert artístico incluso, um berro gutural, grave, que se torna alto, agudo e terrível como o mítico grito de anúncio da morte da Banshee celta.

O motor central-dianteiro tem cárter seco para ficar mais baixo, e uma solução inédita: uma engrenagem possibilita ele ficar mais baixo que o tubo de torque (de fibra de carbono) que leva a força do propulsor para a caixa de cambio traseira, seqüencial e automatizada, de seis marchas. Todo o sistema motor-tubo de torque-transmissão, extremamente rígido, é suportado apenas nas suas extremidades geométricas, anulando os efeitos da aplicação de potência no chassi. Sim, é isso mesmo, não existe reação ao torque aplicado.



Tudo isso gera uma altura do centro de gravidade sem precedentes: apenas 450 mm do solo, logo abaixo do volante. Com radiadores na traseira do carro, a distribuição de peso é de 48% na frente e 52% na traseira. Quase sem balanços, com uma sofisticada suspensão de braços triangulares sobrepostos na dianteira, e multibraço traseira, e colocando os ocupantes ao máximo possível do centro do carro, a sensação de controle, a união perfeita entre motorista e montaria, parece fácil de alcançar.


O carro tem 552 cv e pesa apenas 1450 kg. Com uma relação peso-potência desta magnitude, e uma velocidade final de 325 km/h, o carro precisa de pneus e freios realmente especiais. Enormes Bridgestones assimétricos desenvolvidos especialmente para o carro calçam rodas de 20 polegadas forjadas em alumínio, e escondem discos de carbono-cerâmica com pinças flutuantes.


Quanto ao desenho externo, tem gerado grande controvérsia, mas em minha opinião é original e extremamente bem executado, com linhas de caráter geniais, que ficam bonitas, limpas e sem interrupção olhando-se de qualquer ângulo. Eu simplesmente adorei, principalmente os pequenos faróis sem decoração excessiva, e das portas sem moldura de vidro.

E o interior é simplesmente uma obra de arte. A ergonomia e o toque satisfatório, de novo partes imprescindíveis do objetivo de fazer bem para os cinco sentidos, devem ser primorosos. Os bancos são dignos de nota: seu desenho aproveita o espaço nas laterais (lembrem-se, ocupantes no centro onde sentem menos a movimentação do carro) e tem o encosto dividido. É belo e parece altamente funcional.



Com tanto cuidado, e tanto investimento, me parece claro que os 500 carros que serão produzidos, mesmo custando quase 400 mil dólares cada, dificilmente darão grande lucro a empresa. E não é o objetivo; novamente, o que a Toyota quer é ser admirada pelos seus semelhantes.

Como nada é perfeito, faltam apenas duas coisas neste carro: a primeira é uma alavanca com uma bola em cima no centro do console (borboletas, bah) e em segundo, falta a adoção de um nome que é seu por direito: Toyota 4800GT.


Toda esta história de Japão injustiçado me fez lembrar o que o grande escritor russo Fiodor Dostoievski disse, em 1871:

Se um grande povo não acreditar que a verdade somente pode ser encontrada nele mesmo, se ele não crer que apenas ele está apto e destinado a se erguer e redimir a todos por meio de sua verdade, ele prontamente se rebaixa à condição de reles material etnográfico, e não um grande povo. Um povo realmente grande jamais poderá aceitar uma parte secundária na história da humanidade, nem mesmo entre os primeiros, mas fará questão da primazia. Uma nação que perde esta crença deixa de ser uma nação.”


Deixando de lado as tristes implicações disto para nós, brasileiros, é claro como a água que assim agem as nações a respeito do automóvel. A Inglaterra tem o McLaren F1, Alemanha tem o Porsche 911 (e um monte de outros; os alemães REALMENTE querem dominar o mundo), a Espanha teve o Pegaso, a França os Voisin e Bugattis, a Itália os Alfas, Ferraris e Lambos, e os americanos tem os Corvettes, Mustangs e os Chargers Hemi pretos da década de 60.

E agora há o Japão, com o magnífico LFA. Logo, virá a Coreia. É só uma questão de tempo.

MAO





fotos e vídeo: Toyota






Meu amigo Belli me mandou as fotos deste post, que ele tirou de um Toyota 2000GT (carro sobre o qual falamos aqui e aqui ) ao lado de um Porsche 356 no paddock da pista de Laguna Seca, mês passado, onde todo ano se realizam provas de carros antigos na mesma semana do famoso concurso de elegância de Pebble Beach. Reparem como é pequena, e especialmente na etiqueta do motor, que fornece os dados de regulagem. Coisa de um tempo que se foi...

MAO
Como esperava, um leitor finalmente veio me fazer uma pergunta a respeito do 2000GT: não era desenho de Albert Goertz?

Esta é uma história deveras interessante. Em muitas fontes pode se encontrar o nome do famoso conde alemão, discípulo de Raymond Loewy e a pessoa que desenhou o belíssimo BMW 507 V8, como o desenhista do Toyota.

É inegável que Goertz teve influência no desenho do carro. Mas influência é uma coisa, ser o desenhista é outra. Se fosse assim, existiriam pouquíssimos desenhistas realmente, visto que o desenho industrial é um amálgama de influências culturais e históricas, e autofágico por natureza.

Se fosse assim, todos os porta-malas atuais seriam desenhados por Chris Bangle.


A história é a seguinte: Goertz desenhou o Nissan A550X, acima. Este carro era para ser feito pela Yamaha, como o 2000GT, mas acabou sendo cancelado pela Nissan, em estágio avançado de projeto. A Toyota, que tinha a idéia do seu GT na cabeça, resolveu contratar a Yamaha, que tinha o esquema pronto, para ajudá-la no 2000GT. Por causa disso que muita gente diz que o 2000GT era um Nissan desenhado por Goertz, que a Toyota pegou e produziu. O que existe de fato, de comprovado, é isto. O resto é especulação e intriga, de várias pessoas que clamam para si a glória de ter desenhado o 2000GT e/ou o Nissan 240Z original (abaixo), que apareceu em 1970.


É obvio, como já disse, que o carro de Goertz influenciou ambos, principalmente o Nissan. Mas eram carros diferentes, como podemos ver. A proporção básica é a mesma, longo capô e traseira hatchback, provocado principalmente pelo seis em linha recuado de todos os três carros, mas é só. Dizer que o alemão desenhou o carro é um exagero, em minha opinião. Os japoneses criaram esboços novos, escolheram o melhor, fizeram modelos em escala, modelo em argila em tamanho natural, aprovaram o carro e o produziram. Não há uma superfície do carro de ambos que é exatamente a mesma daquele A550X. Isto para mim é desenhar um carro.

Alguém podia dizer, como já fizeram, que todos eles foram influenciados pelo Ferrari 250 GTO. Eu acho tudo isso uma bobagem. O 2000GT foi feito pelos japoneses da Toyota, e quem inflenciou eles não interessa senão a um estudante de desenho industrial que queira fazer uma tese sobre o assunto.

Mas é muito mais interessante colocar o mérito em um conde alemão do que em pobres trabalhadores anônimos japoneses. Até a Nissan North America espalhou a lenda em propagandas, no caso do 240Z, causando revolta em alguns velhinhos japoneses, mas nada mais que isso.

Como disse Giugiaro sobre a polêmica a respeito desenho do Miura, o importante não é quem desenhou, mas que o carro existe.

Amén!
MAO

Hoje de manhã fui arrumar a mesa da sala, que usei para fazer o post do 2000GT, e que estava cheia de livros e revistas . Achei tão legal a cena que tirei esta foto.

Quando a gente escreve, aprende sempre mais que ensina. Esta é que é a beleza do negócio.

MAO



Uma das grandes injustiças que vejo no mundo é o modo que é tratada a indústria automobilística japonesa. Praticamente todo mundo costuma considerá-los meros copiadores, mesmo hoje, quando está mais que provada a sua superioridade técnica em praticamente todos os campos industriais conhecidos.

Talvez o motivo disso seja o pragmatismo com que tratam qualquer tarefa técnica: primeiro pesquisam tudo que já foi feito, e analisam seus predecessores minuciosamente, antes de tentar desenhar qualquer coisa. Assim, evitam o enorme trabalho que alguns realizam, só para descobrir depois que outra pessoa já tinha feito a mesma coisa melhor.

Para mim tal tipo de comportamento parece apenas lógico e inteligente, e calculo que venha da humildade característica da cultura daquele país, e do seu desprezo pelo pessoal em detrimento da sociedade como um todo. Aqui no ocidente, todos queremos ser “originais”, enquanto lá o esperado é apenas que você faça a sua parte no todo. Apesar de ser uma cultura quase alienígena aos nossos olhos, devemos respeitar um povo com essa determinação de evoluir todo mundo junto, ao invés de todos ficarem tentando ‘se dar bem’ e o resto... bem, cada um que se vire. Os resultados estão aí para quem quiser ver: o progresso criado pelas gerações passadas é desfrutado pelas atuais. Meus filhos não terão tanta sorte, infelizmente.

Já no início dos anos 60, cientes de sua capacidade e certos de seu futuro brilhante, os japoneses começaram a buscar aquilo que é intangível de forma prática, mas é o verdadeiro motor da humanidade: o reconhecimento. Não, não é o dinheiro; este é só um meio de atingi-lo. O que todos queremos, bem lá no fundinho de nossa alma, é o reconhecimento público e claro de nosso semelhante, pelo que somos, pelo que fazemos, ou, melhor ainda, por ambos.

A Toyota, certa do curso que a levaria a ser o maior produtor de automóveis do planeta, queria exatamente isto em 1964. Com caixa transbordando de dinheiro já naquele tempo, estava pronta para gastar um pouco dele polindo sua imagem pública. Inspirados pela volta da Mercedes em 1954 com o 300SL, pensaram os japoneses: que maneira melhor se pode ser levado a sério, senão criando um carro especial, um GT de altíssima performance, qualidade, e preço? Ah, época boa...Hoje, para fazer o mesmo, criou aquele beco sem saída tecnológico que é o Prius, e infelizmente, teve muito mais sucesso que nos anos 60.

Mas enfim, decisão tomada, foi criado então um pequeno time debaixo do diretor Jiro Kawano(até ali encarregado de competições), escolhidos a dedo para o projeto. Apenas cinco pessoas, uma para cada área específica, a saber: chassi e suspensão, motor e transmissão, design, carroceria, e testes. Comprova uma regra que tenho para mim que quanto menos pessoas mais bem pagas envolvidas, melhor é um projeto de automóvel. O incrível McLaren F1 foi criado da mesma forma, como já contei aqui.

Em outro paralelo com o McLaren F1, que na verdade neste ponto copiou os japoneses, a primeira coisa a fazer foi arrumar carros esportes e GTs reconhecidos como ótimos, e destrinchar suas entranhas para descobrir seus segredos, medindo tudo no processo, de esforço nos comandos a desempenho final. Assim, saber-se-ia exatamente onde se queria chegar, conhecendo o que já existe.

O mais interessante é notar que em ambos os casos, nos dois projetos semelhantes (o objetivo dos dois era simples: ser o melhor carro para dirigir nas ruas), separados por 30 anos de desenvolvimento da indústria, determinaram exatamente o mesmo benchmark (o melhor existente até então, que deveria ser superado): o Lotus Elan. Apesar disto, os japoneses ficaram muito impressionados com o hoje clássico, então contemporâneo, Jaguar XK-E. A influência dos dois é clara no carro, como veremos adiante.

Lançado no Salão de Tóquio de 1965 como Toyota 2000GT, o carro resultante é uma daquelas jóias raras do mundo automobilístico, que apesar de serem quase perfeitos em projeto e execução, se resignaram a apenas um rodapé na história. Ninguém entendeu o carro, e até hoje é conhecido como “aquela cópia de Jaguar que a Toyota fez”.


O carro, na realidade, tinha objetivos de projeto ambiciosos: alto desempenho, civilidade total para uso diário e viagens, alta qualidade em detrimento de alto volume de produção, e finalmente ser a base para um carro de competição. Usando um chassi tipo espinha dorsal em chapa de aço, muito similar ao da Lotus Elan (inclusive nos altos pontos de montagem de torres de suspensão na traseira), o carro tinha uma especificação técnica perfeita, mesmo se observada na perspectiva dos dias de hoje.



A suspensão era independente nos quatro cantos, por braços triangulares sobrepostos. Estes braços eram longos, e suas molas e amortecedores idem para prover um grande curso de suspensão. Infelizmente não se faz mais suspensão assim em carros esporte; os enormes pneus e a necessidade de mantê-los perto das aberturas de rodas por motivos de aparência impedem isso. Mas é a maneira correta de se fazer, e assim é o 2000GT. A caixa de direção, de pinhão e cremalheira, era colocada à frente da suspensão, de novo, a posição teórica perfeita. Montado logo atrás desta caixa, estava o motor, em posição central-dianteira.



Este motor utilizava o bloco de seis cilindros em linha, sete mancais e dois litros de deslocamento do Toyota Crown, em ferro fundido, mas utilizava cabeçote desenhado e produzido pela Yamaha, todo em alumínio e com duplo comando de válvulas, duas válvulas de diâmetro generoso por cilindro, e uma câmara de combustão hemisférica. Flanqueando o belíssimo cabeçote (com acabamento das tampas crackle-black, como um Ferrari), um maravilhoso trio de carburadores duplos horizontais Solex (fabricados no Japão sob licença pela Mikuni), e do outro lado, coletores de escape individuais dividiam as seis saídas de escape para dois tubos principais de escapamento, que seguiam por debaixo do chassi-espinha até a traseira do carro. Pelo meio deste chassi (em perfil retangular fechado) passava a árvore de transmissão (cardã) que ia do câmbio Toyota de cinco marchas totalmente sincronizado (uma raridade então, comum apenas nos Alfa Romeo) até o diferencial traseiro aparafusado ao fim do chassi, na traseira do veículo.

Este magnífico motor produzia 150 cv a 6.600 rpm e 18 mkgf a 5.000. Marcas pífias hoje em dia, mas irrelevantes: o motor era fantástico. Disse Martin Buckley na Classic & Sports Cars em 1995:

“Qualquer dúvida sobre o carro se evaporou no momento em que liguei o motor. Do ronronar da marcha-lenta ao berro perto do limite de giros, um seis em linha não tem como ficar melhor do que isso. A pegada começa realmente só às 3.500 rpm, mas dali em diante ele empurra com vontade, e de maneira incrivelmente suave, até 7.000 rpm. Com uma resposta pronta e precisa, nenhum ponto aparente de vibração em todo o espectro, e com nenhum traço de aspereza, é uma jóia de motor. É tão suave e forte quanto um motor BMW atual, na verdade, mas com um berro no escape - não, um berro não, um profundo, grosso e musical pano de fundo - que não fracassa em entusiasmar.”



O desempenho (0-100 em 10 s e 210 km/h de final) parece, de novo, ridiculamente baixo para um GT de verdade, mas ninguém que o dirigiu já reclamou. Rápido o suficiente, se quiserem a minha opinião. Como venho dizendo aqui neste blog desde sempre, é mais importante COMO um carro faz algo, não O QUÊ ele faz.

E vocês já devem saber: é rápido o suficiente para uma morte bem gloriosa. A Toyota tentou, na verdade, colocar o V-8 desenvolvido para o Toyota 7 de competição (5 litros e 400 cv) no seu GT, mas descobriu que teria que aumentar o tamanho do carro, e perder em agilidade, área frontal, eficiência, na verdade arruinando a ideia inicial de um carro realmente pequeno e leve como o Elan. O que está correto, está correto, e mais muitas vezes é menos. O papo de cópia de XK-E morre colocando-os lado a lado, pois além de serem realmente diferentes, o Jaguar é enorme perto do pequeno e atlético Toyota.


Como não poderia deixar de ser com tanto cuidado, o carro era fantástico para dirigir. Direção perfeita, suspensão suave, comportamento impecável, controles exemplares. Com apenas 2,7 voltas entre batentes, a direção já foi descrita como: “...boa como a de um Lotus, soberbamente ajustada em peso, precisão e feedback”. O carro foi o primeiro japonês com freios a disco nas quatro rodas, unidades Dunlop de pistão simples, que também só receberam elogios da crítica. Ajudado por uma visibilidade inédita em carros deste tipo, a perfeita distribuição de peso (50/50 com combustível e um ocupante), o centro de gravidade baixo e o eixo de rolagem alto, não podia ser de outra forma. Perfeito é o que perfeitamente foi concebido.



Apesar do protótipo mostrado em Tóquio ter rodas raiadas, todos os 2000GT foram equipados com levíssimas rodas de magnésio com porca central única (knock-offs), de 15 polegadas, e pneus com seção de 165 mm. Medidas de Fusca...

A carroceria tinha um desenho incrivelmente futurista, atlético e belo, salvo pela mal-resolvida dianteira, com sua grade e faróis de aparência amadora. Detalhes interessantes abundam: reparem no corte das portas, feitos para impedir que estas se danifiquem ao abrir em meio-fios, num carro baixo. O JJ ia adorar! Ajudado pelo longo capô proporcionado pelo seis em linha em posição recuada (central), e os balanços reduzidos (de novo, perfeição), existem compartimentos entre as rodas e as portas, como os que escondem o estepe nos Bristols. No 2000GT, um lado guarda a bateria, e o outro, um filtro de ar reserva e o reservatório do limpador de parabrisa.


A produção do carro foi sub-contratada para a Yamaha, que fazia os carros praticamente de forma artesanal, à mão, com todo o cuidado para que fosse percebido como o artigo de luxo que efetivamente era. No interior, uma grande contribuição desta eclética empresa (instrumentos musicais, motocicletas e motores) veio de sua divisão de pianos: madeira de qualidade (mogno e pau-rosa, ambos vindos do Brasil) adorna o painel, o volante e a bola da alavanca de câmbio.

Os instrumentos principais são recuados para dentro do painel, tornando-os menos afetados por reflexos diversos, uma prática comum hoje, mas rara em 1966, época em que todos ainda apenas colocavam os instrumentos em uma chapa plana. O relógio contava com um cronômetro, havia ventilação forçada com direcionamento (ocupante, pés ou desembaçador) e o acabamento geral era de altíssima qualidade.




Tudo isso não poderia sair barato, e aí que estava o calcanhar de Aquiles do carro. Era caríssimo, mais caro que um 911. Custava um XK-E e meio, sendo o Jaguar um carro de 4,2 litros e de desempenho muito superior. Não importava quanto satisfatório fosse o pequeno japonês, se hoje em dia alguém teria dificuldade em pagar mais por um Toyota do que para um Porsche, imagine então nos anos sessenta, época em que ainda eram pouco conhecidos. O carro foi um fracasso, vendendo apenas 337 unidades de 1966 a 1970. Os últimos sete eram da versão S2, que usava o motor do Crown (SOHC e 2,3 litros) com os carburadores do 2000GT, para a mesma potência e mais torque, e opcionais transmissão automática e ar condicionado, que, para ser sincero, tiraram o foco e estragaram a pureza do original.

O designer do carro, o japonês Satoru Nozaki, escreveu uma reportagem sobre sua criação na Automobile Quarterly em 1967 (anônima, pois as japoneses creditavam tudo ao grupo e não as pessoas, como a revista menciona, a pedido da Toyota), onde explicava o objetivo de todo o exercício:

“Um grã-turismo, e como um GT, ele deve ter todo o equipamento, especificação e layout que responda para um alto grau de habilidade ao volante. Mas ao contrário de um carro esporte, que pressupõe um certo nível de desconforto e austeridade, ele deve proporcionar um ar de conforto e luxo. Orgulho, por assim dizer. A capacidade de uma máquina de competição com a qualidade e confiabilidade de um carro de primeira linha. Deve ser um carro em que o dono possa aproveitar um calmo passeio pela cidade no domingo, e uma rápida viajem por estradas sinuosas.”

Missão cumprida, Nozaki-San.

Como já tentei fazer quando falei do Carrera 2,7 e do 190E 2.3-16, o objetivo aqui é provar que você não precisa de 600 cv e rodas imensas para ser feliz. No mundo de hoje, onde, impulsionados pela internet, todos comparam dados para decidir quem é melhor ou pior, todos esquecem do principal, e pelo menos ao respeito de automóveis, perdem o melhor, que é imensurável: o prazer de dirigir. Não existe unidade de medição para isso.

E prazer não depende de preço. Nem que esse preço seja um Toyota pelo preço de um Jaguar e meio.


MAO