
O recente post do JJ sobre o Saab 9000 causou algumas discussões aqui no blog. Segundo a maioria dos meus amigos, dados de retomada na última marcha seriam totalmente irrelevantes, pois não dizem nada sobre o desempenho do carro trocando as marchas.
O argumento é bem válido, exemplificado pela visão do AG: "... não tem como comparar aceleração a 80 na última marcha, nem ter isso como parametro definitivo de nada não. E o cara que quer vir a 80 em quinta e acelerar para ultrapassar sem reduzir não merece dirigir nada de muito legal mesmo. " Outros disseram, com razão, que as relações de câmbio tem muito a ver com isso, o que é totalmente verdade. E todo mundo imagina que o 9000 toma uma bucha de um M5, se o sujeito se dignar a reduzir uma marcha...Mas eu entendi o que o amigo JJ quis dizer. Principalmente olhando a história da Saab.

A primeira coisa que a gente tem que entender, é que todo Saab, desde antiquíssimos ovos de dois tempos (92,93,96), primavam pela flexibilidade do motor, e por ter acelerações ainda boas mesmo em última marcha. Todos eles foram desenvolvidos para fazer provas de aceleração em última marcha bem, e portanto, o 9000, sendo o último Saab desenvolvido pela Saab independente (ainda que sua plataforma fosse compartilhada, papo para outro dia), e o mais potente deles, naturalmente era exepcionalmente bom nisso. Os números publicados pelo JJ são um efeito colateral disso apenas, mas são reais.

A Saab tem um enfoque mais interessante em segurança que a sua famosa vizinha Volvo. Ela é bem mais interessada em segurança ativa, apesar de ser ótima também em passiva. A Volvo demorou para se igualar a rival em segurança ativa, preferindo fazer carros para quem quer ter acidentes e não evitá-los, por muito tempo. Sendo assim, para a Saab, o carro deve ultrapassar bem, mesmo que o motorista não queira tocar na alavanca de câmbio, ou mesmo não entenda os benefícios disso. E o carro deve ter reserva de força para fazer ultrapassagens corriqueiras sem necessitar a troca. Um efeito colateral desta filosofia é que os carros são lineares em seu desempenho, e mesmo quandio turbos nunca falham em acelerar decididamente, mesmo a partir de rotações baixas do motor. Quem acelera bem em última marcha é sempre um veículo agradabilíssimo, mesmo que muita gente boa repute este dado como desprezível. O que nos faz lembrar de uma coisa sensacional sobre a Saab: a independência intelectual.
A Saab tinha pouca informação de como desenvolver um carro quando começou a fazê-lo, na Suécia de 1946. Sem ter como copiar ninguém, ou se balizar no que faz a concorrência, como TODO MUNDO faz hoje, ela resolveu decidir por si mesma o que fazer. Seus carros são deliciosamente idiossincráticos, diferentes, malucos até, mas sensacionais se olhados com inteligência e isenção. A Saab fazia algo porque acreditava naquilo, e não porque era a prática aceitada pela turba. Me deixa triste que nem mais a própria empresa faça isto, e antes que alguém diga que é por isso que faliu, veja o que aconteceu com ela depois de ser absorvida pela GM... O General achou que para preservar a identidade da marca, bastava voltar a chave de ignição para o chão. Não entendeu lhufas, e acabou com a marca.
Por que hoje todos os carros tem que ser iguais? Porque um Saab não pode ser um Saab? Esta semana, ouvi muita gente aplaudindo o novo Buick Regal, que na verdade é um Opel. Porque o mundo não tem lugar para um Buick grande, e totalmente isolado do exterior como deve ser? Molega de suspensão, um iate terrestre? Que coisa chata isso! Onde está a diversidade? Ponho a culpa na imprensa automobilística, principalmente a influente imprensa inglesa, que desde os anos 80 iguala carros deste tipo a algo ruim, a ser evitado, coisa de velho. Ah, e ninguém mais quer ser velho...ser velho é ruim! Francamente...
E vejam por exemplo este consenso sobre a inutilidade da aceleração em última marcha: se o ABS é válido para as pessoas que não sabem frear, então, no mínimo, um carro deve acelerar bem em última marcha também. Para os que não sabem trocar marcha, lógico! Como já disse aqui, acho isso tudo uma grande bobagem, mas acho engraçado que este argumento não tenha passado pela cabeça de meus colegas, alguns deles ferrenhos defensores do ABS.
Mas não é por isso que gosto deste fato sobre o 9000. É porque deve ser sensacional para guiar, com uma faixa gorda de saborosa de torque sempre disponível, uma linearidade incrível, desde baixas rotações. E porque é um exemplo de que pode-se ser moderno e diferente de todos, ao mesmo tempo.

Mas essa história fica ainda melhor, porque dá para aprender muito sim olhando somente os números de aceleração em última marcha. O Hans Jartof, nosso companheiro sueco, comentou que teve um 9000, e em Nürburgring andava junto com 911. O Mollazano achou que o M5 trocando as marchas trucidaria o Saab. Pensei: olhando o tamanho da diferença na aceleração em última marcha entre o M5 e o 9000, a diferença absoluta de desempenho entre os dois carros não pode ser tão grande assim. E adivinhe só, pessoal: não é. Deixo aqui os números de aceleração de 0-60 mph, e da imobilidade ao quarto de milha, dos dois carros, para fechar o post. Tirem as conclusões que quiserem:
1991 BMW M5 6,5 14,9
1994 Saab 9000 Aero 5 spd 6,2 14,8
1994 Saab 9000 Aero 5 spd 6,2 14,8
In God we trust. Others, bring data, please.
MAO
