Texto: Arnaldo Keller
Fotos: Paulo Keller
Fotos: Paulo Keller
“Só quero que você
Me aqueça neste inverno
E que tudo mais
Vá pro inferno”
Me aqueça neste inverno
E que tudo mais
Vá pro inferno”
Na verdade, aquele sábado à tarde em que saí com o Calhambeque do Roberto Carlos era verão e fazia um calor infernal. Fui pra Rua Augusta e, infelizmente, ela não é mais o que era. O trânsito estava fluindo. Não se via mais carros parados devido à gostosa paquera: a rapaziada debruçada nas janelas passando pra lá e pra cá papeizinhos com os números de telefones. Telefones fixos, óbvio, daqueles que a gente tinha que ligar depois, num horário em que calculávamos que elas estariam em casa. Nós discando e torcendo para que elas mesmas atendessem, e não a mãe ou, pior, o pai, um cara normalmente rabugento.
“Você não gosta de mim, mas a sua filha gosta” (essa não é do Rei, é do Chico, mas bem que poderia ser).
E ela vinha correndo atender, recém saída do banho, com os cabelos molhados e a pele fresca e perfumada.
— Oi! É você?, ela fala baixinho.
— Sou eu, sim, minha gata. Que tal um cineminha? Está passando Love Story...
Dali um tempo toca a campainha. Bizz! O pai atende a porta e coça a cabeça ao ver o figura. Calça boca de sino, cinto grosso com fivela, camisa florida, cabeludo. O rapaz rebelde que pretende levar a sua filhota a um mundo de romance e aventuras.
“Garota que andar do meu lado
Vai ver que ando mesmo apressado
Minha caranga é máquina quente
Eu sou terrível, eu sou terrível
Vou lhe dizer
Eu ponho mesmo pra derreter”
Vai ver que ando mesmo apressado
Minha caranga é máquina quente
Eu sou terrível, eu sou terrível
Vou lhe dizer
Eu ponho mesmo pra derreter”
O asfalto se derretia com o calor. Uns quarenta anos se passaram, as paqueras acabaram, e lá estava eu subindo e descendo a Rua Augusta, agora no Calhambeque do Rei. Já guiei muitos carros exóticos, chamativos, mas nunca tinha visto tamanha agitação por causa de um carro. Muitos pedestres olham e sorriem. Puxam a mão da companhia para que vejam a caranga: “— Olha, benzinho, olha! É o Calhambeque do Roberto Carlos!” O Rei ainda reina, simpaticamente reina, indubitavelmente reina.
Mas o trânsito fluía; contra a minha vontade, fluía. Nada de janelas abertas. As janelas iam fechadas e o ar-condicionado ligado. Carros sisudos, em sua maioria, pretos – a cor que suga todas as saudáveis ondas coloridas que o outro rei, o Rei Sol, nos manda. Nada de carros coloridos como costumavam ser. A Rua Augusta era colorida, e a descida de sua ladeira provocava nas garotas um rebolado que nos entontecia. Dormíamos com esses rebolados na cabeça e tínhamos bons sonhos.
Porém, galharda e rebeldemente o Calhambeque seguia colorido: branco e azul celeste, as cores preferidas do Rei – o branco é a soma de todas as cores e o azul celeste é o céu que nos envolve.
“De que vale o céu e o azul do sol sempre a brilhar
Se você não vem e eu estou a lhe esperar
Só tenho você, no meu pensamento
E a sua ausência é todo o meu tormento
Só quero que você...”
Se você não vem e eu estou a lhe esperar
Só tenho você, no meu pensamento
E a sua ausência é todo o meu tormento
Só quero que você...”
E o Calhambeque seguia de janelas abertas.
Janelas abertas. Deixem o mundo entrar, deixem o bem vindo calor entrar, deixem os sons e vozes entrarem que nada disso me incomoda, eu gosto.
Felizmente, emparelha um carro e logo sua janela traseira vai-se abrindo. Ela se abre eletricamente, em velocidade constante, nada dos tranquinhos das antigas maniveladas. De lá um molecote suado põe a cabeça pra fora e canta alto, rindo: “— Meu calhambeque, bi bi!”
Ufa! Ainda resta uma esperança! E uma alegria toma conta de mim, até aquele momento um cinquentão melancólico e taciturno.
— É o carro do Roberto Carlos?, o garoto pergunta.
— É! É, sim! Ele me emprestou pra dar umas voltas..., inventei na hora, mentindo. Legal, né?
— Muito legal! Ele corre?
— Madonna Mia como corre! To até com medo de acelerar!, respondi alegre.
E vrrrúúm, vrrrúmm!, umas bombeadas no acelerador, pra saciar sua curiosidade.
Com isso, lá do fundo da memória, surpreendentemente fácil, brotou a música, que saí cantarolando contente:
“Mandei meu Cadillac
Pro mecânico outro dia
Pois há muito tempo
Um conserto ele pedia
E como vou viver
Sem um carango prá correr
Meu Cadillac, bi-bi
Quero consertar meu Cadillac
Bi Bidhu! Bidhubidhu Bidubi!...
Pro mecânico outro dia
Pois há muito tempo
Um conserto ele pedia
E como vou viver
Sem um carango prá correr
Meu Cadillac, bi-bi
Quero consertar meu Cadillac
Bi Bidhu! Bidhubidhu Bidubi!...
Com muita paciência
O rapaz me ofereceu
Um carro todo velho
Que por lá apareceu
Enquanto o Cadillac
Consertava eu usava
O Calhambeque, bi-bi
Quero buzinar o Calhambeque
Bi Bidhu! Bidhubidhu Bidubi!...
O rapaz me ofereceu
Um carro todo velho
Que por lá apareceu
Enquanto o Cadillac
Consertava eu usava
O Calhambeque, bi-bi
Quero buzinar o Calhambeque
Bi Bidhu! Bidhubidhu Bidubi!...
Saí da oficina
Um pouquinho desolado
Confesso que estava
Até um pouco envergonhado
Olhando para o lado
Com a cara de malvado
O Calhambeque, bi-bi
Buzinei assim o Calhambeque
Bi Bidhu! Bidhubidhu Bidubi!...
Um pouquinho desolado
Confesso que estava
Até um pouco envergonhado
Olhando para o lado
Com a cara de malvado
O Calhambeque, bi-bi
Buzinei assim o Calhambeque
Bi Bidhu! Bidhubidhu Bidubi!...
E logo uma garota
Fez sinal para eu parar
E no meu Calhambeque
Fez questão de passear
Não sei o que pensei
Mas eu não acreditei
Que o Calhambeque, bi-bi
O broto quis andar
No Calhambeque
Bi Bidhu! Bidhubidhu Bidubi!...
Fez sinal para eu parar
E no meu Calhambeque
Fez questão de passear
Não sei o que pensei
Mas eu não acreditei
Que o Calhambeque, bi-bi
O broto quis andar
No Calhambeque
Bi Bidhu! Bidhubidhu Bidubi!...
E muitos outros brotos
Que encontrei pelo caminho
Falavam: "Que estouro
Que beleza de carrinho"
E fui me acostumando
E do carango fui gostando
E o Calhambeque, bi-bi
Quero conservar o Calhambeque
Bi Bidhu! Bidhubidhu Bidubi!...
Que encontrei pelo caminho
Falavam: "Que estouro
Que beleza de carrinho"
E fui me acostumando
E do carango fui gostando
E o Calhambeque, bi-bi
Quero conservar o Calhambeque
Bi Bidhu! Bidhubidhu Bidubi!...
Mas o Cadillac
Finalmente ficou pronto
Lavado, consertado
Bem pintado, um encanto
Mas o meu coração
Na hora exata de trocar
Aha! Aha! Aha! Aha! Aha!
Finalmente ficou pronto
Lavado, consertado
Bem pintado, um encanto
Mas o meu coração
Na hora exata de trocar
Aha! Aha! Aha! Aha! Aha!
O Calhambeque, bi-bi
Meu coração ficou com
O Calhambeque
Bi Bidhu! Bidhubidhu Bidubi!...
Meu coração ficou com
O Calhambeque
Bi Bidhu! Bidhubidhu Bidubi!...
-"Bem! Vocês me desculpem
Mas agora eu vou-me embora
Existem mil garotas
Querendo passear comigo
Mas agora eu vou-me embora
Existem mil garotas
Querendo passear comigo
Mas é por causa
Desse Calhambeque
Sabe!
Bye! Eh! Bye! Bye!
Arrãããããããããmmmm!”
Desse Calhambeque
Sabe!
Bye! Eh! Bye! Bye!
Arrãããããããããmmmm!”
O motor e o câmbio desta réplica do Chevrolet Cupê 1933 são novos, zero-km, e vieram da picape Chevrolet S10. O motor é o 2.4 a gasolina e rende bons 147 cv a 5.200 rpm e 21,9 mkgf de torque a 2.800 rpm. A picape faz o zero a cem em 14 segundos e pesa 1.700 kg, e o Calhambeque, sendo de plástico reforçado com fibra de vidro, pesa ao redor de 1.000 kg. Daí já dá pra ver que esse alívio de 700 kg deixa o Calhambeque bem esperto. Anda bem, sim. Deve fazer o zero a cem na casa dos 10 segundos. Motor elástico num carro leve. Arranca bem e viaja bem. Não só desce a Rua Augusta a 120 por hora, como pode até subi-la a essa velocidade – mas isso só o Rei pra fazer e não ir em cana.
O chassi, cortado a laser, é baseado no do Chevy 33 original. As suspensões, tanto a dianteira quanto a traseira, vieram do Opala. Isso lhe dá maciez no rodar e bom equilíbrio. Além do mais, o motor está bem recuado em relação ao eixo dianteiro, coisa que não ocorre no Opala, e isso lhe confere melhor distribuição de peso. Bom carro – carroceria leve, peso concentrado em baixo e no centro. Moral da história: pode preparar o motor ou colocar um motor mais forte, que, mesmo já andando bem como está, o carro vai dar conta de maior potência.
Assim será uma série especialíssima: quatro Calhambeques com motor do Corvette novo: 430 cv. Estes quatro, além do motor, terão câmbio e suspensão do Corvette e mais outras melhorias. Um para o Rei, outro para o bicampeão Emerson Fittipaldi, outro para o Zurita (o presidente da Nestlé, a empresa que patrocinou a campanha publicitária que comemora os 50 anos de carreira do Roberto Carlos) e outro para o Cleber, o dono da Americar Veículos, a fábrica de réplicas que está construindo os 50 Calhambeques a serem sorteados.
Na verdade, dificilmente 50 serão produzidos, porque o normal de uma campanha é que, dos sorteados, só 20% fiquem com o produto. Quando é televisor ou geladeira etc, normalmente é assim. Os outros 80% preferem ficar com o valor correspondente. Mas o Calhambeque está surpreendendo a todos e até agora a grande maioria quer mesmo é o carro, o que está fazendo a Americar trabalhar feito maluca, dia e noite, incluindo finais de semana, e isso tem atrapalhado a produção das réplicas dos Cobra e dos Jaguar XK120. Se alguém, depois dessa maratona, quiser um Calhambeque, tudo bem, bicho, a Americar continuará a fabricá-los.
Quanto mais Calhambeques, melhor. Quanto mais rebeldia contra a sisudez, a mediocridade e a empáfia, melhor.
Bi Bidhu! Bidhubidhu Bidubi!...
Bye!... Bye!
AK