google.com, pub-3521758178363208, DIRECT, f08c47fec0942fa0 AUTOentusiastas Classic (2008-2014)
Texto: Arnaldo Keller
Fotos: Paulo Keller
“Só quero que você
Me aqueça neste inverno
E que tudo mais
Vá pro inferno”
Na verdade, aquele sábado à tarde em que saí com o Calhambeque do Roberto Carlos era verão e fazia um calor infernal. Fui pra Rua Augusta e, infelizmente, ela não é mais o que era. O trânsito estava fluindo. Não se via mais carros parados devido à gostosa paquera: a rapaziada debruçada nas janelas passando pra lá e pra cá papeizinhos com os números de telefones. Telefones fixos, óbvio, daqueles que a gente tinha que ligar depois, num horário em que calculávamos que elas estariam em casa. Nós discando e torcendo para que elas mesmas atendessem, e não a mãe ou, pior, o pai, um cara normalmente rabugento.
Você não gosta de mim, mas a sua filha gosta” (essa não é do Rei, é do Chico, mas bem que poderia ser).
E ela vinha correndo atender, recém saída do banho, com os cabelos molhados e a pele fresca e perfumada.
— Oi! É você?, ela fala baixinho.
— Sou eu, sim, minha gata. Que tal um cineminha? Está passando Love Story...
Dali um tempo toca a campainha. Bizz! O pai atende a porta e coça a cabeça ao ver o figura. Calça boca de sino, cinto grosso com fivela, camisa florida, cabeludo. O rapaz rebelde que pretende levar a sua filhota a um mundo de romance e aventuras.
“Garota que andar do meu lado
Vai ver que ando mesmo apressado
Minha caranga é máquina quente
Eu sou terrível, eu sou terrível
Vou lhe dizer
Eu ponho mesmo pra derreter”
O asfalto se derretia com o calor. Uns quarenta anos se passaram, as paqueras acabaram, e lá estava eu subindo e descendo a Rua Augusta, agora no Calhambeque do Rei. Já guiei muitos carros exóticos, chamativos, mas nunca tinha visto tamanha agitação por causa de um carro. Muitos pedestres olham e sorriem. Puxam a mão da companhia para que vejam a caranga: “— Olha, benzinho, olha! É o Calhambeque do Roberto Carlos!” O Rei ainda reina, simpaticamente reina, indubitavelmente reina.
Mas o trânsito fluía; contra a minha vontade, fluía. Nada de janelas abertas. As janelas iam fechadas e o ar-condicionado ligado. Carros sisudos, em sua maioria, pretos – a cor que suga todas as saudáveis ondas coloridas que o outro rei, o Rei Sol, nos manda. Nada de carros coloridos como costumavam ser. A Rua Augusta era colorida, e a descida de sua ladeira provocava nas garotas um rebolado que nos entontecia. Dormíamos com esses rebolados na cabeça e tínhamos bons sonhos.
Porém, galharda e rebeldemente o Calhambeque seguia colorido: branco e azul celeste, as cores preferidas do Rei – o branco é a soma de todas as cores e o azul celeste é o céu que nos envolve.
“De que vale o céu e o azul do sol sempre a brilhar
Se você não vem e eu estou a lhe esperar
Só tenho você, no meu pensamento
E a sua ausência é todo o meu tormento
Só quero que você...”
E o Calhambeque seguia de janelas abertas.
Janelas abertas. Deixem o mundo entrar, deixem o bem vindo calor entrar, deixem os sons e vozes entrarem que nada disso me incomoda, eu gosto.
Felizmente, emparelha um carro e logo sua janela traseira vai-se abrindo. Ela se abre eletricamente, em velocidade constante, nada dos tranquinhos das antigas maniveladas. De lá um molecote suado põe a cabeça pra fora e canta alto, rindo: “— Meu calhambeque, bi bi!”
Ufa! Ainda resta uma esperança! E uma alegria toma conta de mim, até aquele momento um cinquentão melancólico e taciturno.
— É o carro do Roberto Carlos?, o garoto pergunta.
— É! É, sim! Ele me emprestou pra dar umas voltas..., inventei na hora, mentindo. Legal, né?
— Muito legal! Ele corre?
— Madonna Mia como corre! To até com medo de acelerar!, respondi alegre.
E vrrrúúm, vrrrúmm!, umas bombeadas no acelerador, pra saciar sua curiosidade.
Com isso, lá do fundo da memória, surpreendentemente fácil, brotou a música, que saí cantarolando contente:
“Mandei meu Cadillac
Pro mecânico outro dia
Pois há muito tempo
Um conserto ele pedia
E como vou viver
Sem um carango prá correr
Meu Cadillac, bi-bi
Quero consertar meu Cadillac
Bi Bidhu! Bidhubidhu Bidubi!...
Com muita paciência
O rapaz me ofereceu
Um carro todo velho
Que por lá apareceu
Enquanto o Cadillac
Consertava eu usava
O Calhambeque, bi-bi
Quero buzinar o Calhambeque
Bi Bidhu! Bidhubidhu Bidubi!...
Saí da oficina
Um pouquinho desolado
Confesso que estava
Até um pouco envergonhado
Olhando para o lado
Com a cara de malvado
O Calhambeque, bi-bi
Buzinei assim o Calhambeque
Bi Bidhu! Bidhubidhu Bidubi!...
E logo uma garota
Fez sinal para eu parar
E no meu Calhambeque
Fez questão de passear
Não sei o que pensei
Mas eu não acreditei
Que o Calhambeque, bi-bi
O broto quis andar
No Calhambeque
Bi Bidhu! Bidhubidhu Bidubi!...
E muitos outros brotos
Que encontrei pelo caminho
Falavam: "Que estouro
Que beleza de carrinho"
E fui me acostumando
E do carango fui gostando
E o Calhambeque, bi-bi
Quero conservar o Calhambeque
Bi Bidhu! Bidhubidhu Bidubi!...
Mas o Cadillac
Finalmente ficou pronto
Lavado, consertado
Bem pintado, um encanto
Mas o meu coração
Na hora exata de trocar
Aha! Aha! Aha! Aha! Aha!
O Calhambeque, bi-bi
Meu coração ficou com
O Calhambeque
Bi Bidhu! Bidhubidhu Bidubi!...
-"Bem! Vocês me desculpem
Mas agora eu vou-me embora
Existem mil garotas
Querendo passear comigo
Mas é por causa
Desse Calhambeque
Sabe!
Bye! Eh! Bye! Bye!
Arrãããããããããmmmm!”
O motor e o câmbio desta réplica do Chevrolet Cupê 1933 são novos, zero-km, e vieram da picape Chevrolet S10. O motor é o 2.4 a gasolina e rende bons 147 cv a 5.200 rpm e 21,9 mkgf de torque a 2.800 rpm. A picape faz o zero a cem em 14 segundos e pesa 1.700 kg, e o Calhambeque, sendo de plástico reforçado com fibra de vidro, pesa ao redor de 1.000 kg. Daí já dá pra ver que esse alívio de 700 kg deixa o Calhambeque bem esperto. Anda bem, sim. Deve fazer o zero a cem na casa dos 10 segundos. Motor elástico num carro leve. Arranca bem e viaja bem. Não só desce a Rua Augusta a 120 por hora, como pode até subi-la a essa velocidade – mas isso só o Rei pra fazer e não ir em cana.
O chassi, cortado a laser, é baseado no do Chevy 33 original. As suspensões, tanto a dianteira quanto a traseira, vieram do Opala. Isso lhe dá maciez no rodar e bom equilíbrio. Além do mais, o motor está bem recuado em relação ao eixo dianteiro, coisa que não ocorre no Opala, e isso lhe confere melhor distribuição de peso. Bom carro – carroceria leve, peso concentrado em baixo e no centro. Moral da história: pode preparar o motor ou colocar um motor mais forte, que, mesmo já andando bem como está, o carro vai dar conta de maior potência.
Assim será uma série especialíssima: quatro Calhambeques com motor do Corvette novo: 430 cv. Estes quatro, além do motor, terão câmbio e suspensão do Corvette e mais outras melhorias. Um para o Rei, outro para o bicampeão Emerson Fittipaldi, outro para o Zurita (o presidente da Nestlé, a empresa que patrocinou a campanha publicitária que comemora os 50 anos de carreira do Roberto Carlos) e outro para o Cleber, o dono da Americar Veículos, a fábrica de réplicas que está construindo os 50 Calhambeques a serem sorteados.
Na verdade, dificilmente 50 serão produzidos, porque o normal de uma campanha é que, dos sorteados, só 20% fiquem com o produto. Quando é televisor ou geladeira etc, normalmente é assim. Os outros 80% preferem ficar com o valor correspondente. Mas o Calhambeque está surpreendendo a todos e até agora a grande maioria quer mesmo é o carro, o que está fazendo a Americar trabalhar feito maluca, dia e noite, incluindo finais de semana, e isso tem atrapalhado a produção das réplicas dos Cobra e dos Jaguar XK120. Se alguém, depois dessa maratona, quiser um Calhambeque, tudo bem, bicho, a Americar continuará a fabricá-los.
Quanto mais Calhambeques, melhor. Quanto mais rebeldia contra a sisudez, a mediocridade e a empáfia, melhor.
Bi Bidhu! Bidhubidhu Bidubi!...
Bye!... Bye!
Veja mais fotos aqui.

AK

Hoje guiei o carro mais gostoso de guiar que já guiei.
Post em breve por aqui, filminho marreta incluído...
AK
Tem épocas em que ficamos um pouco sem fôlego para fazer todos os posts que gostaríamos. Tem um que está no forno e logo entrará no ar com texto e fotos dos primos Keller.
Nota: calhambeque está entre aspas porque não gostamos muito dessa palavra.
Esse nosso mundo autoentusiasta é mesmo bacana. Acabei de receber um vídeo do Mestre Mahar que me fez escrever este post.
Tenho que confessar algo. Até há pouco tempo em não gostava muito, ou tinha muito pouco interesse em automóveis anteriores aos anos 1950. Sei lá; talvez pela distância no tempo e o pouco contato. Ou até pela paixão pela força e potência dos muscle cars e esportivos. Mas ao começar a trabalhar junto com o primo Arnaldo e seus maravilhosos clássicos essa figura se alterou muito.
Tudo começou quando fizemos uma matéria sobre um MG TC 1949. Um carro recém-restaurado e impecável. O jeito com que o Arnaldo tratou o carro e se interessou por cada detalhe me chamou atenção. O lugar onde estávamos e o lindo dia de sol fizeram o cenário das fotos muito prazeroso. Senti uma emoção diferente, forte, de natureza completamente dirversa de todas as emoções que já havia sentido antes. Não seria exagero dizer que foi um tipo de êxtase, algo próximo da plenitude, ou lembrando de outro post (veja a introdução desse post do MAO), algo com estar atendendo ao chamado. Essa emoção veio exatamente quando fiz essa foto abaixo.
Meses mais tarde nos encomendaram uma matéria para a comemoração dos 100 anos do Ford  modelo T onde fotografei um modelo 1926 e vi a dificuldade de dirigi-lo. Infelizmente a conjunção de fatores que levam ao êxtase não ocorreu dessa vez. Mas passei a olhar para o T com outros olhos. Com muito mais romantismo e emoção. Uma pena que eu não consegui expressar isso nesse dia.
E depois fizemos uma matéria sobre um lindo Fiat 509A 1927. Carros muito antigos são mais difíceis de rodar por aí. Um problema na linha de combustível dificultou muito o trabalho, pois não achamos um lugar tão bom para as fotos. Quanto mais antigo o carro maior o grau de dificuldade para fazermos uma matéria. Mas esse 509A também me encantou. A foto abaixo foi inspirada na foto do MG.
Mas o que me faz lembrar de tudo isso foi o vídeo enviado pelo Mahar que conta um pouco sobre a história do Ford modelo T e da massificação do automóvel. Está em inglês, mas as imagens dizem muito. Alguns pontos são bem interessantes.
O visionário Henry Ford, além de fazer carros, foi o maior responsável por viabilizar o acesso das classes mais baixas ao automóvel. Ele teve a grande ideia de tornar seus funcionários também seus clientes. Para isso, com os ganhos em produtividade e em escala passou a pagar mais para os funcionários do que outras indústrias pagavam na época. Antes do Ford modelo T os modelos eram fabricados à mão. Um  T demorava um décimo do tempo para ser fabricado. O Ford também reduziu o turno de trabalho de nove para oito horas, permitindo o trabalho em três turnos e aumentando o volume de produção e o número de empregados.
O Ford modelo T era simples, robusto, mais barato e era fabricado apenas em preto. Quando chegou ao mercado em 1909 seu preço era de 950 dólares. Ficou no mercado por 19 anos, até 1928, com pouquíssimas alterações, quando foi substituído pelo modelo A.
Ford modelo T 1926 e Ford modelo A 1929
As rodas eram de madeira e seu motor 4-cilindros de 2,9 litros tinha pouco mais de 20 cv de potência ligado a uma caixa de 2 marchas com troca feita por um dos pedais no assoalho. O acelerador é numa alavanca no volante - qualquer dia o Arnaldo explica como se dirige um T. Pesando próximo dos 550 kg dependendo do tipo de carroceria, atingia 70 km/h de velocidade máxima. O que o fazia muitas vezes mais rápido que um cavalo ou carruagem.
Havia uma linha de produção para o chassi e outra para a carroceria, também para ganhar produtividade. No ponto em que ambas estavam prontas elas se encontravam. Isso é assim até hoje em picapes, utilitários e caminhões. Muito versátil. ao longo dos anos foram vários tipos de carroceria: carro de passeio 2-portas e 4-portas, roadster, conversível, picape, picape conversível, furgão/perua. Dá pra ver algumas variações saindo da fábrica em Highland Park.
Com 19 anos de produção o modelo atingiu a marca dos 15 milhões de unidades. Essa unidade número 15 milhões pode ser vista no vídeo, no final da linha de produção com o Henry Ford como passageiro. E não deve ter passado pelo controle de qualidade. Vejam que o próprio Ford teve que dar uma forçadinha para fechar a porta. Nessa época já havia outras opções de cor.
O filme também destaca a versatilidade de uso do T. Vejam que impressionante sua capacidade de trafegar em diversas condições de rodagem que vão de uma estrada pavimentada, passando por neve e até fazendo trilhas fora de estrada. Coisa que um carro moderno não faz – ok, hoje temos ruas e estradas por todo lugar. Eu achei impressionante!
Não é à toa que o Ford modelo T foi eleito o Carro do Século. Merece todo meu respeito e admiração.





PK