

Já que falei de câmbios robotizados focando o
Polo I-Motion, quero compartilhar com os leitores a embreagem automática que existiu aqui no DKW-Vemag nos anos 60.
Nas fotos vemos o motor e parte do transeixo, lados direito e esquerdo, dotado da embreagem automática, que tinha o nome de Saxomat devido ao fabricante do conjunto ser a firma alemã Fichtel & Sachs, hoje ZF Sachs.
O visual é praticamente o mesmo dos conjuntos normais, mas se vê no lado direito, assinalado por 1, a válvula de comando, que explicarei depois. No lado esquerdo, marcada como 2, a grande câmara de vácuo, que será explicada também.
O coração do sistema é formado pelo disco e pelo platô de embreagem especiais:
O disco e o platô de embreagem especiais
Diferentemente das embreagens automáticas atuais, a Saxomat era centrífuga. Com o motor em marcha-lenta, os três contrapesos, solidários com a placa de pressão do platô, ficavam recolhidas por ação de mola. Ao acelerar, os contrapesos se expandiam por centrifugação e levavam placa de pressão a pressionar o disco, acoplando-se a embreagem da mesma maneira que tirar o pé do pedal nas embreagens normais. Claro, com Saxomat não existia pedal de embreagem.
Os contrapesos, um deles junto ao dedo do instalador, podem ser vistos nesta foto, que mostra o conjunto sendo montado no volante do motor, que também era especial, com espaço fresado para acomodar os contrapesos:

Mas, carro em movimento, motor em rotação normal de uso, contrapesos expandidos, como desacoplar a embreagem para efetuar uma troca de marcha?
Havia um sistema de atuação a vácuo, que aproveitava a depressão no coletor de admissão ao fechar o acelerador e a transmitia para uma grande câmara de vácuo, de onde saía uma haste que acionava a alavanca de embreagem, na carcaça do câmbio. Veja a câmara na foto inicial no lado esquerdo da página e abaixo, em detalhe:

Para efetuar a comunicação coletor de admissão-câmara de vácuo havia uma válvula especial, também vista na foto inicial, lado esquerdo da página, e em tamanho maior, abaixo:

Essa válvula era comandada eletricamente, não por um botão, mas por um contato na base da alavanca de câmbio. Bastava ser tocada, ao se pretender trocar uma marcha, para se realizar o contato, que fazia a válvula estabelecer a comunicação coletor-câmara e assim desacoplar a embreagem:

À esquerda, a alavanca de câmbio, que era na coluna de direção no DKW; Acima, detalhe do contato na base da alavanca.
Dirigindo com Saxomat
Como o leitor já deve ter notado, o sistema era puramente mecânico-pneumático; eletrônica, zero. Não era só o DKW que podia ter Saxomat, em termos mundiais. Houve Mercedes-Benz, Borgward, enfim, só dependia da fábrica oferecer ou não o equipamento. E não só da marca Saxomat: havia a Ferlec, francesa, e até o Trabant teve a sua embreagem automática, a Hycomat. Era a busca da comodidade, a eliminação do pedal de embreagem.
No nosso caso, o DKW, nada mais simples. Ligar motor, engatar a primeira e acelerar. Os contrapesos se expandiam com o aumento da rotação e o carro se movimentava como se o pé fosse tirado de um hipotético pedal de embreagem.
Na hora de subir marchas, ao tocar na alavanca logo depois de levantar o pé do acelerador, a câmara de vácuo fazia a embreagem desacoplar-se. Engatava-se a segunda e assim sucessivamente até à quarta e última marcha.
Para reduzir, era suficiente tocar na alavanca e engatar a marcha inferior. Se fosse desejado dar uma aceleração interina, dava-se um breve parada em neutro, soltava-se a alavanca momentaneamente e acelerava-se, continuando o processo de redução em seguida. O sistema funcionava muito bem e tinha, de quebra, uma peculiaridade.
Fazendo o motor pegar no tranco
Como motor desligado, é evidente que os contrapesos se recolhiam e a embreagem ficava desacoplada. Para se poder estacionar o veículo e deixá-lo engrenado (mesmo que o motor de dois tempos não seja pródigo em se opor ao movimento desligado como um quatro-tempos), o platô possuía três contrapesos auxiliares, assinalados como "S" na foto do começo onde aparecem o disco e o platô. Quando o motor era desligado, esse três contrapesos auxiliares recolhiam-se por ação de mola e se encaixavam na coroa marcada como "1" na mesma foto, no cubo do disco. Assim que o motor ligava, os três contrapesos se expandiam e liberavam o disco nas primeira revoluções do motor. Depois era como já explicado, os contrapesos principais assumiam o papel de acoplar a embreagem.
A descrição do processo acima permitia ao DKW com Saxomat uma operação única: o próprio motorista fazer o carro pegar empurrado, no "tranco". Parece surreal mas não é, e eu me divertia mostrando isso para os amigos e clientes da minha concessionária Vemag.
Era assim: carro em piso plano, motor desligado, primeira engatada, ignição ligada, freio de estacionamento solto. Eu saía do veículo, fechava a porta e, pela traseira, empurrava-o. Como o motor dois-tempos se movimenta facilmente (falei nisso logo acima), pegava imediatamente. Assim que pegava e ficava em marcha-lenta, os contrapesos auxiliares liberavam o disco, mas os principais ainda estavam recolhidos. Resultado: o carro ficava parado, em marcha-lenta, à espera do seu motorista! As pessoas não acreditavam...
Como eu disse no texto sobre o câmbio robotizado, não haver pedal de embreagem é uma vantagem e tanto. Nesse tempo em que eu tinha a concessionária, havia um cliente que teve paralisia infantil e não tinha força na perna esquerda. Seus DKW tinham Saxomat, que era passado de um carro para outro nas várias trocas que fez. Uma tia da minha mulher era acostumada com carro automático e quando comprou seu Fissore exigiu a embreagem Saxomat depois que lhe expliquei as vantagens.
No grupo de entusiastas de DKW, que frequento, um militar da Aeronáutica reformado possui uma Vemaguet 1967, das últimas, com o equipamento e sempre comparece aos encontros orgulhosamente com sua perua sem pedal de embreagem. Mora em Brasília e vem a São Paulo sempre, e rodando.
Antes do advento das caixas robotizadas, era comum nos ralis europeus adotar embreagem automática, que era permitido pelo regulamento, com isso deixando o pé esquerdo dedicado ao freio e facilitando muito o uso simultâneo do freio e do acelerador, que os pilotos experientes executam.
Hoje as embreagens automáticas são bem mais precisas e eficientes, mas a Saxomat provou que era muito competente no seu tempo. Ainda bem que tive a ventura de conhecê-la.
BS