google.com, pub-3521758178363208, DIRECT, f08c47fec0942fa0 AUTOentusiastas Classic (2008-2014)
Pena não haver foto: carros de corrida enguiçados no circuito sendo rebocados até o box por um Jeep -- com a prova em andamento!

Foi o que vi ontem na 500 Quilômetros de Interlagos. Pensei que esse velho hábito, coisa dos anos 50 e 60, havia acabado fazia tempo, pelo perigo que representa.

BS

Sempre lemos aqui os textos apaixonados do MAO a respeito dos Porsche com motor a ar, os carrões americanos dos anos 50 e 60, Chevettes...

Podemos discordar dele em muitas coisas, mas não dá para negar que os carros mais antigos tinham uma aura que os atuais não possuem.

Mas, afinal, que aura é essa?

Talvez alguns afirmem que esses carros são fruto da tecnologia de sua época. É uma boa resposta, mas ela explica só parte dos fatos. A resposta um pouco mais completa é que esses carros são fruto não só da tecnologia, mas também da cultura do seu tempo, em suas mais variadas facetas.

A faceta cultural do design é algo muito fácil de ser percebida e entendida. Mas há outra tão importante quanto ela, mas muito menos conhecida.

Um fator que pesa muito a favor de um c campeão de exposições sobre um vira-latas é seu pedigree, que é um indicador da pureza do seu nascimento.

Carros também nascem após um longo processo de gestação nos escritórios de engenharia das fábricas, e o resultado final depende da forma e da qualidade com que seu projeto foi feito.

Este processo sofreu transformações enormes nas últimas décadas, graças ao avanço da informática.

O computador representou um salto no processo de projeto automotivo. Muitos componentes podem ser parametrizados, e a simples mudança de uns poucos parâmetros são suficientes para testar a resistência e a elasticidade desses componentes, e gerar seu desenho no final do processo. Testar várias alternativas se tornou um processo rápido, barato e muito preciso.

Porém, como todo bom engenheiro sabe, toda escolha implica em vantagens e desvantagens.

O computador ofereceu vantagens enormes ao processo de projeto dos automóveis, mas ele afastou os cérebros pensantes do resultado final da criação. Os engenheiros hoje alimentam de dados os diversos programas de cálculo, e simplesmente acatam os resultados saídos da “caixa preta”. Não interessa como a máquina chegou a aquele resultado, porque cada um tem que ser eficiente e não pode perder tempo com “frivolidades”, criticando números frios.

Antes do computador, a forma de se projetar um automóvel era muito mais imersiva para o engenheiro.

Sentados em suas pranchetas, os engenheiros pensavam cada parafuso, cada mínimo detalhe do automóvel era calculado e desenhado à mão, mas tendo a crítica de cada engenheiro correndo ao lado do processo. Incontáveis horas desenhando cada borda, calculando cada diâmetro eram acompanhadas de pensamentos de como cada detalhe entraria em harmonia com o restante do projeto. Detalhes sutis eram percebidos, discutidos e muitas vezes corrigidos ou modificados, visando alcançar o melhor.

É este senso crítico, que lapidava cada mínima aresta do projeto, que foi perdido para a crua precisão automatizada e burocrática do computador. E este pequeno detalhe fez toda diferença na forma como os carros eram projetados e como são atualmente.

Nesta época, a grande companheira dos engenheiros era a régua de cálculo, a tal ponto que sua imagem era reconhecida como um símbolo do engenheiro nos primeiros três quartos do século 20.

É muito comum ver em filmes antigos os engenheiros mexendo em réguas de cálculo como se fossem o supra-sumo da tecnologia.


O modelo mais tradicional é o reto, com duas partes fixas separadas por uma móvel, assim como um cursor deslizante.



Outro modelo, não tão popular entre os engenheiros, mas muito usada em topografia, era o de formato circular.



A fabricante de relógios Breitling há décadas enfeita seus cronógrafos de pulso com uma régua de cálculo circular. A Citizen japonesa também usa comumente a mesma solução.



Já o modelo de tambor é bastante raro. Este tipo oferece alta resolução, o que o tornava muito caro e adequado a apenas casos bastante específicos que exigiam precisão nos resultados.



A régua de cálculo, antes de mais nada, não faz contas de adição nem de subtração. Isso o engenheiro tem que fazer à mão ou por outros meios.

Uma coisa importante que o engenheiro precisa ter em mente é a questão de da ordem de grandeza. Na régua de cálculo, o procedimento é o mesmo se quisermos fazer 0,2 x 0,3 ou 20 x 300. Na régua, sempre fazemos 2 x 3, e os deslocamentos da vírgula para a direita ou para a esquerda são feitas de cabeça.

Cálculos com a régua não tem a precisão de uma calculadora. No máximo, se tira dela números com 3 dígitos significativos. Sem os devidos cuidados, uma imprecisão enorme aparece ao final de cálculos repetitivos.

Para resolver o problema, há técnicas de arredondamento, onde uma vez se arredonda o valor para cima, outra para baixo cada valor intermediário, de tal sorte a anular os desvios pela imprecisão do cálculo.

Depois de anos de prática, cada engenheiro desenvolvia sua própria técnica de arredondamento. Os mais hábeis se mantinham dentro de uma precisão aceitável, mesmo após muitos cálculos sucessivos.

Ela é baseada em princípios dos logaritmos, onde o logaritmo de produto entre dois números equivale à soma dos logaritmos destes números. Assim, substitui-se um produto por uma soma. E a divisão é feita pela diferença.

A régua trabalha com escalas logarítmicas, onde os produtos e divisões são convertidas em somas e subtrações de segmentos de escala pelo deslizamento relativo entre elas.

Toda régua de cálculo linear tem duas faces, onde diferentes escalas são impressas. Estas escalas diferiam conforme o modelo e aplicação a que se destinava.

Dependendo do uso da régua, em ambos os lados, tanto as escalas fixas como móveis possuem perfeito alinhamento, de forma que o resultado do cálculo executado de um lado pode ser transportado imediatamente para o outro lado tanto pela escala móvel como pelo cursor.

Em ambos os lados temos as escalas principais em comum, que ficam na linha de divisa de baixo entre a escala móvel e a escala fixa. Ambas as escalas são iguais e são usadas para multiplicações e divisões diretas. Uma propriedade importante das escalas principais é que a partes úteis delas sempre começam e terminam em "1".

Vou dar um pequeno exemplo de multiplicação que se entenda como ela funciona.

Imagine o cálculo 2 x 0,2. Lembrem-se que na régua irei reduzir o cálculo a 2 x 2, e lidar depois com a ordem de grandeza.

Primeiro alinhamos a escala móvel:



O primeiro número do produto é 2, então o escolhemos na escala principal fixa. Aí deslocamos a escala para alinhar o "1" de início da escala móvel para alinhar com o "2" da escala fixa.

Aí, basta deslocarmos o cursor até o valor “2” da escala móvel:



Vê-se que o segundo valor alinha-se perfeitamente com o valor "4" na escala fixa.
Daí se tira que "2 x 2" resulta em "4". No entanto, como o cálculo na verdade é "2 x 0,2", então o resultado final é "0,4".

Da mesma forma eu poderia multiplicar 529 por 6530.

Mantendo o cursor no lugar para marcar o valor intermediário e movendo novamente a escala móvel, podemos fazer produtos encadeados indefinidamente.

Num segundo exemplo, podemos dividir 70 por 0,35.
Começamos alinhando 35 e 70:



Procuramos pelo "1" na escala móvel principal e achamos o resultado:



70 dividido por 35 equivale a 2 dividido por 1. Mas como o cálculo é 70 dividido por 0,35, então o resultado passa a ser 200.

Quem quiser praticar mais, aqui tem um simulador online bastante realista.

Fácil, não? Realmente, o princípio básico é bastante elementar.

Porém todos os antigos cursos de engenharia ofereciam matérias acadêmicas para uso da régua de cálculo que duravam até dois anos. Nelas, os engenheirandos aprendiam a tirar o máximo das réguas de cálculo usando técnicas sofisticadas.



Tanta exigência tinha seus motivos. A partir do começo do curso até o final da carreira profissional, a régua de cálculo seria a companheira mais constante e fiel do engenheiro.

Em grandes empresas, haviam duas carreiras possíveis para engenheiros dentro dos setores de projetos. Além da carreira como engenheiro projetista, havia a função do engenheiro calculista.

A função do engenheiro calculista era repassar todos os cálculos feitos pelo engenheiro projetista, descritos num documento chamado “memorial de cálculo”, no qual, não só a precisão dos cálculos originais eram conferidas, como o próprio processo de cálculo e o projeto em si eram analisados, se necessário, criticados, discutidos e corrigidos.

Assim, o engenheiro calculista, além de suas habilidades em realizar os cálculos, precisava ter tanta ou mais habilidade em projeto que o engenheiro projetista, afim de que nenhum erro passasse adiante.

Outra função do engenheiro calculista era a de fazer os cálculos no lugar do engenheiro projetista, a partir de um esboço feito por ele, e o trabalho de ambos era reavaliado por um outro engenheiro calculista.

Com tantas revisões e verificações, os erros cometidos eram em grande parte eliminados ou pelo menos reduzidos ao mesmo tempo em que ideias novas podiam surgir e se desenvolver.

E com tantas mentes pensando e repensando cada mínimo detalhe de um carro, o peso do espírito humano se fazia sentir sobre a frieza da técnica pura impressos no produto acabado.

Era uma época onde engenharia era muito mais que uma ciência exata. Ela era uma forma de arte.

É evidente que a criação de um projeto nessa época era um processo lento e muito caro.
Bastou a tecnologia começar a evoluir para que os caríssimos e pouco potentes computadores da época já começassem a tomar terreno na área da engenharia.

Esta propaganda da IBM em 1952 reflete esta realidade, alegando que sua máquina tinha a mesma capacidade de cálculo que um grupo de 150 engenheiros. As vantagens alegadas são evidentes; as desvantagens, nem tanto.


Com o avanço da computação nos anos 60 e 70, muito desse longo processo de projeto foi sendo encurtado com o uso mais intenso dos computadores.

A precisão e o número de detalhes verificados em um projeto cresceu enormemente, gerando economia de processo e de materiais. Até mesmo cálculos que antes seriam inviáveis para calculistas humanos, como a previsão do comportamento da estrutura de um carro num impacto simulado, hoje estão plenamente acessíveis.

Nos anos 70, um subproduto da indústria da computação se torna popular, e crescimento explosivo da calculadora eletrônica enterrou de vez o uso da régua de cálculo na engenharia.

No presente, com a miniaturização de computadores potentes, até mesmo ela está em fase de extinção.

Hoje, um engenheiro usuário de régua de cálculo é uma espécie com passado glorioso mas em vias de extinção, e para as gerações atuais de engenheiros, ela parece um fantasma assustador.

O uso cada vez mais intenso dos computadores é um caminho sem volta. As vantagens que ele oferece são tais que não há como retornar aos métodos do passado.

Porém, muitas coisas importantes, duramente aprendidas no passado, foram sumariamente esquecidas, e agora fazem falta.

Um engenheiro maduro no uso da régua de cálculo era capaz de intuir o valor aproximado de um cálculo antes de realizá-lo. Se houvesse algum erro, este era rapidamente descoberto e corrigido.

E o longo processo de projeto, com a profunda imersão do engenheiro, dava a ele a oportunidade de avaliar, criticar, modificar, criar, inovar.

Um engenheiro atual, totalmente dependente dos equipamentos automáticos de cálculo, é completamente insensível a um possível resultado errado vindo da máquina. Se a máquina oferecer um resultado grotesco por qualquer razão, ele aceitará o resultado sem questionar.

A régua de cálculo e todo o paradigma de projeto do qual ela era parte importante, ainda tem muitas lições a ensinar aos engenheiros do presente. Lições que vão muito além do cálculo frio, e tocam o lado criativo do espírito humano.

Não são apenas os interesses comerciais mais imediatos das fábricas hoje que produzem carros insípidos, meramente transportadores de pessoas.

Os carros de hoje nascem de um processo muito diferente do processo dos carros do passado. A rapidez do computador afastou a mente criativa do engenheiro do projeto final, retirando o espírito induzido e deixando a precisão fria em seu lugar.

Para aqueles que desejarem conhecer um pouco mais da história deste instrumento de cálculo, assim como dos homens que os utilizavam, recomendo dois sites:

http://sliderulemuseum.com/ , de onde muitas das imagens aqui usadas foram retiradas;
http://reglasdecalculo.com/

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O Opala dourado cruzava a noite escura de sexta-feira, se afastando cada vez mais da capital em direção ao interior. Como sempre acontecia nas sextas-feiras, ao fim da viagem estava o descanso merecido, família para alguns, mas principalmente o milenar motor de todos os homens desde tempos imemoriais: nossas mulheres.

O escapamento aberto berrava seu brado de seis cilindros, e lá íamos nós quatro aconchegados no seu interior, semi-protegidos daquele frio lascado que fez no inverno de 1988. Andar com um Opala 250-S nos anos 80 é algo que nunca mais terei: naqueles tempos de proibição de importações, tinha a absoluta certeza de que era o mais veloz, de que nada poderia me pegar se assim quisesse. Um sentimento reconfortante de poder supremo, obtido a preços módicos em um carro “beberrão” com então oito anos de idade.

Apesar disso, andava tranquilamente, mantendo a velocidade de conforto ao redor de 120 km/h, quando topamos com um caminhão ultrapassando outro a coisa de 70 km/h, na pista de duas faixas. Diminuí a velocidade e pacientemente esperei o indivíduo completar sua letárgica manobra.

Nisso encosta atrás de mim uma picape F-1000. Já chegou dando farol alto, e não parou com eles, me incomodando muito. E o duro é que o sujeito lá na frente tirava sangue do 1113 para conseguir coisa de 3 km/h a mais que o outro 1113 na faixa da direita...aquilo ia demorar.

Depois do que me pareceram 325 horas esperando a eletrizante ultrapassagem, já tinha perdido a paciência com o sujeito da F-1000 e sua luz no meu cangote. Sendo assim, plotei minha vingança: assim que o caminhão saiu da frente, deixei a picape passar. Mas logo em seguida, liguei o farol alto e saí à caça. O mais divertido é que o dono daquela picape “cabine-dupla” novinha devia achar que ela era muito veloz, e tentou me despachar. A 130 km/h ela já não se movia mais, e o Opala empurrando...Estávamos nos matando de rir lá dentro, e quando ele finalmente desistiu e caiu para a direita, colocou a mão pra fora com um gesto obsceno, aumentando mais a gargalhada dentro do carro, ao mesmo tempo em que o berro do seis em linha se tornava mais sério e o carro se afastava rapidamente daquela letárgica cabine-dupla.

Embriagado pelo momento, e embalado pelos primeiros acordes de “Layla” por Clapton que apareceram naquele momento saindo do velho toca-fitas Bosch, aumentei a velocidade para algo em torno de 180 km/h e seguíamos felizes, tirando os carros da frente com rápidos lampejos de farol. Foi quando de novo topamos com um caminhão ultrapassando outro devagar, com um outro carro já parado atrás dele. Mas o caminhão estava terminando a ultrapassagem, então resolvi não diminuir a velocidade muito para não perder o embalo, dar uma lampejada para o carro e de novo cravar o pé assim que ele saísse da frente.

Foi quando minha lampejada de farol alto atingiu a traseira do carro, onde pude ler, na tampa de porta-malas: Mercedes-Benz 190E 2.3-16.

Pensei na hora: F(péééé)U! Toda aquela história, aquela tranquilidade de ser o mais veloz, diretamente para o ralo! O carro fez uma pequena pausa para reduzir marcha, e debaixo de um urro gutural plenamente audível, sumiu. Desapareceu, se mandou, gone! E eu estava a 180 km/h!!!

É como eu sempre digo desde então: SEMPRE há alguém mais rápido que você.

Lembrei desse caso e do Mercedes em questão quando vi uma das fotos do post recente do Paulo Keller. Olhando aquela foto do 190E com um novo classe C de 325 mil cavalos e meio, senti a mesma sensação que tive quando escrevi sobre o Carrera RS.

O 190E esportivo tinha apenas 185 cv. E mais, seu pequeno motor de apenas 2,3 litros de deslocamento só realmente parecia ter esta potência depois das 4.000 rpm, rotação desconhecida por muita gente. Nada de fogo, trovão, terremoto, mas como ilustrei na historinha acima, terrivelmente efetivo se usado da maneira correta.

O carro teve um nascimento bem mais nobre que seu irmão mais moderno também. A ideia inicial para o carro era a de uma homologação para o grupo B da FIA, com chassi encurtado e com duas portas apenas, meio como um BMW Compact. Apenas duzentas unidades teriam que ser vendidas para se homologar o carro para a competição pretendida. Sendo assim, a Daimler-Benz resolveu subcontratar o motor para a famosa Cosworth inglesa, famosa por conseguir propulsores imbatíveis em competição, o que era o objetivo principal do exercício, afinal de contas.

O motor deveria ser derivado do excelente M102 a ser utilizado no 190 “normal”. Com bloco de ferro fundido e cabeçote de alumínio, este motor básico já contava com comando de válvulas no cabeçote e câmara de combustão hemisférica, injeção Bosch mecânica K-jetronic e taxa de compressão 9:1. Com diâmetro e curso de 95,5 x 80,25, o motor de quatro cilindros em linha deslocava quase que exatamente 2,3 litros (2,299 cm³) e debitava ótimos 136 cv.

Para o motor de grupo B, a Mercedes deixou objetivos claros: esta derivação do M102 deveria produzir entre 270 e 300 cv em regulagem de rali. A Cosworth manteve o bloco Mercedes intacto (testemunho do glorioso over-engineering mercediano vigente então) mas adotou um cabeçote de 4 válvulas por cilindro e duplo comando. Os tuchos de válvulas eram do tipo copinho, mecânicos, idênticos ao Cosworth BDA, a primeira vez que tal coisa aparecia em um Mercedes. Foram inicialmente fabricados jogos de peças para seis motores, que foram enviados para Stuttgart para testes, onde na sua primeira “puxada" no dinamômetro registrou 267 cv. O respeito dos alemães para com a Cosworth foi imediatamente selado.

Mas logo a Daimler-Benz notava que, devido a revolução 4x4 a ser lançada pela Audi (fartamente comentada ontem nesse blog), sua futura arma de rali não seria competitiva, e acabou por congelar o projeto.

Mas uma ideia brilhante apareceu então: por que não usar este motor para uma versão esportiva do 190E? A BMW vinha fazendo fama com carros cada vez mais jovens e esportivos, e este fato não escapava da percepção de Stuttgart. A Cosworth recebeu a tarefa de reprojetar o motor para uso civil, e mais: fabricar o cabeçote completo e entregá-lo montadinho na fábrica de Unterturkheim.

Para lançar o carro, a Mercedes, que acabara de bater vários recordes de velocidade em longa distância com motores Diesel em um C111 modificado, resolveu levar o carro também para a pista de Nardo na Itália e chamar a atenção do mundo para seu novo carro.

O 190E, que já tinha excepcional aerodinâmica, recebeu algumas sutis modificações para atingir o Cx de apenas 0,29, e uma relação final de transmissão longuíssima, tudo para conseguir-se mais velocidade. Em 13 da agosto de 1983, três carros de pré-produção assim modificados iniciaram a prova em Nardo. A prova transcorreu sem percalços, até que, oito dias depois, os carros pararam. Nada menos que 12 recordes mundiais tinham sido batidos, dentre eles o objetivo final: 50.000 km, percorridos à média de 247,9 km/h.


Depois da prova, os motores foram desmontados para inspeção, e para a surpresa de todos estavam impecáveis, sem necessitar uma regulagem sequer para continuar rodando.

Outra grande sacada publicitária do lançamento do carro foi uma corrida realizada em maio de 1984, antes da prova de Fórmula 1 em Nürburgring. Nela, vários pilotos de F-1 foram colocados em 2.3-16 idênticos. Entre os pilotos havia gente como Lauda, Prost, Moss e Hill, mas o vencedor foi um jovem piloto do Brasil chamado Ayrton...



Lançado oficialmente em Frankfurt ’83, o carro que finalmente foi oferecido ao público era sensacional: o motor rendia 185 cv a 6.000 rpm,e girava até 7500. A excelente suspensão traseira multibraço do 190E era mantida, e era oferecido apenas com câmbio de cinco marchas Getrag manual, com a primeira abaixo da ré, em posição conhecida como dog-leg. Diferencial autoblocante, rodas de aro 15 com pneus Pirelli P6, tanque de 70 litros (55 no 190E), uma distribuição de peso excelente (53%/47% dianteia/traseira), e um sistema hidráulico que mantinha a suspensão traseira sempre na mesma altura independentemente da carga, eram algumas das características técnicas que fizeram entusiastas se inquietar no Salão de Frankfurt. O banco traseiro era único: tinha laterais pronunciadas como os dianteiros, mostrando a seriedade de seus intentos.


Era capaz de acelerar de 0 a 100 km/h em 7,5 segundos e chegar a uma velocidade máxima de 235 km/h. A famosa revista alemã Auto, Motor und Sport não pôde deixar de notar que os números eram praticamente idênticos a outro Mercedes esportivo testado pela revista quase 30 anos antes: o famoso 300 SL “asa de gaivota”. Um quatro-cilindros de respeito, realmente.


E para mim era um carro único. Partindo do sério 190E, que havia sido criado como um Mercedes tradicional, ganhava sutil personalidade esportiva. Como um senhor sério e responsável que quase nunca tira o terno, mas se revela um boxeador violento nas horas vagas, o 190 esportivo só revelava seus músculos quando provocado. Não mostrava imediatamente sua força ao primeiro toque do acelerador, e sim após um longo mas veloz passeio por estradas sinuosas. Devia ser tocado com vontade para mostrar porque o seu dono pagara 30% mais do que um reles 190E. Um carro com o propósito único, o de ser dirigido à moda, com vontade, sempre.

Acabou tendo grande sucesso em competições do DTM (Campeonato Alemão de Carros de Turismo), onde enfrentaria seu nêmese, o primeiro BMW M3. Por causa das regras desta categoria, teve seu motor aumentado para 2,5 litros e 205 cv (195 com catalisador) em 1988, por meio de aumento de curso.

Com a escalada das competições do DTM, em 1989, a Mercedes começava a transformar seu discreto esportivo em um monstro para homologação: aparecia o Evolution I, com novos apêndices aerodinâmicos e um motor que, apesar de deslocar ainda 2,5 litros e debitar 195 cv, era totalmente diferente: visando um aumento de rotação máxima em competição, o bloco tinha sido alterado para que o diâmetro dos cilindros fosse maior que o curso dos pistões.



Esta evolução culminaria em 1990 com o Evo II. Um verdadeiro batmóvel schwabe, o Evo II tinha uma asa traseira tão ultrajante que provocou a seguinte frase de Wolfgang Reitzle, então chefe de pesquisa na BMW (e que acabou fazendo Aston Martins depois que a empresa “morreu” em 1989) : “As leis da aerodinâmica devem ser diferentes entre Stuttgart e Munique. Se isto funcionar, vamos ter que refazer o túnel de vento da BMW.”



É preciso dizer que funcionou ótimamente bem, e a Mercedes venceu a temporada de 1990 do DTM? Reitzle deve ter passado um bom tempo longe de Stuttgart...

Esta última evolução do 190 esportivo tinha suspensão de altura regulável, rodas Speedline de 17 polegadas, e 235 cv. Eu sei que pelo menos um deles veio ao Brasil, pois vi um exposto em um encontro de carros antigos em Minas Gerais algum tempo atrás.



Para mim o 190E 2.3-16 e seus sucessores ainda são os melhores Mercedes esportivos já criados. Rápidos o suficiente para causarem mortes gloriosas, mas carros que precisam ser dirigidos por entusiastas para mostrar sua real face: a de um grande companheiro para quem gosta e sabe andar rápido, sempre.

E tal coisa só pode ser conseguida através de competição. Sem esta pureza de foco, um monstro de 325 mil cavalos como esse novo classe C nunca causará a satisfação que se consegue fazendo este carrinho de apenas 185 cv andar como se deve.

E quem apareceu para o mundo rodando 50 mil quilômetros a mais de 240 km/h, todo sujo e com as rodas pretas de fuligem de freio, sempre terá mais crédito comigo se comparado a outro que apenas foi lançado em um hotel de luxo cheio de escribas, com sua pintura brilhante e suas enormes rodas polidas por três dias seguidos.

MAO

Não sei quanto a vocês, mas meu final de semana começou muito bem: nessa sexta-feira o Juvenal Jorge fez o favor de nos perturbar falando do Audi Quattro e o Bob Sharp deu o tiro de misericórdia, nos contando que foi Ferdinand Piëch quem deu a ordem a seus colaboradores diretos para que o Quattro fosse concretizado.

Mas quem eram esses colaboradores? E como foi que eles criaram o sistema Quattro?

Os principais nomes a serem citados são os de Jorg Berzinger e Fritz Naumann. O primeiro começou sua carreira na Porsche, com passagens pela BMW e Mercedes-Benz, enquanto que o segundo tinha em seu currículo o desenvolvimento do fantástico Mercedes C111. Sem sombra de dúvida, Piëch estava bem assessorado por uma equipe competente.

Um dos requisitos de Piëch era a simplicidade mecânica. Até então, todas os projetos de tração integral (como o Jensen e o Mustang Ferguson) adotavam uma caixa de transferência muito semelhante a tudo o que havia sido criado até então para veículos fora-de-estrada. Trata-se de um sistema que funciona muito bem em aplicações específicas (
part time), mas deixa muito a desejar em aplicações full time.

A simplicidade mecânica desejada por Piëch ajudaria a diminuir o peso final (eliminando a ineficiente caixa de transferência), baixava os custos de produção e aumentava a longevidade do sistema. Afinal de contas, peça que não existe é peça que não quebra.

Foi então que a competente equipe decidiu criar uma tomada de força para a parte posterior da transmissão, modificando a árvore secundária do transeixo. Esta passou a ser oca, de maneira a acionar a carcaça do diferencial central com a parte externa e abrigar, em seu interior, o pinhão do diferencial dianteiro, como pode ser visto no vídeo abaixo:



Na prática, adicionou-se o menor número possível de componentes ao transeixo do Audi 80, curiosamente o mesmo utilizado até a presente data nos VW Parati e Saveiro. Criada a tomada de força, bastou substituir a suspensão traseira por eixo de torção pelo sistema McPherson, já amplamente utilizado tanto pela VW quanto pela Audi. Uma solução barata e eficiente: o projeto todo levou pouco mais de três anos do primeiro protótipo, construído em 1977, até a versão definitiva do Audi Quattro, apresentada no Salão de Genebra de 1980

Mais simples do que isso, impossível.

FB