google.com, pub-3521758178363208, DIRECT, f08c47fec0942fa0 AUTOentusiastas Classic (2008-2014)

Amor. Estranhamente, esse sentimento nosso por automóveis, claramente compartilhado por leitores e colunistas do AUTOentusiastas, não é uma palavra muito escrita por aqui. Stranger still é o fato de que possamos amar algo que não nos ama de volta. Ou nos ama?

Já escrevi algumas palavras aqui do meu daily-driver. Não ligo muito para ele, é só um meio eficiente e confortável de chegar ao trabalho. Há um ano na minha garagem, acho que só calibrei os pneus umas 3 ou 4 vezes, não faço idéia de onde fica a vareta de óleo, lavo-o uma vez a cada 3 meses (calma, não sou tão porco, o interior é mantido limpo!) e a única coisa que faço para ele é alimentá-lo com boa gasolina. Nada entusiástico sobre ele.

Vejam, isso é uma resposta auto-condicionada minha. Já me apaixonei por daily-drivers antes. Bom, na verdade, tentei transformar paixões em daily-drivers. Custou caro. Dores de cabeça frequentes. Preocupações diversas e coisas e tal, mas can you blame me? Quem nunca raciocinou tentanto por lógica na idéia de usar um hot rod francês no dia-a-dia? Afinal, o que são 70 km diários de trânsito e uns buracos? Fato é que cresci, passei dessa fase, e comprei algo comum. Com alguns luxos e certo potencial (boa relação peso-potência, freio a disco nas 4 rodas, e coisa e tal...), mas algo comum. Ferchristsake, eu comprei-o de uma prima minha!!! Chick-car, I know. O que é uma coisa boa, eu não poderia querer inventar nada com algo comum assim.

Mas depois de um ano, aquilo que nunca foi uma paixão tornou-se um amor. Daqueles duráveis, estáveis, confortáveis. Viajei no final de semana, viagenzinha romântica, com a namorada, para um hotelzinho encravado no topo de uma montanha silenciosa no interior de MG, feita a dois, uma comemoração. Perfeito para ir com a Alfa, ou descolar um conversivelzinho. Mas fui com o daily-driver, para viajar bem tranquilo. De novo, nem calibrei os pneus. Enchi o tanque, o porta-malas e fui. Estradas perfeitas (Ayrton Senna, Dutra), estradas nem tão perfeitas (BR-354) e estrada inexistente (uma estradinha sem nome que cruza o Parque Nacional de Itatiaia). O final de semana perfeito foi coroado com a viagem de volta. Na busca de um atalho, confiei no GPS e segui pela estrada que cruza o Parque Nacional. Inacreditável. Asfalto quase inexistente, buracos imensos, pedras, lama, valas, tudo. E o danado lá, me levando e pedindo mais. Desisti a uns 2.200 m de altitude, quando as pedras se tornaram maiores que os pneus do carro e retornei, descendo uns 10 ou 15 km de estrada esburacada e sem calçamento, em alta (60+km/h) velocidade, num rallye pessoal.

Depois, voltando à BR-354, desci a deliciosa estrada como se não houvesse amanhã, without breaking a sweat. Turn-in imediato, frente colada, sem empurrar, traseira pendurando na medida certa, equilíbrio perfeito. Irregularidades na pista, mesmo em curvas, eram muito bem controladas. Feedback do volante perfeito, em sintonia com tudo. Perfeito. E para coroar, 6,8 l/100 km de consumo. E eu nunca fiz nada por ele. Nunca. Só gasolina. E troquei o óleo uma vez! Makes you think, esse carrinho deve ter algo de especial.

Sim, piegas. Mas acredito que pela primeira vez retribuo o amor de um carro, ao contrário de esperar por retribuição. E com um carro normal!


Será a alma que todo carro tem? Anyway, o ponto é: posso responder o comercial abaixo do belo Caddy CTS.



Sim, ele retribui.
Essa frase em francês é para parodiar o grande Silveira Sampaio, inaugurador dos talk shows no Brasil, na aurora da TV brasileira, comecinho dos anos 50.

Ele dizia, com uma mistura de sarcasmo e bom-humor, “Au pays des Cadillacs”, tamanha a quantidade desses carros desfilando pelas ruas do Rio de Janeiro em meio a uma crise cambial das mais sérias.

Usurpo a construção de Silveira Sampaio apenas para enfatizar que o Brasil é o país do pisca-pisca – ou pisca, ou indicador de direção, como quiserem chamar o clignotant. Só sei que a coisa piora a cada dia.


Hoje fiz uma visita a um amigo, que diga-se de passagem, estava devendo há tempos. Nos encontramos em sua garagem, um lugar muito agradável e ótimo para passar horas conversando. Um pouco antes de sairmos para almoçar, dei uma voltinha por entre os carros, mas fiquei por uns instantes olhando um velho conhecido, um Allard-Cadillac que pertenceu nos anos 50 ao piloto Ciro Cayres.

Logo me veio à mente a primeira vez que andei neste carro. Aliás, a primeira vez que andei em um carro de corrida e, consequentemente, a primeira vez que andei com um carro de corrida em Interlagos. E que carro! Com ele, Cayres venceu algumas provas. Foi em 2004, quando organizaram umas voltas de carros antigos na pista, antes da largada de uma corrida de endurance.

Este meu amigo estava lá, com o Allard apontado para entrar na pista, por sinal, molhada pela garoa que não parava desde cedo, típica, e eu estava fotografando os carros entrando na pista.

- Quer ir junto?? Liberaram um carona por carro!

Mas que pergunta, Robin! Entrei no carro sem pensar duas vezes. Acho que minha cara de alegria já mostrava o quão agradecido eu estava com a oportunidade. Andar em um carro com o histórico do Allard, e ainda junto com outros carros de corrida antigos pelo traçado de Interlagos, era quase inacreditável.

Entramos seguindo o comboio. Descemos o "S" do Senna conversando como era legal o que estávamos fazendo (era a primeira volta dele no Allard em Interlagos também), seguimos pela reta oposta, subida do Laranjinha, acompanhando um grupo com um Gordini, um Porsche e um Puma de corrida. No Mergulho, reparei que meu amigo estava mais quieto.

- Você está pensando que tem que andar devagar, já que está levando um carona, ?
- Não se importa de andarmos rápido? A pista lisa e chovendo, tudo bem??
- Se fosse pra andar devagar eu não estaria com você nesse carro!

A conversa acabou ali, naquele instante. E começou um dos momentos mais marcantes para mim, estar em um carro de corrida dos anos 50 no autódromo com tantas histórias. Sou de uma geração mais nova, não vivi os "anos dourados" do nosso automobilismo, mas li muito e ouvi muitas histórias de quem viveu, e já era o suficiente para entender e sentir o que estava acontecendo.

Com a pista molhada, o V-8 Cadillac tinha que ser conduzido com muito cuidado, pois ao menor excesso de força no pedal, as rodas destracionavam, até mesmo na reta. Como o carro tinha ficado sem andar por um tempo, os dois carburadores não estavam na melhor forma, então em baixas rotações o carro engasgava, mas depois que limpava a garganta, o urro era de arrepiar, acelerando rapidamente até a faixa vermelha do conta-giros e pedindo mais uma marcha. O vento e a chuva no rosto não eram problema, eram parte da experiência. Controlar o carro não estava sendo uma tarefa fácil, estava realmente liso o asfalto. Nas retas passamos por diversos carros menos potentes, como se o Allard não tomasse conhecimento. Parece que a primeira volta fez bem para os carburadores, pois o carro já acelerava cada vez mais forte, como se estivesse acordando de volta à vida depois de muitos anos.

Depois de quatro voltas, voltamos para os boxes. Não era necessário falar nada de um para o outro. Por alguns minutos, entendi claramente por que todas as histórias de Interlagos de antigamente soavam tão bem. Infelizmente não foi pelo traçado antigo, não passamos pelas Curvas Um e Dois, não passamos pelo Sargento, mas estávamos em um carro que passara, muitas e muitas vezes, por aqueles pontos.

Isso nunca vou esquecer.

O Luiz Dränger é um velho amigo, só oito anos mais novo do que eu e um tremendo de um entusiasta de automóveis.

Em 1974, após terminar a faculdade (FEI, engenharia mecânica automobilística), foi fazer um curso de pós-graduação na Inglaterra. Lá ele comprou um Fusca 1600 amarelo, com para-brisa curvo e McPherson na frente (o 1303) e se deu muito bem com volante do lado direito.

Ficou em Londres quase um ano e como morava em Brighton (95 km ao sul de Londres) ia de trem à capital e deixava o Fusca guardado. Economia de Primeiro Mundo. Nos finais de semana, se não houvesse o que fazer em Londres, ia até Amsterdã de Fusca, uma viagem de 600 km. Às vezes parava em Bruxelas, no meio do caminho. Não era fácil com 24 anos de idade viver sozinho no exterior.

Precisava de novas emoções e como era ligado ao automobilismo, pesquisava tudo e, escondido do pai e fazendo malabarismos com a pouca grana que tinha, se inscreveu em um curso de pilotagem de monopostos F-Ford na escola do Jim Russell. Os finais de semana eram chatos e ele procurava uma atividade.

O curso foi básico, saiu-se médio na turma, nem o melhor nem o pior piloto.