Hoje fiz uma visita a um amigo, que diga-se de passagem, estava devendo há tempos. Nos encontramos em sua garagem, um lugar muito agradável e
ótimo para passar horas conversando. Um pouco antes de sairmos para almoçar, dei uma
voltinha por entre os carros, mas fiquei por uns instantes olhando um velho conhecido, um
Allard-
Cadillac que pertenceu nos anos 50 ao piloto
Ciro Cayres.
Logo me veio à mente a primeira vez que andei neste carro. Aliás, a primeira vez que andei em um carro de corrida e, consequentemente, a primeira vez que andei com um carro de corrida em
Interlagos. E que carro! Com ele,
Cayres venceu algumas provas. Foi em 2004, quando organizaram umas voltas de carros antigos na pista, antes da largada de uma corrida de
endurance.
Este meu amigo estava lá, com o
Allard apontado para entrar na pista, por sinal, molhada pela
garoa que não parava desde cedo, típica, e eu estava fotografando os carros entrando na pista.
- Quer ir junto?? Liberaram um
carona por carro!
Mas que pergunta,
Robin! Entrei no carro sem pensar duas vezes. Acho que minha cara de alegria já mostrava o quão agradecido eu estava com a oportunidade. Andar em um carro com o histórico do
Allard, e ainda junto com outros carros de corrida antigos pelo traçado de
Interlagos, era quase inacreditável.
Entramos seguindo o comboio. Descemos o "S" do
Senna conversando como era legal o que estávamos fazendo (era a primeira volta dele no
Allard em
Interlagos também), seguimos pela
reta oposta, subida do Laranjinha, acompanhando um grupo com um
Gordini, um
Porsche e um Puma de corrida. No Mergulho, reparei que meu amigo estava mais quieto.
- Você está pensando que tem que andar devagar, já que está levando um
carona,
né?
- Não se importa de andarmos rápido? A pista
tá lisa e
tá chovendo, tudo bem??
- Se fosse
pra andar devagar eu não estaria com você nesse carro!
A conversa acabou ali, naquele instante. E começou um dos momentos mais marcantes para mim, estar em um carro de corrida dos anos 50 no autódromo com tantas histórias. Sou de uma geração mais nova, não vivi os "anos dourados" do nosso automobilismo, mas li muito e ouvi muitas histórias de quem viveu, e já era o suficiente para entender e sentir o que estava acontecendo.
Com a pista molhada, o V-8
Cadillac tinha que ser conduzido com muito cuidado, pois ao menor excesso de força no pedal, as rodas
destracionavam, até mesmo na
reta. Como o carro tinha ficado sem andar por um tempo, os dois carburadores não estavam na melhor forma, então em baixas rotações o carro engasgava, mas depois que limpava a garganta, o urro era de arrepiar, acelerando rapidamente até a faixa vermelha do conta-giros e pedindo mais uma marcha. O vento e a chuva no rosto não eram problema, eram parte da experiência. Controlar o carro não estava sendo uma tarefa fácil, estava realmente liso o asfalto. Nas
retas passamos por diversos carros menos potentes, como se o
Allard não tomasse conhecimento. Parece que a primeira volta fez bem para os carburadores, pois o carro já acelerava cada vez mais forte, como se estivesse acordando de volta à vida depois de muitos anos.
Depois de quatro voltas, voltamos para os
boxes. Não era necessário falar nada de um para o outro. Por alguns minutos, entendi claramente por que todas as histórias de
Interlagos de antigamente soavam tão bem. Infelizmente não foi pelo traçado antigo, não passamos pelas Curvas Um e Dois, não passamos pelo Sargento, mas estávamos em um carro que passara, muitas e muitas vezes, por aqueles pontos.
Isso nunca vou esquecer.