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De Tomaso Pantera (foto Rafael Tedesco/AE) |
Então ali estava eu. Meus joelhos mais altos que o pequeno painel de instrumentos, minha cabeça tocando o teto, minha mão direita segurando o puxador de porta como se fosse uma corda que me impedia de cair para a morte certa. Tive medo de arrancar o danado do puxador de suas velhas fixações turinenses, mas apenas por uma fração de segundo, porque tinha medos muito maiores para me preocupar naquele momento específico...
Atrás do meu cotovelo esquerdo, ali a milímetros da minha busanfa, praticamente dentro do habitáculo, um enorme, vocal, forte, onipresente 351 Cleveland urrava a plenos pulmões. E não era só um barulho inócuo como o de um Gol com escape aberto, não, era algo sério e apavorante, que não apenas se ouvia, mas se sentia, como se vibrasse em ressonância cada fibra de meu ser, um avassalador berro gutural acompanhado de um empurrão incrivelmente forte e sem fim, mesmo subindo a serra. Sim, estávamos numa serra, cheia de curvas fechadas, e aquele saudável monstro atrás de meu cotovelo empurrava um carro leve com nada menos que 40 anos de idade, rumo à primeira de uma série de curvas fechadas. E meninos, eu estava apavorado...
Na frente do painel curto, e muito perto da minha cara, estava o pára-brisa. Depois dele o carro acabava quase que imediatamente. Podia ver o chão ali, pertinho, muito, mas muito perto mesmo. Perto demais. Eu não conhecia o carro ainda, e nem como dirigia o Renato, o dono e piloto. Pensava apenas que se ele tirasse o pé muito dentro da curva, o momento polar de inércia alto nos jogaria num sobresterço dificílimo de controlar, e cairíamos no precipício capotando “de bunda”. Se freasse antes e desse motor, achei que os enormes pneus traseiros se juntariam a massa e a fantástica força do Cleveland para deixar a dianteira leve o suficiente para um substerço monumental, fazendo-nos cair no precipício de frente, numa imensa bola de fogo visível de fora do globo terrestre. Certeza eu só tinha uma: eu ia morrer uma morte espetacular e cinematográfica, e aparecer em todos os jornais do dia seguinte. Vi São Pedro puxando minha ficha num armário dourado, vi sua cara de desaprovação com o que estava escrito lá. Pensei na hora que se eu morresse me divertindo a 500 km de casa, minha esposa ia me matar. Ia ser o primeiro sujeito a morrer duas vezes no mesmo dia!
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Foto: Rafael Tedesco/AE |
Mas meus medos se mostraram infundados. Perto da curva o Renato habilmente reduziu uma marcha igualando as rotações, entrou dando motor na curva (o tradicional método para motor traseiro), e o carro apenas a contornou sem drama algum. Rápido, sim, rápido pacas, mas ainda assim sem sustos ou vícios. Quase nem cantou pneu, apenas assentou e contornou a curva, dócil feito um carneirinho felpudo. Não vou dizer que relaxei a partir dali, porque a velocidade não permitia que nenhuma parte de minha anatomia relaxasse, pois o resultado disso seria catastroficamente escatológico. Mas pelo menos passou pela minha cabeça uma pequena possibilidade de que, talvez, quem sabe, existisse uma chance de permanecer vivo para ver outro dia.