google.com, pub-3521758178363208, DIRECT, f08c47fec0942fa0 AUTOentusiastas Classic (2008-2014)

É o que mais escutamos quando presenciamos um acidente de trânsito, e dos dois lados sempre, ou seja, dificilmente alguém assume que fez besteira. Mas o que considero mais grave é a importância que dão à questão da culpa, esquecendo que tem muita gente boa lá no céu que não teve culpa nenhuma no acidente que a vitimou.

Outro dia mesmo expus meu ponto de vista para minha esposa logo após passarmos por um cruzamento do nosso bairro e ela ter comentado: - Ah, a preferencial é nossa, se o ônibus batesse na gente a culpa seria dele. Tudo bem, mas se o ônibus batesse na gente com uma certa velocidade, pode ser que não estivéssemos mais aqui para discutir a questão da culpa. Moramos num bairro predominantemente residencial aqui no Rio, as ruas tem pouco movimento e justamente por isso, os irresponsáveis motoristas da linha 422 descem a transversal à toda velocidade e chegam ao tal cruzamento em velocidade que talvez não consigam parar se vier um carro pela principal, isso quando não roletam o cruzamento mesmo e pegam alguém. Adianta nessa hora estar com a razão? Argumentos tipo "a preferencial é minha", "o sinal estava verde para mim" são legítimos, mas não desfazem acidentes. O tal cruzamento ostenta o aviso "cruzamento perigoso", como se houvesse cruzamento sem perigo algum, como sempre lembra o Bob. Odeio quebra-molas, mas porque nesse ponto, onde esse tipo de obstáculo seria de grande utilidade, não colocam um?

Esse tipo de situação é mais comum do que se pensa. Na garagem aqui do prédio existem sinaleiras que, em tese, deveriam coordenar o uso da rampa. Se está verde para quem vai descer, fica vermelho para quem vai subir. Na prática não é o que acontece, pois há 3 acionamentos, um na entrada da garagem, um no G2 e um no G3. Já presenciei situações de estar verde em cima e em baixo. Há espelhos convexos no G2, para auxiliar a visão da rampa, que é em curva.

Pois bem, outro dia eu subia a rampa e quase bato no carro de um vizinho, que freou forte quando saía do G2 para descer a rampa. Fui para o G3 e qual minha surpresa quando o tal vizinho veio tomar satisfações, resmungando que o carro estava com crianças, que eu quase causei um acidente. Ora, por algum motivo estava verde quando subi e ficou verde para ele também, pois com certeza acionei a sinaleira antes dele, dado o ponto onde nos encontramos. Mas não seria muito mais racional, sabendo que a sinaleira não é de todo confiável, chegar à rampa, parar, olhar no espelho convexo para ver se alguém vem de baixo ou do G3, e até dar uma buzinadinha? Fazendo isso, a chance de acidente ou sustos vai tender a zero, mas ao invés disso as pessoas preferem olhar o verde, meter a cara, e no caso de acidente (sem gravidade) encher o peito e dizer "a culpa é sua!"


O meu primo Arnaldo é relamente um cara bacana e tem uma desenvoltura invejável para fazer amizades e dirigir qualquer carro que apareça. Nesses últimos dois anos temos passado muito mais tempo juntos. Com isso eu também pude andar e fotografar muitos carros interessantes.

O cara é ponta firme e muito generoso. Gosta de ensinar tudo o que sabe. É uma pessoa culta entende de literatura e arte. Tem um senso estético muito apurado e às vezes vê cenas que eu não vejo, e assim me ajuda muito a compor algumas fotos.


Essa contra-luz foi ideia do Arnaldo

Fotógrafo é o cara que enche o saco de todo mundo que quer dirigir os carros ao invés de ficar manobrando pra lá e pra cá, ajeitando o carro para a foto. Eu não gosto de ficar pedindo ajuda para isso, mas a paciência do Arnaldo é interminável.

Também aprendo como guiar os carros. Ele tem um senso de pilotagem muito apurado. É como se conversasse com os carros. Ele lida com os carros do mesmo jeito que lida com os cavalos de sua fazenda. Como ele tem um quê de artista outro dia concluí que ele seria algo entre o Robert Redford (no filme "O encantador de cavalos" e o Steve McQueen (no filme "Le Mans").


Falando com os amigos


Um "artista"

Já andamos de Ford T 1926, que não me atrevi a tentar dirigir e Fiat 509A 1927, os mais antigos que me lembro. E também de Kougar, Jaguar C-Type, Willys Interlagos, Porsche 911S, Dodge Challenger, vários Corvettes, Motiva Raptor (do Polati), GT40 Americar, Audi R8 e muitos outros. Com certeza eu não conheceria metade desses carros se não fosse ele.

Os textos dele também são sempre surpreendentes. Sua capacidade de narrar uma cena ou situação com riqueza nos coloca lá dentro da cena. Vejam esse trecho abaixo sobre o XK120:

"Em poucos segundos a máquina lhes passa rente aos pés... sschhwuuuff!...; alguns chapéus voam, abas de casacos se espadanam com o vento, e os cronômetros são cravados marcando 132 milhas por hora (212,4 km/h) – 12 a mais que as 120 milhas/h que a Jaguar garantira. Expressões de espanto e vivas de alegria; o XK 120 era o mais veloz carro produzido em série. "

Aí ele consegue como ninguém juntar a história dos carros com suas impressões e avaliações.


"Os outros carros são meras presas em debandada"

Goethe disse certa vez: "diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és. Saiba eu com que te ocupas e saberei também no que te poderás tornar”.

Por isso ando com o Arnaldo...


Seus óculos são COOL

ARNALDO EM AÇÃO



 Foto: economiabr.defesabr.com

 G. W. Bush e L.I. L. da Silva
O João do Amaral Gurgel (1926-2009), contumaz crítico do etanol como combustível, gostava de parafrasear a frase da (formiga) saúva, "ou o Brasil acaba com o álcool, ou o álcool acaba com o Brasil". Tinha razão.
De fato, termos um combustível para carros a motor ciclo Otto que depende de mistura de dois combustíveis, e de origens distintas, só pode dar confusão.
Imaginemos um quadro de preços estáveis. Aí o etanol sobe, e como a gasolina tem 25% de etanol (20% temporariamente), a gasolina também sobe.
Vem então o governo e decide baixar o porcentual de etanol anidro na gasolina e com isso as usinas poderem fornecer mais etanol hidratado ao mercado. com a vistas a baixar o preço do etanol nos postos. pelo aumento da oferta. Resultado: diminui a participação do combustível mais barato e o mais caro tem, de forçosamente, subir de preço.
Fora que o etanol é produto agrícola, sazonal e sujeito a chuvas e trovoadas, cujo plantio da matéria-prima -- a cana de açúcar -- varia. Tem ano que tem mais, tem ano que tem menos -- este.
E fora também as malditas queimadas da palha da cana, que empesteiam o interior de uma maneira tal que suja roupa até no varal. O governo paulista diz que isso acaba em 2014. São, Tomé, ver para crer.
O Gurgel tava mais é certo!
BS

Quando o Maserati lançou seu Bora de motor central em 1971, todo mundo achou que ela estava apenas seguindo a moda vigente. Afinal de contas, a jovem Lamborghini causara sensação em 1966 com seu arrebatador Miura (abaixo), causando uma verdadeira febre de motor central. Era o assunto da época, e de uma hora para outra quem não tinha um supercarro com esta configuração era ultrapassado.

A Ferrari meteria os pés pelas mãos nessa onda, quando decidiu que além do motor central, seu mais veloz supercarro teria um doze cilindros contraposto, como os seus carros de Fórmula 1. Um contraposto é sempre uma excelente escolha porque o seu centro de gravidade é baixo, principalmente quando montado perto das rodas motrizes, como faz a Subaru e a Porsche, em extremidades opostas do carro. Mas a Ferrari, para manter o comprimento do seu carro em níveis aceitáveis, e um ponto H do motorista perto do solo, resolveu montar o motor EM CIMA do eixo traseiro e sua transmissão. O carro resultante, o Berlineta Boxer (inicialmente 365 GT4 BB, abaixo, depois 512BB), na verdade, como parte do motor está em cima do eixo, não tem motor central, e sim motor traseiro. Não traseiro como um Fusca ou 911, todo pendurado para trás do eixo, mas traseiro. E alto, ficando em cima do câmbio, eliminando a grande vantagem do motor contraposto. Os Ferraristas tiveram que conviver com esta configuração teoricamente ridícula (mas muito bem executada; as BB são carros decentes) até a morte da F512M em 1996, quando a Ferrari voltou a configuração anterior, com o magnífico 550 Maranello, que era em layout o mesmo carro que o 365 GTB/4 "Daytona" (corrente de 1968 a 1973), carro que foi substituido justamente pelo primeiro Berlinetta Boxer... Uma clara declaração de equívoco, se puder dar minha opinião.


Na verdade, tanto o Berlinetta Boxer quanto o mítico Miura eram maravilhosos carros esporte, mas ambos não eram um exemplo técnico a ser seguido. O Miura tinha problemas aerodinâmicos e de ergonomia sérios. E tanto ele como o Boxer tinham espaço zero para bagagens.
Espaço para as bagagens pode parecer irrelevante em carros deste tipo para muita gente. De fato, até hoje vemos carros perfeitos tanto em técnica como execução como o Audi R8 e o Ferrari Modena, sem nenhum espaço para bagagem de verdade. Para quem defende a irrelevância disso, o carro é para passeios curtos apenas, ou o dono tem um outro carro, dirigido por outra pessoa, para acompanhá-lo com as bagagens. Lembro de uma cena do filme "Homem de Ferro", em que o milionário Tony Stark vai até o aeroporto em seu R8, mas seguido do motorista, carregando as malas no Rolls-Royce.
Eu acho triste este tipo de coisa, porque acredito que viajar de automóvel é uma das melhores coisas que se pode fazer no mundo. Dirigir um carro como o R8, sozinho, em uma longa viagem deve ser um prazer que não deveria ser negado. E o fato de existir alguém me seguindo, com minhas malas, não sei, perde todo o romance de estar sozinho. E se eu resolver mudar o trajeto? E se resolver chegar no dia seguinte e passear por outro lugar? O motorista estaria acessível pelo celular, lógico, mas a idéia toda de se viajar sozinho (ou mesmo com a companheira) fica meio sem aquele "quê" de aventura e de liberdade absoluta, aquela simplicidade em decidir, aquele mundo simples de você, seu carro e a estrada. Nada é mais deliciosamente simples do que isso, e deixar de carregar seus itens básicos de vestuário no seu próprio carro nos leva de novo a planejamentos, telefonemas, cálculos de tempo, planos... Melhor deixar o R8 em casa e ir de Rolls mesmo.
E é triste porque faz o carro falhar no básico; se ele carrega duas pessoas apenas, pelo menos deve levar sua bagagem. Mas muitas vezes, carros deste tipo são comprados não porque são máquinas de transportar pessoas extremamente boas, mas porque são brinquedos. Ou pior, porque são símbolos de status. Cada um compra carro pelo motivo que bem entender, mas é uma tristeza carros tão bons desperdiçados assim.
O que nos leva de novo ao Bora. Giulio Alfieri dizia que este carro, que viria ser sua última e maior criação na Maserati, não era uma concessão à moda vigente, e que ele não era o tipo de pessoa que seguia bandinhas alegres pelas ruas. Não, Alfieri dizia que o Bora era a evolução natural de seus grã-turismos, um sucessor a altura para o Ghibli, e o 5000GT antes dele, carros que seguiam o esquema básico do 3500GT de 1957, mas usando o V-8 do 450/S, como contei aqui uma semana e pouco atrás.
Desde 1968, os Orsi (donos da Maserati desde 1937), temendo um mundo automobilístico sem futuro para pequenas marcas independentes, haviam vendido a pequena fábrica para o conglomerado francês Citroën, então ainda independente e orgulhosa, e comandada por engenheiros sem medo de inovação. Alfieri se deu muito bem com esta empresa focada em engenharia e tecnologia, e assim, com uma vasta e nova prateleira de componentes e tecnologias exclusivas disponível, e um novo fôlego financeiro, começou o desenvolvimento do Bora. O carro finalmente usaria um esquema mecânico diferente daquele do 3500GT, sendo um carro completamente novo. Fora o motor, é claro, que como em todo Maserati que mereça seu tridente, era um motor de carro de corrida dos anos 50: neste caso, o V-8 usado inicialmente no 450/S.


No Bora, este motor DOHC de alumínio já descrito no post do 5000GT contava com ignição simples, o onipresente quarteto de Weber duplos, e deslocaria entre 4,7 e 4,9 litros, com potência em torno de 310 cv. Ainda moderno em concepção, era ainda assim um certo anacronismo montado no novo e moderno Maserati de motor central-traseiro, mas um anacronismo deliciosamente correto, dando uma pitada de pedigree, de berço, ao Bora. Desenvolvido e lançado quase que exatamente ao mesmo tempo que o Chevrolet V-8 small block (em 1955), este motor foi quase tão longevo quanto ele, morrendo em 1990 com o último Quattroporte III. O que é realmente bom é quase atemporal.


Este motor foi acoplado a um transeixo ZF alemão de 5 marchas, para ser montado em posição central-traseira, em  um subhassi junto com a suspensão traseira, com coxins de borracha para isolá-los da carroceria. Uma rígida carroceria monobloco em chapa estampada e tubos retangulares de aço foi criada para o carro, partindo de um design de Giugiaro (já em sua própria empresa, a ItalDesign). Nos quatro cantos do carro, suspensão independente por meio de duplo A sobreposto, e freios a disco ventilados de 9,5 polegadas (depois 11) de diâmetro, com freio de estacionamento acionando as pinças traseiras. Rodas de alumínio de desenho exclusivo recebiam pneus Michelin XWX 215/70 R15 (a Michelin era a dona da Citroën, e por tabela então da Maserati), também iguais nos quatro cantos, diferente do Boxer e do Miura, que usavam pneus maiores atrás. Toda essa simetria nas quatro rodas era resultante da ótima distribuição de peso para um carro de motor traseiro, 45% dos 1.620 kg totais em ordem de marcha na frente, e 55% atrás. Sim, o carro era muito pesado, principalmente para 1971, mas pelo menos oferecia uma rigidez estrutural sensacional em troca. Um detalhe interessante era o teto, todo em aço inox escovado!

Todo este peso afetava negativamente o desempenho, e o Bora perderia uma arrancada contra o Ferrari e o Lambo. O que não quer dizer que era lento: a primeira marcha chegava a 80 km/h em 4,5 segundos; uma troca para a segunda marcha era necessária para atingir 100 km/h, em 6,9 segundos, nas mãos do veterano piloto da marca Guerino Bertocchi. A velocidade máxima era de 270 km/h. Não tão rápido quanto um nervoso Ferrari, mas rápido o suficiente.

Jan P. Norbye, que estava presente quando Bertocchi conseguiu estes números, fala do comportamento do carro em seu livro sobre o Bora (e sua variante V-6, o Merak):
É suficiente dizer que Alfieri tinha o tempo necessário para fazer o carro corretamente, e ele gastou esse tempo. Colocou um comportamento de carro com motor dianteiro num carro de motor traseiro. Enquanto o motorista entusiasmado e inexperiente que tirar o pé numa curva na qual entrou rápido demais estará protegido, um piloto experiente poderá esterçar o carro com o acelerador sem problema algum.”

Mas onde Alfieri (com grande ajuda de Giugiaro) se excedeu mesmo foi no empacotamento do carro. Comparado com o Ghibli, o Bora tinha 254 mm a menos no comprimento (num total de 4.330 mm), distribuídos num entre-eixos 50 mm menor (rodas mais próximas das extremidades). O espaço interno era realmente generoso, mesmo para pessoas altas. Um circuito hidráulico Citroën foi utilizado no carro, usado para acionar os freios (o pedal, como um Citroën DS-19, respondia à pressão no pedal, e não ao movimento), levantar os vidros e os faróis, e o ajuste do volante e pedais, que andavam para frente e para trás. O banco, por isso, era fixo, apenas pivotado na frente para ajuste do ângulo do encosto. O banco em si era um exemplo, com bom suporte lateral e nas coxas.

Na frente do carro, um porta malas generoso tinha capacidade para duas malas enormes. A bateria ficava escondida numa gaveta, que tomava um pouco do espaço dos pés do passageiro, mas não do porta-malas. Como se isso não bastasse, existia outro porta-malas na traseira.


Hoje o Audi R8 e os Ferraris usam a traseira envidraçada como uma vitrine para o motor; até iluminação existe lá atrás (algo extremamente cool, admito) para mostrar o treco. O Bora podia muito bem exibir o seu belíssimo V-8 de corrida, mas ao invés disso era coberto por uma tampa acarpetada. Cabia mais um bocado de coisa lá atrás. Atrás do motor, também coberto pela tampa, estava o estepe.

Num carro relativamente pequeno e com motor central, Alfieri fez um carro de verdade, para viagens longas e duas pessoas. E malas! De novo, como todos os Maserati de rua de Alfieri, um GT por definição. Um carro usável, com comportamento benigno, e mais civilizado do que Ferraris (embora mais lento em acelerações), e ainda por cima com espaço para bagagens. O Bora tinha tudo para ser um sucesso, mas como o que todos esperam de um supercarro italiano na verdade é um brinquedo extravagante, acaba sempre sendo lembrado como menos apaixonante que seus rivais.


Um supercarro civilizado e usável é uma das coisas que faz o 911 eterno. Mas a Maserati dos anos 70 não era como a Porsche: o carro era mal construído, e lendo os testes das revistas de época, é simplesmente inacreditável a quantidade de coisas que davam erradas em carros novinhos!

Se o Bora fosse confiável como um Mercedes, talvez a história fosse outra. Mas na verdade seu destino estava selado por realidades maiores: a Citroën faliu e foi comprada pela Peugeot. A Maserati então, sem dono, faliu também, e graças a ajuda do governo italiano, sobreviveu nas mãos do argentino Alejandro de Tomaso, que demitiu Alfieri, e tornou a Maserati algo muito diferente do que fora até ali. A última coisa que sobrava dos tempos de Giulio Alfieri era o V-8, que permaneceu na Quattroporte III (feita por De Tomaso na plataforma de seu Longchamp, história para outro dia) até 1990.

Quando aquele motor parou de ser feito, a Maserati perdia a sua ligação com um passado de glórias, e efetivamente morreu. A outra Maserati, a de Tomaso, permanecia, e é a que hoje usa motores Ferrari e age como a coadjuvante de seu dono.

E o Bora permanece como o melhor exemplo daquilo que se foi para sempre.

MAO