




Meu trabalho para a revista Tempo, da Sky TV, seria acompanhar um rali de carros antigos na região de Bariloche, Argentina, o 1000 Millas Sport. É um rali oficial da FIVA – Federação Internacional de Veículos Antigos – constituído de três etapas e seria realizado entre 19 e 21 de novembro deste ano. Bárbaro!
Há tempos que eu queria fazer isso e a revista topou. Eu precisaria de um carro pra seguir o rali e pedi um à Toyota, que pronta e gentilmente colocou um Corolla à nossa disposição em Buenos Aires. Fiquei contente e torci para que fosse um com câmbio manual, já que eu pegaria boas estradas e teria que mandar a lenha para acompanhar carros esporte e se possível passá-los para os fotografar. Pra isso o câmbio manual é melhor.
Voamos, minha mulher e eu, para Buenos Aires e, no dia seguinte, fomos à agência da Toyota da Calle Libertador onde a Ximena simpaticamente nos recebeu e logo nos trouxe um Corolla de câmbio... manual! Uêba! Eu estava com sorte.
Dali pegamos a Ruta 5 e lenha para Santa Rosa, a capital da Província de La Pampa, distante 605 km de Buenos Aires. Tudo plano e retas longas, pista simples, pouco movimento, sendo que a maioria era caminhões, mas todos guiando muito bem e sem aprontar burrices. E nada de buracos. Na verdade, não vi um raio de um buraco nos 5 mil km que rodamos na Argentina. Creio que eles são provocados por meteoros e esses meteoros cismam de despencar no Brasil, vai saber, ou vai ver que buraco é sinal de progresso, já que dizem que o Brasil está economicamente melhor que a Argentina, apesar de eu achar que os hermanos chiam bastante mas vivem melhor que nosostros.
Não há radares na estrada, a não ser quando ela cruza alguma pequena cidade, algum pueblo, daí que é todo mundo que tem carro novo mandando a lenha, acima de 140 ou 150 km/h, sem problemas, sem acidentes, sem drama algum. Logo percebi que ATENÇÃO: eles dão um tremendo sinal de seta errado. Veja: numa pista simples, se um caminhão mais lento à sua frente der sinal de seta à esquerda, que aqui no Basil é sinal para você ficar na sua e não ultrapassá-lo porque vem gente no sentido contrário, pra eles é sinal para você passar!!! E o inverso ocorre quando for sinal para você não passar, ou seja, se ele der sinal com a seta da direita, não o passe, porque vem vindo gente do lado de lá. CUIDADO, portanto. Talvez essa mania tenha a ver com o fato de lá, antes da 2a Guerra, a mão das vias ter sido à inglesa, vai saber...
Só sei que é assim e é melhor não discutir, assim como é melhor deixar eles falarem que o Maradona foi melhor que o Pelé. Eu deixo eles falarem isso, mas em seguida pergunto quem foi esse tal de Maradona que eu nunca tinha ouvido falar. Aí eles ficam lascados e eu saio por cima. Acho errado o jeito deles, pois os caminhões, e mesmo você, acabam não dando sinal quando vão frear para entrar num posto de gasolina, por exemplo, pois poderiam estar avisando para não o ultrapassarem e aí bagunça tudo. De qualquer jeito, fique esperto se for guiar por ali.
Lá esse lance é ao contrário e boa. O melhor é não dar bola para esses sinais e nem usar o pisca-pisca. Logo me surpreendi com a pouca sede do Corolla, pois eu rodava acima de 150 km/h o tempo todo e com ar-condicionado ligado e o consumo ia por volta de 11 km/l, quando aqui no Brasil com essa nossa gasolina batizada de álcool ele não rodaria mais que 9 km/l. Fiquei encafifado, pois se isso for a realidade, quase todo o álcool (25%) que é adicionado à nossa gasolina é jogado fora. Um crime. Um crime de lesa-pátria. Vou checar isso e isso não vai ficar assim não. E tem outra, lá a gasolina custa o equivalente a R$ 1,35 o litro, apesar de eles importarem petróleo e aqui sobra gasolina de montão e a exportamos a uns R$ 0,60 o litro.
Outro crime de lesa-pátria. Mas vai ver que brasileiro é rico pra caramba e podemos arcar com esse besteirol de nossos governantes. Parece que os nossos governantes gostam demasiadamente de álcool. Aqui, na certa o preço da gasolina não abaixa para não quebrar o álcool, e nós, trouxas, pagamos por essa asneira. Mais alguns preços: metrô a R$ 0,55 e trem suburbano também. Pedágio, pouquíssimos, variando de R$ 0,50 a R$ 2,00. Táxi a um terço dos daqui, pelo menos, daí que há muitos táxis e muitos com passageiro, já que os usam mais. Ligações telefônicas a um quinto do custo das daqui.
Me senti explorado no meu próprio país, além de mais irado ainda quando vejo o povo daqui pagando um transporte público 5 vezes mais caro, além de pior. Todos os ônibus de Buenos Aires têm câmbio automático. Isso cansa muito menos o motorista e ele acaba dirigindo melhor, além do que esse câmbio dá menos tranco para os passageiros que vão em pé, principalmente as velhinhas, que ao subirem num buzum já colocam a dentadura na bolsa com medo dela sair voando pela janela. Já falei isso pessoalmente para nosso prefeito Kassab, mas ele, muito politicamente disse que mandaria ver se há um estudo a respeito. Na certa não há estudo algum, porque essa turma não está nem aí e eles têm mais o que fazer, ou seja, têm que, entre os cafezinhos, se divertirem bolando novos jeitos de nos arrancarem o couro.
O Corolla foi é muito bem. Só não gostei da direção excessivamente leve e rápida, além do pedal de freio excessivamente abrupto, sem progressividade, daí que esses três fatores nos deixam sempre de sobreaviso e nos cansam um pouco. Falta modulação nesses comandos e não aceito virem me dizer que eu, a Porsche, a Ferrari e a Alfa Romeo é que estamos errados.
O motor de 1,8 litro é elástico e bom de giro, cortando a 6 mil rpm, e é incrivelmente silencioso e suave. Bom, bom e bom. Suspensão excelente, macia e firme, e lá ele é um pouco mais baixo que aqui, já que não há a buraqueira daqui e só uma ou outra discreta lombada (nunca no meio de uma estrada, como há aqui, ótimas para provocar acidentes). Notei certa tendência dele em sofrer rear-lift quando acima dos 160 km/h. Veja, cruzamos um deserto que não é deserto, mas sim tundra, plano feito o pensamento de uma loira, onde uma reta tinha lá bem uns 200 ou 300 km. Retão de amarrar o volante com uma corda, feito navio antigo, e tirar uma soneca. Nessa reta cruzamos com uns 20 veículos, no máximo. A polícia local coloca uns carros amarfanhados em cima de tocos pro motorista medrar e ficar alerta, além de várias placas avisando: “Olhe, fique esperto, não durma, se tiver sono encoste e cochile”, etc, porque quem tem sono ao volante, o que não é o meu caso, dorme facinho.
Essas placas, assim como todas as outras, estão cravejadas de tiros. No Havaí colocam alvos abaixo das placas, já que não tem jeito e o chumbo voa. Daí que 160 km/h é normal numa estrada dessa. Minha mulher, que é bem calminha, quando tocava ia a 140 km/h e volta e meia dava bobeira e ia para os 150 km/h, e tudo bem. Nada de loucura. A 5ª marcha do Corolla achei um pouco curta para estrada, mas ela está certa, pois ela a 6.000 rpm atinge 190 ou 200 km/h, o que está mais do que bom para um sedã familiar de 4 cilindros.
Bancos bons e confortáveis, de boa ergonomia. Chegávamos de longas viagens sem quebradeira. No dia seguinte saímos de Santa Rosa, passamos por esse deserto tundra da tal reta infinita e passamos por Neuquén, capital da Província de mesmo nome, onde almoçamos feito dois jagunços chegados da refrega e depois de barrigas estufadas tocamos até Bariloche, e isso deu 990 km. Faltou 10 km pra inteirar os mil. Resumindo, foram 600 km num dia e 1.000 km no outro. Moleza pro Corolla, mesmo com um tremendo vento lateral que pegamos em metade da segunda estirada, um vento que calculo em uns 40 ou 50 km/h, um vento frio que corria dos Andes para o deserto, devido, calculo eu, ao ar que esquentava no deserto e subia, e nessas vinha o ar frio da cordilheira pra tomar o seu lugar – e nós de Corolla no meio dessa transumância toda de ar.
E tomem cuidado também com os “dinossáurios”, em especial com o argentinossáurio, que, segundo os argentinos, foi o maior dinossáurio que já viveu na face da Terra. Lá eles têm o maior anão do mundo também, que tem 2,10 metros de altura, mas uns 300 km antes de chegarmos a Bariloche vimos lá uma placona comida por uma enorme dentada de dinossauro e, apesar dos arrepios de temor da Vera, eu estava meio esquentado e parei o carro e fui todo macho procurar o raio desse bicho. Vai aí o filme do rolo que deu. Escapamos do bicho e seguimos a Bariloche. A uns 100 km de Bariloche a estrada entra por uma garganta e se espreme ao lado de um rio maravilhoso cor verde esmeralda, de águas límpidas e transparentes a ponto de vermos pedras e tocos lá no fundo; água gelada de doer.
O Sol já ia se pondo e os contrastes entre sombra e luz foram ficando cada vez mais marcantes e as silhuetas mais definidas. Álamos eretos formam cercas-vivas protegendo pequenos sítios estabelecidos nos baixios férteis da beira-rio. Gado gordo e cavalos de sangue Crioulo grossos feito troncos e, por já estarem no verão, seus pêlos ruços de inverno já haviam caído e sua nova pelagem viçosa brilhava de saúde. Cachorros peludos de monte. Todos soltos e felizes, muitos na caçamba das caminhonetes tomando vento na cara, inseparáveis de seus donos. Molecada de rosto corado e olhar vivo, curioso, roupas sujas o bastante para encantadoramente evidenciar a sua alegria e saúde.
Em Bariloche ficamos no Hotel Casita Suiza, um pequeno hotel e restaurante a três quadras do Centro Cívico, o centrinho da cidade, e que eu já havia ficado uns trinta anos atrás e que continua o mesmo bom e aconchegante hotelzinho com ótimo restaurante. Pagamos 95 reais, o casal, por noite, e o jantar para dois saía por uns 40 reais, e notem que o restaurante era gourmet. Barato, não?
O rali foi espetacular, 138 carros antigos, desde Bugatti tipo 37 original a Ferrari Daytona, mas, infelizmente, porém, justamente, a revista Tempo, da Sky, tem a exclusividade dessa matéria e não posso adiantar o assunto. Só sei que ainda não oficialmente passei a representar aqui o rali 1000 Millas Sport e tenho dicas para que a participação tenha custos mais reduzidos e creio que ano que vem monto uma barca de brasileiros autoentusiastas pra lá e quero ver quem é que tem peito que nem eu de encarar aquele dinossáurio ali.
Ah! Não sei quantos cv tem o Corolla, mas sei que anda muito bem e quem fala que anda pouco é porque não sabe guiar. Não sei quantos kgfm de torque ele tem, nem em que faixa está, mas sei que é muito elástico. O carro viajou meio vazio, leve, daí coloquei 30 libras de pressão na frente e 28 atrás, e assim ficou porque ficou bom, já que ele curvava direitinho, quase escorregando com as quatro, com pouca tendência de sair de frente, gostoso de curva. Um ótimo carro, pois, acima de tudo nos inspirou muita confiança e nos deu muito conforto, mesmo enfrentando temperaturas com extremos de frio e calor, além de vento e poeira. E gastou pouca gasolina.
Nossos sinceros agradecimentos à Toyota.
Nossos sinceros agradecimentos à Toyota.