google.com, pub-3521758178363208, DIRECT, f08c47fec0942fa0 AUTOentusiastas Classic (2008-2014)





Meu trabalho para a revista Tempo, da Sky TV, seria acompanhar um rali de carros antigos na região de Bariloche, Argentina, o 1000 Millas Sport. É um rali oficial da FIVA – Federação Internacional de Veículos Antigos – constituído de três etapas e seria realizado entre 19 e 21 de novembro deste ano. Bárbaro!
Há tempos que eu queria fazer isso e a revista topou. Eu precisaria de um carro pra seguir o rali e pedi um à Toyota, que pronta e gentilmente colocou um Corolla à nossa disposição em Buenos Aires. Fiquei contente e torci para que fosse um com câmbio manual, já que eu pegaria boas estradas e teria que mandar a lenha para acompanhar carros esporte e se possível passá-los para os fotografar. Pra isso o câmbio manual é melhor.
Voamos, minha mulher e eu, para Buenos Aires e, no dia seguinte, fomos à agência da Toyota da Calle Libertador onde a Ximena simpaticamente nos recebeu e logo nos trouxe um Corolla de câmbio... manual! Uêba! Eu estava com sorte.
Dali pegamos a Ruta 5 e lenha para Santa Rosa, a capital da Província de La Pampa, distante 605 km de Buenos Aires. Tudo plano e retas longas, pista simples, pouco movimento, sendo que a maioria era caminhões, mas todos guiando muito bem e sem aprontar burrices. E nada de buracos. Na verdade, não vi um raio de um buraco nos 5 mil km que rodamos na Argentina. Creio que eles são provocados por meteoros e esses meteoros cismam de despencar no Brasil, vai saber, ou vai ver que buraco é sinal de progresso, já que dizem que o Brasil está economicamente melhor que a Argentina, apesar de eu achar que os hermanos chiam bastante mas vivem melhor que nosostros.
Não há radares na estrada, a não ser quando ela cruza alguma pequena cidade, algum pueblo, daí que é todo mundo que tem carro novo mandando a lenha, acima de 140 ou 150 km/h, sem problemas, sem acidentes, sem drama algum. Logo percebi que ATENÇÃO: eles dão um tremendo sinal de seta errado. Veja: numa pista simples, se um caminhão mais lento à sua frente der sinal de seta à esquerda, que aqui no Basil é sinal para você ficar na sua e não ultrapassá-lo porque vem gente no sentido contrário, pra eles é sinal para você passar!!! E o inverso ocorre quando for sinal para você não passar, ou seja, se ele der sinal com a seta da direita, não o passe, porque vem vindo gente do lado de lá. CUIDADO, portanto. Talvez essa mania tenha a ver com o fato de lá, antes da 2a Guerra, a mão das vias ter sido à inglesa, vai saber...
Só sei que é assim e é melhor não discutir, assim como é melhor deixar eles falarem que o Maradona foi melhor que o Pelé. Eu deixo eles falarem isso, mas em seguida pergunto quem foi esse tal de Maradona que eu nunca tinha ouvido falar. Aí eles ficam lascados e eu saio por cima. Acho errado o jeito deles, pois os caminhões, e mesmo você, acabam não dando sinal quando vão frear para entrar num posto de gasolina, por exemplo, pois poderiam estar avisando para não o ultrapassarem e aí bagunça tudo. De qualquer jeito, fique esperto se for guiar por ali.
Lá esse lance é ao contrário e boa. O melhor é não dar bola para esses sinais e nem usar o pisca-pisca. Logo me surpreendi com a pouca sede do Corolla, pois eu rodava acima de 150 km/h o tempo todo e com ar-condicionado ligado e o consumo ia por volta de 11 km/l, quando aqui no Brasil com essa nossa gasolina batizada de álcool ele não rodaria mais que 9 km/l. Fiquei encafifado, pois se isso for a realidade, quase todo o álcool (25%) que é adicionado à nossa gasolina é jogado fora. Um crime. Um crime de lesa-pátria. Vou checar isso e isso não vai ficar assim não. E tem outra, lá a gasolina custa o equivalente a R$ 1,35 o litro, apesar de eles importarem petróleo e aqui sobra gasolina de montão e a exportamos a uns R$ 0,60 o litro.
Outro crime de lesa-pátria. Mas vai ver que brasileiro é rico pra caramba e podemos arcar com esse besteirol de nossos governantes. Parece que os nossos governantes gostam demasiadamente de álcool. Aqui, na certa o preço da gasolina não abaixa para não quebrar o álcool, e nós, trouxas, pagamos por essa asneira. Mais alguns preços: metrô a R$ 0,55 e trem suburbano também. Pedágio, pouquíssimos, variando de R$ 0,50 a R$ 2,00. Táxi a um terço dos daqui, pelo menos, daí que há muitos táxis e muitos com passageiro, já que os usam mais. Ligações telefônicas a um quinto do custo das daqui.
Me senti explorado no meu próprio país, além de mais irado ainda quando vejo o povo daqui pagando um transporte público 5 vezes mais caro, além de pior. Todos os ônibus de Buenos Aires têm câmbio automático. Isso cansa muito menos o motorista e ele acaba dirigindo melhor, além do que esse câmbio dá menos tranco para os passageiros que vão em pé, principalmente as velhinhas, que ao subirem num buzum já colocam a dentadura na bolsa com medo dela sair voando pela janela. Já falei isso pessoalmente para nosso prefeito Kassab, mas ele, muito politicamente disse que mandaria ver se há um estudo a respeito. Na certa não há estudo algum, porque essa turma não está nem aí e eles têm mais o que fazer, ou seja, têm que, entre os cafezinhos, se divertirem bolando novos jeitos de nos arrancarem o couro.
O Corolla foi é muito bem. Só não gostei da direção excessivamente leve e rápida, além do pedal de freio excessivamente abrupto, sem progressividade, daí que esses três fatores nos deixam sempre de sobreaviso e nos cansam um pouco. Falta modulação nesses comandos e não aceito virem me dizer que eu, a Porsche, a Ferrari e a Alfa Romeo é que estamos errados.
O motor de 1,8 litro é elástico e bom de giro, cortando a 6 mil rpm, e é incrivelmente silencioso e suave. Bom, bom e bom. Suspensão excelente, macia e firme, e lá ele é um pouco mais baixo que aqui, já que não há a buraqueira daqui e só uma ou outra discreta lombada (nunca no meio de uma estrada, como há aqui, ótimas para provocar acidentes). Notei certa tendência dele em sofrer rear-lift quando acima dos 160 km/h. Veja, cruzamos um deserto que não é deserto, mas sim tundra, plano feito o pensamento de uma loira, onde uma reta tinha lá bem uns 200 ou 300 km. Retão de amarrar o volante com uma corda, feito navio antigo, e tirar uma soneca. Nessa reta cruzamos com uns 20 veículos, no máximo. A polícia local coloca uns carros amarfanhados em cima de tocos pro motorista medrar e ficar alerta, além de várias placas avisando: “Olhe, fique esperto, não durma, se tiver sono encoste e cochile”, etc, porque quem tem sono ao volante, o que não é o meu caso, dorme facinho.
Essas placas, assim como todas as outras, estão cravejadas de tiros. No Havaí colocam alvos abaixo das placas, já que não tem jeito e o chumbo voa. Daí que 160 km/h é normal numa estrada dessa. Minha mulher, que é bem calminha, quando tocava ia a 140 km/h e volta e meia dava bobeira e ia para os 150 km/h, e tudo bem. Nada de loucura. A 5ª marcha do Corolla achei um pouco curta para estrada, mas ela está certa, pois ela a 6.000 rpm atinge 190 ou 200 km/h, o que está mais do que bom para um sedã familiar de 4 cilindros.
Bancos bons e confortáveis, de boa ergonomia. Chegávamos de longas viagens sem quebradeira. No dia seguinte saímos de Santa Rosa, passamos por esse deserto tundra da tal reta infinita e passamos por Neuquén, capital da Província de mesmo nome, onde almoçamos feito dois jagunços chegados da refrega e depois de barrigas estufadas tocamos até Bariloche, e isso deu 990 km. Faltou 10 km pra inteirar os mil. Resumindo, foram 600 km num dia e 1.000 km no outro. Moleza pro Corolla, mesmo com um tremendo vento lateral que pegamos em metade da segunda estirada, um vento que calculo em uns 40 ou 50 km/h, um vento frio que corria dos Andes para o deserto, devido, calculo eu, ao ar que esquentava no deserto e subia, e nessas vinha o ar frio da cordilheira pra tomar o seu lugar – e nós de Corolla no meio dessa transumância toda de ar.
E tomem cuidado também com os “dinossáurios”, em especial com o argentinossáurio, que, segundo os argentinos, foi o maior dinossáurio que já viveu na face da Terra. Lá eles têm o maior anão do mundo também, que tem 2,10 metros de altura, mas uns 300 km antes de chegarmos a Bariloche vimos lá uma placona comida por uma enorme dentada de dinossauro e, apesar dos arrepios de temor da Vera, eu estava meio esquentado e parei o carro e fui todo macho procurar o raio desse bicho. Vai aí o filme do rolo que deu. Escapamos do bicho e seguimos a Bariloche. A uns 100 km de Bariloche a estrada entra por uma garganta e se espreme ao lado de um rio maravilhoso cor verde esmeralda, de águas límpidas e transparentes a ponto de vermos pedras e tocos lá no fundo; água gelada de doer.
O Sol já ia se pondo e os contrastes entre sombra e luz foram ficando cada vez mais marcantes e as silhuetas mais definidas. Álamos eretos formam cercas-vivas protegendo pequenos sítios estabelecidos nos baixios férteis da beira-rio. Gado gordo e cavalos de sangue Crioulo grossos feito troncos e, por já estarem no verão, seus pêlos ruços de inverno já haviam caído e sua nova pelagem viçosa brilhava de saúde. Cachorros peludos de monte. Todos soltos e felizes, muitos na caçamba das caminhonetes tomando vento na cara, inseparáveis de seus donos. Molecada de rosto corado e olhar vivo, curioso, roupas sujas o bastante para encantadoramente evidenciar a sua alegria e saúde.
Em Bariloche ficamos no Hotel Casita Suiza, um pequeno hotel e restaurante a três quadras do Centro Cívico, o centrinho da cidade, e que eu já havia ficado uns trinta anos atrás e que continua o mesmo bom e aconchegante hotelzinho com ótimo restaurante. Pagamos 95 reais, o casal, por noite, e o jantar para dois saía por uns 40 reais, e notem que o restaurante era gourmet. Barato, não?
O rali foi espetacular, 138 carros antigos, desde Bugatti tipo 37 original a Ferrari Daytona, mas, infelizmente, porém, justamente, a revista Tempo, da Sky, tem a exclusividade dessa matéria e não posso adiantar o assunto. Só sei que ainda não oficialmente passei a representar aqui o rali 1000 Millas Sport e tenho dicas para que a participação tenha custos mais reduzidos e creio que ano que vem monto uma barca de brasileiros autoentusiastas pra lá e quero ver quem é que tem peito que nem eu de encarar aquele dinossáurio ali.
Ah! Não sei quantos cv tem o Corolla, mas sei que anda muito bem e quem fala que anda pouco é porque não sabe guiar. Não sei quantos kgfm de torque ele tem, nem em que faixa está, mas sei que é muito elástico. O carro viajou meio vazio, leve, daí coloquei 30 libras de pressão na frente e 28 atrás, e assim ficou porque ficou bom, já que ele curvava direitinho, quase escorregando com as quatro, com pouca tendência de sair de frente, gostoso de curva. Um ótimo carro, pois, acima de tudo nos inspirou muita confiança e nos deu muito conforto, mesmo enfrentando temperaturas com extremos de frio e calor, além de vento e poeira. E gastou pouca gasolina.

Nossos sinceros agradecimentos à Toyota.










Houve um tempo em que os carros-conceito eram chamados de "carros do futuro". O conceito substituiu o futuro, presumo eu, ou porque o futuro morreu, ou porque é um lugar sombrio e decadente, como querem nos fazer acreditar as hordas de arautos de uma suposta hecatombe que o Homem perpetrará no planeta Terra.

Liberados da necessidade de tentar fazer algo realmente novo por esta mudança aparentemente inocente de nome, os designers de hoje ou se voltam para o passado criando travestis de um tempo que já se foi, ou viajam totalmente em algo ridiculamente inútil e sem graça. Todos estão ligados apenas em novos materiais, luzinhas, e outras bobagens que não ajudam em nada a evolução do automóvel. Criar um carro do futuro é o que deviam tentar fazer; ao invés disto criam "conceitos", uma palavra de significado tão vago e gasoso quanto os carros que dela resultam.

E não foi sempre assim. E para mim, o maior exemplo disto é o carro que é o tema deste post: o Lancia-Bertone Stratos Zero.


Apresentado no tradicionalíssimo Salão de Turim em 1970, é uma verdadeira aparição. Desde então os designers abandonaram as cunhas como visual do futuro, mas até hoje pode-se facilmente imaginar este carro andando nas ruas de terra de Tatoine, levando Spock para uma biblioteca em Vulcano, ou dirigido por um jovem Harrison Ford em "Blade Runner". Ou dando um couro naquele o Audi afrescalhado de Will Smith em "Eu, Robô", para uma referência futurística mais palatável aos jovens leitores...O carro é incrivelmente baixo, impossivelmente baixo, inacreditavelmente baixo: apenas 840 mm de altura. Tão pouco que não há como fazer portas laterais, e os ocupantes entram no carro pelo vidro dianteiro, que bascula para trás como um canopy de avião. Para acessar a entrada, deve-se subir em cima do carro, e para tal um tapete de borracha domina a frente dele, logo abaixo do vidro, no bico. Abaixo dele, escondidos na fina "grade" dianteira, estão os faróis.



Quando o vidro se abre, a coluna de direção, movida por cilindro hidráulico, também anda para a frente, permitindo que o motorista se acomode no confinado posto de direção, coluna entre as pernas e pés bem próximos do final do vidro. E todo este trabalho é real: o Stratos, como todo conceito de Bertone até ali, era completamente funcional. Sim, ele pode ser dirigido nas ruas, e foi.



Engraçado como são as coisas; eu não consigo me lembrar com detalhes de qualquer carro que apareceu depois do ano 2000 sem pesquisar. Quando o tempo passa um pouco, as memórias mais claras ficam mesmo na infância e adolescência, e na idade adulta 10 anos passam como se fossem 2... E por causa disso me lembro perfeitamente quando vi este carro pela primeira vez. Mil novecentos e oitenta, na casa de meu avô; achei uma revista Quatro Rodas dos anos 70, onde Emerson Fittipaldi testava 3 carros do futuro de Bertone, entre eles o Stratos. Dentro da revista, fotos de Emerson andando com ele por ruas de verdade, olhando pela janelinha lateral, e até abrindo caminho por um rebanho de ovelhas, uma visão incrível. O teste era recheado de impressões sobre a estabilidade, desempenho, e tudo mais: podia ser um exercício estilístico, mas era um automóvel e devia ser tratado como tal.

Para mim é incrível que não se faça mais isso. Se não é para fazê-lo funcional, não há por que fazê-lo. O Stratos, se não andasse, se não fosse possível de ser dirigido nas ruas, seria mais um exercício de futilidade. Ninguém acreditaria que o acesso seria possível, ninguém acreditaria que era possível de andar com ele por aí, e a irrelevância seria o tom desta história. Mas não é assim: o Stratos prova que, principalmente quando você quer criar algo novo, o livro de regras deve ser jogado pela janela sem dó, e só o experimento e a tentativa podem provar realmente a ideia. Este carro pode não ser uma maravilha ergonômica, mas deve ser uma experiência única ao volante, o que era o objetivo afinal de contas.



E não era para menos. Criado entre 1969 e 1970, o Stratos era uma ideia de Nuccio Bertone e Marcelo Gandini, seu principal desenhista (e futuro criador do mítico Countach, entre outros) para ser um bólido de rali que substituiria o Lancia Fulvia HF. Para tal, devia ser pequeno como este Lancia, mas ter motor central-traseiro e ser mais baixo. O Stratos ganhou então o motor e transmissão do HF (acima), um extremamente compacto V-4 a apenas 11 graus (no HF; nas outras Fulvia eram 14 graus), com duplo comando no cabeçote e oito válvulas. Como o cabeçote era único, havia apenas um comando para admissão e um para o escape, e não os 4 comandos de um V-4 "normal", o propulsor sendo muito semelhante aos "VR" Volkswagen. Este motor de 1,6 litro contava ainda com dois carburadores Weber duplos horizontais, e produzia 135 cv ariscos e não domesticados, no estado de preparação em que estava no Stratos. Nele ficava montado em posição central-traseira, desta forma melhorando teoricamente o comportamento em relação ao Fulvia, que tinha tração dianteira e motor longitudinal à frente do eixo dianteiro. O escapamento é um megafone direto, sem abafadores, e portanto produz um barulho considerável, e cria uma aterrorizante aura cacofônoca e não civilizada nesta nave espacial de Bertone.



O carro foi projetado para ser mínimo, pequeno e manobrável, um verdadeiro motor acoplado às costas do motorista, que ficava quase deitado, coberto por uma cunha básica. Diz a lenda que, ao contrário do usual, onde se coloca o motorista e os componentes primeiro, para desenhar o carro depois, Gandini desenhou sua ideia a partir do entre-eixos do Fulvia, e depois deu um jeito de colocar tudo, mecânica e pessoas, lá dentro. A janelinha lateral pouco ajuda na visibilidade lateral, e não há retrovisores. Mas hoje em dia seria fácil de resolver: há espaços perfeitos para telas dentro do carro, bem na abertura de janelas, que seriam perfeitas junto a pequenas câmeras no exterior. E podia-se fazer um espelho-periscópio central, retrátil ao comando do motorista, já pensaram? Para frente a visão é incrível: a janela vai praticamente de seus pés até sua cabeça, quase uma frente toda de vidro. Imaginem a sensação de velocidade, com aquele irrascível V-4 italiano empurrando, aquela frente toda de vidro, você quase deitado e encaixado, praticamente imóvel, e o barulho ensurdecedor...É um dos poucos carros-conceito que realmente queria experimentar. É um daqueles trecos em que você tem certeza que vai morrer uma morte gloriosa cheia de fogo e vidro estilhaçado, mas mesmo assim ainda quer desesperadamente experimentar. Um verdadeiro caixão italiano em forma de cunha!




O objetivo de Bertone era chamar a atenção da Lancia, o que acabou dando certo, mas não com a exposição no salão. Foi preciso que fossem publicados os testes em revistas (promovidos por Bertone depois do salão) para que viesse um telefonema da empresa. Ao desligar, Nuccio Bertone simplesmente entrou no carro junto com o seu chefe de relações com a imprensa, e foram os dois até à Lancia. Dizem que o carro era tão barulhento que parou o trabalho no departamento de competição, onde o carro foi estacionado. Em alguns anos, a Lancia dominaria as competições de rali com outro Stratos de motor central e carroceria Bertone, mas com nenhuma relação com este a não ser o nome e a inspiração. Mas isso é história para outro dia... Como também fica para outro dia a participação de Michael Jackson (sim, ele) nisto tudo.

O futuro previsto pelo Stratos Zero não aconteceu. Mas a lição dele permanece: se você quer provar uma ideia, por mais louca que ela seja, faça-a funcional. Um carro que anda e pode ser dirigido é uma poderosa arma de persuasão.

MAO

Fotos: Ultimate car page, Bertone e Veloce Today
Ou as criaturas do oceano que fizeram a história do estilo do Corvette.

Por Carlos Fernando Scheidecker Antunes, de Park City, Utah, EUA

Bill Mitchell é a outra lendária figura na história do Corvette. Digo outra porque Zora Arkus-Duntov é considerado por muitos como o homem que fez do Corvette um verdadeiro esportivo competente, ao ponto de brigar com o melhor da Europa. Mitchell foi um dos vice-presidentes de Design da GM, sucedendo o lendário Harley Earl no posto. Earl tinha em Mitchell seu protégé, em particular era grande admirador dos esboços de carros de corrida que Mitchell tinha a mania de fazer. Mitchell trabalhou nos estúdios de design da GM de 1930 até o final da década de 70. Desenhar carros de corrida sempre foi a grande paixão de Bill Mitchell.

Na foto de abertura acima vê-se o Stingray Racer de 1959, como Mitchell o deixou para uso na rua.

Assim como o lendário Zora Arkus-Duntov, Mitchell era um entusiasta nato e olhava para automóveis de corrida como frutos de divina inspiração artista. Porém, ao contrário de Duntov, que se concentrava no lado de engenharia e desempenho do Corvette, Mitchell era o homem de estilo. Em 1957, resolveu desenvolver um carro para seu prazer particular de contornar curvas rapidamente. Naquela época existia o Projeto do Corvette SS que foi liderado com méritos por Duntov. Porém para o desespero de vários entusiastas norte-americanos trabalhando em qualquer das três grandes de Detroit, a AMA (Automobile Manufacturers Association) decide banir as corridas de automóveis. Como consequência as competições americanas se tornam o território exclusivo de donos de oficinas e verdadeiros entusiastas. Como resultado do banimento da AMA, Mitchell decide se tornar um corredor independente e construir algo que sempre gostou de desenhar: um carro de corrida único.

Detalhe do habitáculo do Stingray Racer de 1959, já com o segundo banco adicionado.


Depois de ler a avaliação do 944S2 que meus companheiros bloguísticos tão eficientemente perpetraram algum tempo atrás, me senti compelido a explicar um pouco mais sobre o carro e sua origem, aqui do alto de meu auto-promulgado posto de porschéfilo-mor deste alegre e faceiro grupo de blogueiros juramentados.

Este post devia ter sido publicado logo depois daquela avaliação, mas acabei me atrasando um pouco. Mas o que são 3 meses entre amigos, não é mesmo?

Ao fim deste post há um link sobre uma reportagem que escrevi há algum tempo em outro site sobre essa família de Porsches; para quem tiver paciência, apesar de antiga, mudaria pouca coisa nela hoje. A ideia aqui é falar sobre o S2, principalmente de seu incomum motor.

944 Sport

Nos Porsche 944, o S significa duplo comando de válvulas e quatro válvulas por cilindro, em oposição ao comando singelo e duas válvulas por cilindro do 944 original, um motor que, como já contei aqui, era a metade quase exata do V-8 usado no Porsche 928. Sendo assim, a Porsche sabiamente, nos anos 80, desenvolveu a versão multiválvulas do 944 e do 928 de uma vez só, economizando dinheiro em ferramental, projeto e intercambiabilidade.

Na verdade ela fez mais: realizou extensa pesquisa para descobrir a forma ideal pretendida para a câmara de combustão, válvulas e dutos. Descoberto este desenho, foi usado não somente no 944 e 928, mas também no seis contraposto do 959! Até hoje a empresa usa como base as pesquisas realizadas entre 1984 e 1985 para desenvolver qualquer motor novo. Investimento em tecnologia se paga de várias formas difíceis de mensurar...


A câmara final contava com as válvulas inclinadas 14 graus e 10 minutos do lado da admissão e 13 graus e 15 minutos no lado do escapamento, e obviamente vela de ignição central. O cabeçote em alumínio tinha o comando acionado por uma correia dentada, que acionava apenas o comando de escape, ficando todo o arranjo da correia dentada muito similar ao motor de comando único. No meio do cabeçote, uma pequena corrente passava o movimento para o outro comando ao lado (abaixo). Tinha tuchos hidráulicos, tipo copinho. Como usava o mesmo bloco, e os pistões tinham o mesmo peso do 944 SOHC, e ainda por cima o acionamento do comando era quase idêntico, o 944 S usava exatamente as mesmas árvores contra-rotativas (para balanceamento) que o 944. A tampa de válvulas, fabricada em levíssimo magnésio, era intercambiável com as do V-8 do 928 S4, lançado ao mesmo tempo.


Com um deslocamento idêntico ao de seu predecessor (2,5 litros), em testes iniciais obteve vantagem pífia em relação ao motor original: apenas 170 cv, cinco a mais que o de 944 normal. Algo obviamente precisava ser feito.

A ideia era que o motor fosse o meio caminho exato entre o 944 “básico” de 165 cv, e o 944 Turbo, então com 220 cv. O motor de quatro válvulas por cilindro recebeu a maior taxa de compressão já usada então pela Porsche em carros de rua, 10,9:1. O levantamento de válvula foi aumentado 2 mm em relação ao V-8, requerendo molas de válvula diferentes. Isto acabou por exigir dutos maiores na admissão, e um novo coletor de magnésio. A pressão da linha de combustível aumentou de 2,5 para 3,8 bars. Devido à taxa alta, foi equipado com dois sensores de detonação. O resultado foi bem no objetivo: o motor produzia sensacionais 190 cv a 6.000 rpm e tinha torque máximo de 23,5 mkgf a 4.300 rpm (1.300 rpm acima do 944 de duas válvulas).



Mas seu lançamento, em julho de 1986, viria a ser uma grande decepção. O motor precisava girar extremamente alto para alcançar uma potência decente, e na verdade, a abaixo da rotação de torque máximo produzia menos força que o SOHC. Disse Paul Frère na ocasião:

“Nem eu, nem a maioria dos jornalistas reunidos que dirigiram o 944 S ficamos impressionados com a aceleração. Na verdade, todos achamos que ele demora demais para subir de velocidade.”

Era uma unanimidade que 190 cv deviam parecer mais fortes do que aquilo. Os números de aceleração concordavam com isso, ficando ao redor de 7 segundos no 0-100 km/h, coisa de meio segundo mais rápido que o 944 “básico”. A velocidade final, porém, subia bastante, atingindo 230 km/h.

Procura-se um motor

Logo a Porsche tinha percebido seu erro em manter o deslocamento volumétrico do motor. A concorrência atacava de todo lado, do Ford Sierra Cosworth (2.0 DOHC 16V, turbo, 200 cv) aos Mazda RX7 (Wankel duplo rotor turbocomprimido, 280 cv). Uma infinidade de excelentes carros esporte se tornava disponível ao público do final dos anos 80, todos sem o nome de peso da Porsche, mas todos mais velozes e mais baratos que ele.

Imediatamente começava o projeto de aumento de deslocamento do motor de quatro cilindros, que viria a culminar no 944 S2 que meus companheiros de blog dirigiram.

Mas antes de falar nele, vamos falar um pouco de realidades alternativas, de futuros vistos do passado que falharam em acontecer; é sempre um tema interessantíssimo.

Um dos problemas do 944 frente a seus concorrentes era o motor de quatro cilindros em linha. Não importa quão bom o carro fosse, sempre alguém ia notar que pelo seu preço poderia se comprar um Corvette V-8, um Nissan 300ZX com um V-6, um Supra com um seis em linha delicioso, ou e até mesmo um exótico Wankel da Mazda. A Porsche decidiu avaliar suas opções.

A primeira ideia foi a mais exótica e interessante de todas: colocar uma versão do V-8 de Fórmula Indy da empresa no 944. Deslocando 3,3 litros, mas de aspiração natural, este motor de competição incrivelmente compacto e leve produziria 300 cv a 7.000 rpm. Não há como não encher a boca d’água imaginando o que não seria este exótico e nervoso motor de corrida num 944. Mas era muito caro, e mataria o 928.

Tentou-se então derivar um V-6 deste pequeno V-8. Este foi o propulsor que mais perto chegou de ser montado no 944; foram estudadas versões aspiradas e com dois turbocompressores, ambas deslocando 2.481 cm³ (2,5 litros como o quatro em linha vigente) a partir de um diâmetro de 90 mm e um curso de 65 mm, exatamente o mesmo do V-8 de competição. Com duplo comando no cabeçote acionados por corrente (em substituição do caro trem de engrenagens do V-8) e quatro válvulas por cilindro, o motor era capaz de produzir 220 cv sem sobrealimentação, e mais de 300 cv com os dois turbos. Este último teoricamente seria capaz de 300 km/h, e aceleração de 0-100 km/h na casa dos 5 segundos. Um mock-up da instalação chegou a ser feito, e mostrou um sem-fim de complicações, mas que ainda assim era uma opção razoavelmente viável. Infelizmente, porém, sabemos que acabou por ser abandonada, principalmente pelo alto investimento necessário.

Outra opção, mais próxima da realidade, foi usar o extremamente compacto e eficiente seis em linha que a Porsche estava então finalizando para o seu cliente sueco Volvo. Desenvolvido para aplicações transversais dianteiras, era compacto o suficiente para ser colocado no lugar do quatro em linha Porsche, necessitando apenas uma pequena bolha no capô bem na extremidade dianteira. Com 3,0 litros de deslocamento e 200 cv, tinha muito a seu favor: era mais leve que o quatro em linha, só um pouco mais comprido, e custava 70% de seu preço. Mas, de novo, o investimento nas peças exclusivas Porsche, e da instalação no cofre inclinado a 12 graus, e a falta de um acordo agradável com a Volvo, acabaram por inviabilizar a interessantíssima ideia.

Houve também outra possibilidade inusitada: o seis em linha BMW. A BMW deu a entender que venderia para a Porsche o seu novo M50, de seis cilindros em linha DOHC, 2,5 litros e 192 cv, caso esta quisesse equipar o 944 com ele. Era uma boa possibilidade de obter um motor pronto, sem ferramental a desenvolver e de investimento baixo para a Porsche. Um carro foi montado e avaliado, mas declarado insatisfatório em relação ao novo quatro em linha a ser lançado logo em seguida no 944 S2.

Duas vezes S



Enquanto avaliava todas estas hipóteses, o trabalho num “novo” quatro em linha corria a todo vapor. Duas opções foram inicialmente testadas, a saber:

2,7 litros (104 x 78,9 mm), 200 cv a 6.000 rpm; 25,6 mkgf a 4.500 rpm
3,0 litros (104 x 88 mm), 200 cv a 5.700 rpm, 28 mkgf a 3.500 rpm

O deslocamento mais baixo já estava previsto para motor de oito válvulas, e então, para não cometer o mesmo erro anterior, decidiu-se usar o deslocamento maior, mesmo com as dificuldades envolvidas e a potência equivalente dos dois.

Uma destas dificuldades foi a que o deslocamento maior só foi possível criando-se um novo bloco, mais alto, que permitia o curso maior dos pistões. Ambos os blocos acabaram sendo totalmente reprojetados e otimizados, resultando numa expressiva e interessantíssima redução de peso de 4,5 kg.

Uma unidade de 3,2 litros foi também testada (105 x 92,2 mm), mas foi rejeitada porque necessitava de muitas modificações em relação ao motor de oito válvulas e 2,7 litros “básico”, aumentando o custo pela diminuição de peças intercambiáveis.


O resultado disso foi um motor memorável. Lançado no 944 S2 de 1989, desemvolvia generosos 214 cv e criava finalmente um carro esporte sem senões nem talvez: flexível e potente, permitia chegar a 100 km/h a partir da imobilidade em 6,7 segundos (Road & Track) e chegava a honestos 240 km/h. Era também o maior quatro em linha do mundo. Leiam novamente a avaliação que fizemos para mais detalhes.




O S2 foi um sucesso de crítica (apesar do alto preço ainda ser um problema) e era tão agradável de dirigir que nos EUA substituiu todos os 944, até o Turbo, que permanecia na Europa para saciar a sanha alemã por alta velocidade apenas.


O motor ainda passou por mais uma “reforma”, quando o 944 deu lugar ao 968, e chegou aos 236 cv, graças principalmente a um sistema de variação de fase dos comandos. Mas a essa época, o destino desta família de Porsches já estava selado, e logo tomariam o caminho do Dodô.




Apesar disto, vinte anos depois, permanecem altamente desejáveis, como este blog provou dirigindo o excelente exemplar do Fábio. Muita gente despreza esses carros por suas origens humildes, mas tratam-se de carros extremamente interessantes, e sempre são bem mais baratos que os 911. Uma grande porta de entrada para a marca de Zuffenhausen.

MAO

P.S: As informações deste post, e tudo mais que você queira saber sobre estes Porsches ou qualquer outro, estão na bíblia do assunto: Excellence Was Expected, de Karl Ludvigsen. É uma obra enorme e de difícil digestão, mas vale o esforço.

Para um resumo dos 924/944/968 feito por seu humilde escriba em 2002, clique AQUI.