Considero o Charger americano, em sua segunda carroceria, de 1968 a 1970, um dos desenhos mais bonitos de todos os tempos. Logo, esse quatro portas lançado nos EUA em 2006 era algo totalmente sem sentido, apenas um sedã familiar que aproveita o nome famoso, coisa de empresa em dificuldades que parecem ser eternas.
Aproveitamos as férias da família para ir a um dos maiores paraísos de turismo, a região de Orlando, na Flórida, o estado-pântano. Ao vasculhar o estacionamento da locadora com as opções disponíveis pelo mesmo preço, fui logo procurando o que seria interessante para dirigir e que tivesse porta-malas grande e aproveitável.
Ao me lembrar que aquele carro azulão com o emblema do cabrito montês tinha tração traseira, parei de escolher e abri o porta-malas, com aquele frio na barriga me dizendo que ele seria grande e caberiam as malas da família. E deu certo, baixando um dos lados do encosto do banco traseiro, tudo ficou bem acomodado.
Ficaram para trás, para outros turistas, Camry, Accord, Maxima, Impala, G6, HHR e Galant. O HHR seria melhor no quesito espaço para malas, mas minha diversão seria menor, e férias são para se divertir.
Na partida do motor já uma agradável surpresa. Apesar de ser na versão SXT V-6, o borbulhar da lenta é agradável, mesmo não chegando perto de um V-8. Nada daqueles carros com 4 cilindros onde mal se escuta o motor. Por sorte, o modelo era equipado com a maquinária de melhor performance, trazendo a inscrição "High Output" nos pára-lamas dianteiros, logo abaixo da inscrição 3.5L, um pouco fora do padrão de polegadas cúbicas ao que os americanos estão acostumados. De notar o litro abreviado por "L" maiúsculo, quando o correto seria minúsculo. Esse motor significa 250 hp a 6400 rpm e 340 Nm a 3800 rpm. Com coletor de admissão variável, e quatro válvulas por cilindro, o funcionamento é muito regular e com potência bem distribuída, não demonstrando falta de força em nenhuma rotação de uso em rua. Nada mau para passear em três pessoas.
Saímos do aeroporto naquele piso impecável que caracteriza a região de Orlando, um carinho para com o estrangeiro, com os vidros abertos para escutar o motor e respirar um ar melhor, depois de tantas horas de ar condicionado de avião.
Depois de alguma distância percorrida, percebi que a transmissão trocava de marcha sem que se notasse, a não ser que estivéssemos prestando atenção no momento da troca. O balanço de carroceria, e a interrupção de entrega da potência para as rodas é mínimo e suave. Com ar condicionado ligado, o comportamento é o mesmo, sem falhas. Acelerando bem forte, porém, as trocas são mais bruscas.
No dia seguinte, com um pouco mais de tempo, descobrimos o botão do prazer: ESP, o controle de estabilidade que trabalha em conjunto com o ABS, e é equipamento básico de todas as versões de Charger. Esse item é desligável, e até a luz espia é divertida, com o desenho do carrinho derrapando.
Com distribuição de massas de 53% na frente e 47% traseira, ocorre substerço (saída de frente) em curvas muito quentes, em baixa velocidade e com giro rápido do volante. Os pneus arrastam para valer, e uma boa acelerada escorrega de leve a traseira, minimizando a saída de frente. Em uso normal, nada no comportamento dinâmico preocupa. Nem mesmo as inclinações de carroceria (rolling) são exageradas ou desagradáveis. A bateria fica no porta-malas, auxiliando um pouco no equilíbrio.
A direção é leve, como tipicamente acontece em carros americanos, mas não tão leve a ponto de incomodar ou gerar preocupação com um simples espirro ou tosse repentinos (do motorista). Também a quantidade de voltas é reduzida, ou seja, um bom sistema, sem maiores críticas.
O motor com 3,5 litros atende bem ao que o carro se propõe, ainda que não seja o modelo SRT ou melhor ainda, o R/T Daytona com o V-8. O nosso seis - em - vê dava conta do recado, largando fácil dos semáforos junto com carros bem mais leves, e deixando a massa trafegante longe, um bom fator de segurança.
Lógico que não foi brincadeira todo tempo, lembrem-se que se tratava de uma viagem de férias com a família, mas mesmo assim, a diversão foi feita com certa frequência.
Para quem dirige, os bancos são um pouco mais macios do que o aceitável, cansando um pouco depois de algumas horas. O ajuste lombar compensa bem, permitindo uma reconfiguração da coluna vertebral e um certo relaxamento com a mudança de posição. Esse ajuste é manual na lateral do encosto e existe também para o passageiro, mas o ajuste de distância , de altura e de reclinamento são elétricos, com as teclas localizadas no assento. O ajuste de altura funciona na parte dianteira e traseira do assento, tornando-o mais plano ou mais inclinado, favorecendo a melhor acomodação independente de pernas longas ou curtas. Os pedais também são ajustáveis em distância, e o volante é ajustável em altura e distância, com bom diâmetro e pega, e o visual é decente, sem componentes muito flexíveis que poderiam passar a sensação de carro barato.
Apesar de ser bem plástico, tanto painel de instrumentos quanto os painéis de porta não passam a impressão de serem ruins, naquele nível de carro popular brasileiro.
Se pensarmos que esse carro custa entre 27000 e 30000 dólares, está num nível razoável, mas não é o melhor dessa categoria, longe disso.
Tive um gerente canadense certa vez que me disse algo simples e importante. Os Mopar nunca foram excepcionais de carroceria nem de acabamento, mas sim em mecânica. Isso permanece até hoje, nessa moderna geração.
Para coroar as boas características do carro, o consumo de gasolina. Rodar 998 km e descobrir que você gastou 80 dólares (uns 145 reais), o que traduzido na nossa unidade cotidiana, dá cerca de 8,9 km/l é ótimo. Muito bom mesmo, apesar de toda a massa de uns 1900 kg com 2 adultos e uma criança, mais alguns poucos bagulhos como carrinho de bebê e mochila, e as acelerações fortes induzidas em várias oportunidades, com mais de 90% do tempo com o ar-condicionado ligado.
A conclusão é que 14 centavos de real por quilômetro rodado para tamanho conforto é muito barato. Barato não. Justo e civilizado, ao contrário dos nossos custos brasileiros para se andar de carro. Sem contar que pouco se danifica suspensão, e assim o carro dura muito tempo sem começar a parecer um carroção barulhento. E os americanos ainda acham que a gasolina está cara por lá....
Após doze dias sendo bem tratado pelo carro, por uma sinalização perfeita, rodando por um asfalto e concreto muito bons, e encontrando alguns trechos com pequenos remendos e alguns buracos rasos que não se cobriam mais de 500 metros no total, devolvemos o cavalo de batalha com muito pesar.
A vontade de apresentá-lo no check-in do aeroporto e tentar trazê-lo como excesso de bagagem foi grande.
JJ