google.com, pub-3521758178363208, DIRECT, f08c47fec0942fa0 AUTOentusiastas Classic (2008-2014)


O recente texto do Bob Sharp sobre o Passat CC me aborreceu, não pelo texto em si, mas pelo objeto analisado, e tenho discutido um pouco sobre esse carro com amigos. A maioria considera o CC um belo carro, tanto em termos de aparência quanto nas habilidades mecânicas. Não questiono em nenhum momento o pacote de tecnologia, mais do que alinhado com o mercado, a categoria de preço e tamanho do carro. Minha tristeza é pelo design de carroceria, a meu ver apenas uma cópia descarada do Mercedes-Benz CLS, um carro que trouxe criatividade e inovação ao segmento de sedans grandes. Por si só, o CLS foi um impacto, e a VW seguiu muito de perto a Mercedes, perto demais, e resultou no CC. Talvez ele se chame CC devido ao campo "cc" dos e-mails, inclusive.

Aprendi hoje mesmo uma frase do jornalista inglês John Maddox, que escreveu em seu livro "What Remains to be Discovered" (O que falta ser descoberto):

"As descobertas que aprofundam a compreensão humana também aumentam as dúvidas. Temos de aprender a viver com isso".


Ao contrário de meu amigo VR, que já dirigiu o Mercedes 2.3-16 e é dono de um gloriosamente belo M3 de primeira geração, eu nunca dirigi nenhum dos dois. Mas nem preciso para formar opinião; li o suficiente a respeito deles durante os anos para saber exatamente como são. O meu post sobre o Mercedes na verdade saiu de mais uma incursão aos sebos paulistanos na semana passada, onde comprei um bocado de revistas americanas e inglesas que, por pura coincidência, falavam dos dois carros das mais diversas formas.

Vamos rever o que disse o VR:

“...também brilhante 190 2.3. É um carro de fato também muito bacana. Dogleg, interior que transpira esportividade. Excelente. Mas eu já guiei o 2.3 e posso afirmar que perto do M3 o Mercedes é lento. Não em velocidade, em sensação. Os engates são mais lentos, o motor pede menos para girar, a suspensão é muito mais macia. Não parece te chamar pra brincar como o M3. É um outro bicho.”

Essa é exatamente a impressão geral de todo escriba gringo que já comparou os dois. O Mercedes é menos excitante, o M3 uma festa, e aparentemente bem mais veloz.

Mas olhando-se os números de desempenho, e os tempos em pista dos dois, aprende-se muito. Apesar do M3 ser realmente mais rápido, o é por uma margem ridiculamente baixa para um carro de passeio, quase irrelevante em minha opinião. O Mercedes, como bem disse Vic, parece mais lento que o BMW.

Mas é óbvio, caro leitor. Uma das coisas que me fazem gostar mais deste carro do que os novos e poderosíssimos AMG’s modernos é o fato de que o 190E podia ser esportivo, mas ainda era um Mercedes-Benz. De verdade, daqueles orgulhosos de sua tradição e de sua origem, e que a vestiam sem vergonha alguma. Ele parecia mais lento que o M3, mas na realidade, no mundo fora da pista, não era. Era menos excitante, mas menos cansativo também. O Mercedes 190, como todo Mercedes de verdade, não podia ser excitante no idioma BMW, aquela linguagem crua, sem vergonha, nervosa e orgulhosamente esportiva. Não, Mercedes dão a satisfação com uma linguagem mais madura e polida, que se revela somente quando se faz uma longa viagem a velocidades altíssimas, e com conforto suficiente para poder chegar ao destino e voltar se necessário. Carros de luxo velozes e seguros, Mercedes nas estradas, BMW’s nas pistas. Carros e caminhões, carros e motocas.

É lógico que o 190E parecia menos nervoso, era Mercedes. Volante grande, a tradicionalíssima direção de esferas recirculantes, relação de ride & handling mercediana tradicional.

Mas a imprensa internacional andava aquela época numa cruzada para que todos as carros se tornassem BMW’s, e colocava esse tipo de comportamento tradicional da Mercedes como coisa de velho, de ultrapassado e fora de moda. Não posso negar que para um entusiasta uma BMW era sempre a opção mais lógica, mas daí a colocar esta pecha nos carros de Stuttgart é demais. O único escriba a defender os Mercedes não podia ter sido outro: LJK Setright. Formando sua própria opinião, e não se importando com o que a voz uníssona da turba dizia, Setright defendia leveza nos comandos, conforto e transmissões automáticas, e apesar de parecer realmente fisicamente um velhinho ultrapassado, costumava ser o mais veloz repórter presente a qualquer lançamento, a ponto de ser sempre despachado sozinho nos carros por falta de alguém com coragem suficiente para acompanhá-lo.

Mas a turba conseguiu seu intento. A Mercedes-Benz hoje se dedica a frivolidades e marketices. O design de seus carros, antes sagrado em sua seriedade e sobriedade clássica, mas belíssima, hoje é um festival de infantilidades. Bruno Sacco, que por anos foi o guardião dessa tradição, e que costumava dizer que um Mercedes se desenhava sozinho, precisando apenas ser ajudado por seus designers, hoje deve desacreditar no que se vê. Me parece lamentável que a tradição, a aerodinâmica e a funcionalidade que antes ditavam a forma de um Mercedes-Benz tenham hoje sido jogadas no lixo para que a moda apenas dite a forma dos carros. Para mim, coisas como um CLS são uma afronta a tudo que representava a empresa de Stuttgart.

Hoje há uma horda de Mercedes-AMG que cospe fogo e enxofre, que é mais cheia de guelras e nadadeiras que um cardume de tubarões. Mais un-Mercedes, impossível.

E as coisas não andam melhores em Munique. A BMW também nunca foi uma empresa que desenhava carros com a moda em mente. Não, carros alemães, como o povo que os criava, tinham que ter sempre a função acima da forma. Mas aí veio aquele tal de Bangle...

E é por isso que a melhor coisa que aconteceu à Jaguar foi o XF: depois de anos presa ao desenho “tradicional” do XJ de 1968, a empresa notou que ela não é a Mercedes, que um Jaguar sempre representou um corpo belíssimo em primeiro lugar. Se existe uma empresa de carros de luxo e esporte que deve fazer coisas sempre mais belas, é ela. Dos SS de antes da guerra, passando pelo XK 120, E-type e XJ, a marca formou uma tradição de desenho belíssimo primeiro, carro e função em seguida. O oposto exato da Mercedes-Benz. O XF é então, independentemente de seus donos hindus, um Jaguar de verdade, de uma empresa que volta a entender o porque de sua existência.

O que nos leva a cena III, Ato I do clássico “Hamlet, o Príncipe da Dinamarca”, onde Polônio dá uma série de conselhos para seu filho, Laerte, que parte para tentar a vida longe do pai. É um texto maravilhoso, com conselhos tão úteis hoje quanto séculos atrás, quando foram colocados no papel por William Shakespeare.

Mas o conselho final é o que é relevante aqui, o que queria que os capitães da indústria entendessem como o mantra empresarial de um consultor inglês do século XVII:

“This above all: to thine ownself be true,
And it must follow, as the night the day,
Thou canst not then be false to any man.”

(Mas, sobretudo, sê a ti próprio fiel;
E segue-se disso, como o dia a noite,
que a ninguém poderás jamais ser falso.)

MAO
LANÇAMENTO DO LIVRO DO ARNALDO KELLER - UM CORVETTE NA NOITE

Dia 13 de agosto, uma 5ª feira, à partir das 18:30, na Livraria da Vila (R. Fradique Coutinho 915, Vila Madalena) será o lançamento do livro do jornalista Arnaldo Keller. O autor foi colaborador da Revista Quatro Rodas e hoje escreve na Car and Driver, além de ser um dos colunistas do AUTOentusiastas.

É um livro de contos de ficção, onde viagens por estradas solitárias em carros esportivos levam o leitor a se desligar do dia a dia e seguir acelerando junto com o personagem em busca de boas aventuras e romances.

Quando escrevemos para revistas testando carros, sempre temos limites. Muitas vezes não podemos testar os carros em seus devidos habitats. Sentimos o potencial do carro, sabemos o que ele pode fazer, mas as condições do momento não permitem explorar toda a máquina. Carros esportivos, principalmente os grandes clássicos, foram feitos para pegar boas estradas, longas viagens. Essa é a essência dessas máquinas: levar seu dono a boas e longas aventuras. Infelizmente, a maioria dessas máquinas fica trancada em garagens e é tratada feito um bibelô. O livro foi escrito para colocar esses fantásticos automóveis em seus devidos lugares; foi escrito para que esses carros estiquem seus galopes à vontade e afinem o sangue”, diz o Arnaldo.

Romances, mulheres apaixonantes, fazem parte do melhor da vida de um homem. Se não estivessem nas histórias tudo perderia a graça, o personagem perde o objetivo.

Por enquanto, até o lançamento, o livro pode ser adquirido pelo site da Editora Alaúde por R$ 29,90. Em seguida estará nas livrarias.

Editora Alaude


Os leitores do AUTOentusiastas serão muito bem-vindos ao lançamento onde o Arnaldo terá o prazer de autografar sues exemplares.

Nota do PK: estou lendo o livro aos poucos, para durar mais. Tenho certeza que os contos do Arnaldo fazem parte de um inconsciente (ou até consciente) coletivo dos entusiastas por carros. Falam da relação homem-máquina inserida num contexto interessantíssimo com descrições detalhadas dessa relação. Cada conto é uma viagem. E o mais bacana é que podemos fazer essas viagens na nossa imaginação.
...QUE TE DIREI QUE ÉS.

Tenho certeza que muitos de nós autoentusiastas gostamos de guardar revistas, textos e lembranças em papél sobre carros e assuntos que gostamos ou achamos interessante.

Pausa.

Logo no início da minha carreira como engenheiro achei que minha peregrinação para conseguir influenciar um automóvel no seu conceito seria muito longa. Para um engenheiro conseguir fazer um carro como ele idealiza ele não pode trabalhar em grandes fabricantes. Tem que ser praticamente o dono da empresa e não se preocupar muito com questões financeiras relacionadas à sua subsistência. Um bom exemplo de engenheiro de sucesso é o Gordon Murray. Mas como passo muito longe de ser um gênio como ele, logo pensei em outro jeito de conseguir influenciar a concepção de um projeto sem ter que percorrer toda a escalada até os cargos mais altos.

Acho que o caminho mais curto seria me transformar em designer, projetista. Esse realmente cria algo, é um artista. Talvez a área em que eu realmente desejasse trabalhar. Mas quando somos jovens e temos que decidir o rumo de nossas vidas, dificilmente conseguimos conciliar sonhos com necessidades mais práticas. E muitas vezes, apesar de termos algum sonho, não sabemos como concretizá-lo. Além do mais, para ser designer é necessário talento ou muita dedicação desde pequeno. Sempre desenhei bem, mas não o suficiente para ser designer. Talvez se tivesse começado cedo...

A grande maioria dos engenheiros se torna especialista em algum sistema ou componente. Ou seja, podem trabalhar em tecnologias e avanços em apenas uma parte de um carro. E assim ficam por anos, cada vez mais especialistas.

Nos tempos modernos quem define as diretrizes do projeto de um novo carro? Para os que não sabem, isso fica a critério dos departamentos de planejamento e de marketing. Ambos trabalham conjuntamente observando as tendências, fazendo pesquisas para entender a cabeça dos consumidores, observando os resultados dos modelos que já estão no mercado e definindo os requisitos para um novo modelo. De maneira geral, esses requisitos são: segmento em que o modelo vai atuar, tipo de carroceria, posicionamento de preço, versões e equipamentos e perfil dos consumidores.

A partir daí o departamento de estilo e a engenharia vão trabalhar numa proposta mais palpável. Aí entra o pessoal de marketing e de planejamento para dar pitacos e dizer o que serve e o que não serve. No meio disso tem o pessoal de finanças que cuidas dos custos e quase sempre inviabiliza muitas das ideias bacanas.

Os designers, apesar de ainda serem artistas, não têm toda a liberdade para se expressarem (pois no final o carro tem que ser usável no dia a dia) e o "packaging" os limita bastante.

Então, quem direciona o conceito? Planejamento e marketing. E não a engenharia (a engenharia pode puxar a sardinha para alguma direção específica uma vez que eles é que dizem como executar o projeto). Logo que percebi isso tratei de fazer um pós-graduação em marketing e comecei a me mexer para mudar de área de atuação. Fui buscar o meu sonho. Deu certo. Consegui influenciar muito mais os projetos em que participei em minhas passagens no marketing e planejamento de produtos, além de ganhar uma visão muito mais ampla do negócio. Tem um lado ruim, pois acabei me distanciando muito da engenharia. Qualquer dia conto isso em mais detalhes em outro post.

Essa pausa acabou saindo bem maior do que eu pretendia.

Voltando ao motivo desse post. Em uma recente arrumação nos meus papéis e recordações encontrei uma propaganda que utilizei no pós-graduação para ilustrar um dos importantes conceitos de marketing sem o qual seria quase impossíve fazer um anúncio ou publicidade de um produto. Estou falando do posicionamento.

Todo produto que chega oa mercado deve ser posicionado de acordo com a estratégia da empresa ou do produto. Segundo o papa do marketing, Philip Kotler, "posicionamento é o ato de desenvolver a oferta e a imagem da empresa (ou produto), de forma que ocupem um lugar distinto e valorizado nas mentes dos consumidores". Complementando ele ainda diz: "qualquer empresa ou marca (ou produto) pode ser diferenciada. Não há mais uma commodity. Em vez de pensar que está vendendo uma commodity, a empresa deve ver-se na tarefa de converter um produto indiferenciado em um produto diferenciado".

Mas para isso funcionar o produto, de fato, tem que entregar essa diferenciação e esse posicionamento. Acho que é o caso do Peugeot 306 GTi - 6, lançado no final da década de 1990. Veja a propaganda que saiu na época.


A Peugeot achou que valia a pena investir no seu hatch esportivo diferenciando-o dos demais concorrentes de sua categoria com o uso de uma transmissão de 6 marchas. Para posicioná-lo no mercado adotou uma comunicação, ao meu ver, muito eficiente.

A mensagem curta e direta "slowest in its class", o mais lento na sua classe/segmento, associada a imagem do 306 no meio de supercarros faz com que o leitor pare e pense a respeito, ou que ao menos se interese em ler o texto adicional. É claro que o 306 não faz parte dessa classe. Mas de alguma maneira também não faz parte da classe/segmento dos hatches (de 5 marchas).

"Posicionamento é o ato de desenvolver a oferta e a imagem da empresa (ou produto), de forma que ocupem um lugar distinto e valorizado nas mentes dos consumidores."

O texto pequeno diz: "No passado, se você quisesse um supercarro de 6 marchas, você precisaria ter uma salário de 6 dígitos. Mas agora não mais. O novo Peougeot 306 GTi-6 com seu motor 2-litros de 167 cv custa apenas 18.670 libras. O que lhe faz estar entre os primeiros, só perdendo para os mais rápidos" (no caso um Ferrari F550, um Aston Martin Vantage e um 911).

Comparando o 306 com esses carros, mas dizendo que ele é o mais lento entre eles, a Peugeot o posiciona acima de seus concorrentes diretos - o diferenciando - sem parecer arrogante. E isso fica marcado na cabeça dos consumidores.

Tudo isso só pra dizer que gostei desse anúncio, que fala bastante com os entusiastas.

Agora imaginem a dificuldade do pessoal de marketing da Kia para posicionar o Soul. Como o carro não pode nem se enquadrar em um segmento (tipo de carroceria) específico, a Kia o chamou de "carro design". Muito vago e sem identidade. Mas isso também fica pra outra ocasião.

PK