
Eu nunca tinha passado tantos dias abaixo de zero. De -6 °C a -20 °C. Como vocês podem imaginar, foi uma passagem de ano bem gelada.
Minha primeira vez na Suécia, no inverno, trouxe várias revelações: do frio, do povo, do país, da experiência de dirigir na neve e até de um motor flex não brasileiro.

A companheira foi uma perua Volvo V50 Flexifuel. Modelo de entrada, era a que estava disponível para esta viagem marcada às pressas. Câmbio manual, tração dianteira apenas, o que me preocupou um pouco no início. O carro vem com uma escova/raspador de gelo (para os vidros) e um cabo pra conectar o carro em postes de alimentação de energia elétrica pra manter a bateria viva em períodos mais longos de inatividade (logo me vem à cabeça como será fácil esse povo se adaptar aos elétricos que precisam de recarga à noite, pois a infraestrutura básica já está lá!). Não gostei muito de encontrar um kit de primeiros socorros no porta-malas...
Nesta foto, percebe-se que a convivência com a neve certamente influencia o design sueco!
O acabamento não chega a ser luxuoso, mas os plásticos são todos macios e bem acabados. O carro tem um design interno bem resolvido com o console "flutuando" com os controles de rádio e ar condicionado e o utilíssimo aquecimento de bancos. Usei muito o cruise control nas monótonas estradas de lá.

O simples ato de entrar, arrumar o banco e espelhos e sair dirigindo não funciona na Suécia. O para-brisa estava cheio de neve. Uma passada do limpador, ruído seco e nada. Quem sabe com o líquido de limpeza (acho que é etilenoglicol)? Após o forte cheiro, melhora, mas ainda não dá pra dirigir. Olho pro raspador de gelo e imagino que não deve ser tão complicado assim... De fato, segundos depois estou pronto pra partir (impressionante como somos ágeis quando estamos morrendo de frio!).

Rodando, a primeira coisa que se nota é o alto ruído de rolamento. Todos os carros rodam com pneus de inverno, com desenho específico para tracionar na neve e tachas nas duas fileiras mais externas. Não consigo nem julgar se o asfalto é bom ou não, não tinha como se notar isso. É barulhento. Eu não sabia, mas estava rodando com E85. Não percebi nada de diferente na partida ou na performance, nem no ruído do motor (para se notar aspereza), que era encoberto pela aspereza do rolamento. A autonomia foi terrível, 350 km e já cheguei quase à reserva. Fez menos de 10 km/l, basicamente em estradas. Dias depois, reabasteci o tanque com gasolina (usei a de 98 octanas), rodei 450 km e ainda não havia chegado à reserva. A diferença de preço do E85 para a gasolina (95 octanas) era de cerca de 10%. Economicamente, não valeria a pena. Mas não notei nenhuma dificuldade de partida com E85.

Dirigir na neve é, no mínimo, divertido. Todo semáforo é um exercício de controle (ou uma brincadeira com o controle de tração), em toda rotatória dá pra soltar a traseira (lembrando que elas são emolduradas por 50 cm de neve, não tem uma boa área de escape), dá pra escrever uma tese sobre o funcionamento do ABS (cheguei a freiar por uns 80 m com o pedal tremendo e o ABS funcionando sem parar em um lugar tranqüilo, brincadeira proposital). Lá ABS e controle de tração são essenciais. Eu estava com passageiros no carro, inclusive crianças, então não era possível brincar muito. Mas foi como a viagem da Porsche que relatei meses atrás, muita diversão a baixa velocidade. Apenas em uma alça de acesso, saindo de uma estrada, não percebi a velocidade e tive realmente que controlar a desgarrada. Fica um tal de asfalto/areia/neve que bagunça todo o comportamento do carro.

Na Suécia, eles não usam sal pra derreter a neve, e sim, areia. O sal, além de deteriorar mais os carros, só é efetivo se a temperatura chegar próxima a zero, o que nem sempre acontece nesse país. A areia, por outro lado, cria situações inusitadas. Após algumas horas de fluxo de carros, a estrada fica limpa e sobra uma faixa de areia entre as faixas de rolamento da estrada. Na hora me lembrou de estradas como a Rio-Santos, em trechos à beira-mar que acumulam areia que a brisa traz... Eventualmente, ao passar por essa faixa, há perda de tração em uma roda e o cruise control se desliga. Novidade pra mim. Eles usam areia até nas calçadas, o que diminui muito o risco de escorregões.
A lei exige que o vidro dianteiro e o traseiro estejam sem neve e sem gelo, assim como os faróis e a placa dianteira. Todas as câmeras de velocidade ou controle de pedágio urbano (em Estocolmo é cobrado) são frontais.

As estradas são limpas, prioritariamente, na faixa da direita. Muitas vezes o asfalto é visível apenas nessa faixa, o que torna a ultrapassagem um desafio à parte. A mudança de asfalto para neve nunca é simples e o carro, a mais de 90 km/h, não anda em linha reta, sempre oscila. A estrada também não ajuda. A E4, que usei mais, é uma sucessão de curvas de 2 ou 3 graus. Chatíssima! Como é feita a raspagem da estrada, não há refletores luminosos (olho de gato) como no Brasil. Às vezes a perda de referência visual é inevitável. A velocidade máxima era 110 km/h nas estradas principais, 90 km/h em trechos urbanos (próximo a Estocolmo) e 70 km/h em estradas secundárias.
Nas estradas secundárias, não é feita essa raspagem profunda, nem há tráfego suficiente pra trazer o asfalto à tona. Aí a condução muda, ficando mais divertida. Em estradas, é a regra de países civilizados. Todos na direita, exceto pra ultrapassar. Mas é menos respeitado que na Alemanha. Como mudar de faixa não é trivial, às vezes uns lerdos ficam empacados na esquerda. Mas ninguém passa pela direita. O limite é respeitado, mas com alguma folga.
O trânsito é bem civilizado, como esperado. Como a conversão à esquerda é possível nos semáforos, é comum, próximo a um cruzamento, o fluxo desviar para a fixa da direita para depois retornar, sempre deixando a faixa da esquerda para quem quiser fazer a conversão. Mesmo que não tenha ninguém.

Os semáforos utilizam o amarelo junto com o vermelho para avisar que o verde está por vir. E quase todos possuem sensores no solo, consegue-se um fluxo contínuo em períodos de baixo movimento.
Pedestre é sempre respeitado. Mas não é bobo. Ele sabe que não adianta enfiar o corpo na frente de um carro que trafega na neve "porque é seu direito". Aguarda a certeza que foi visto e que o carro vai conseguir parar.
Passear com o cachorro é tarefa normal. Ou quase normal.
O povo sueco é bem humorado, apesar dos dias curtos. Conviver com o frio de -10 °C, -20 °C é ruim mas gerenciável. Os dias curtos é que são a pior coisa do inverno sueco. Às 15:00 já estava escurecendo e 15:30 era noite. Horrível.

Se existe algo que se aproxime do socialismo teórico, é a Suécia. A desigualdade é baixa, a ponto de ser desmotivador para quem quer subir na vida. A licença PATERNIDADE é de 2 meses, a maternidade de 1 ano e meio. E esse tempo pode ser trocado entre os pais. Mas raramente o parto não é natural. Cesariana, só em último caso.
Como no resto da Europa, mão de obra é cara e faça-você-mesmo é normal. Construir um novo cômodo, reformar banheiro ou trocar papel de parede, tudo é feito pelo proprietário (assim como limpar a neve!). Nas palavras de um amigo sueco, tudo isso é muito legal, mas o encanador que ajudou na reforma da casa dele também mora em uma casa boa (um pouco mais longe do centro), tem 2 carros como ele (um pouco piores), etc. Tem hora que o stress de trabalhar em uma multinacional, cumprir milhares de metas e lidar com chefes chatos parece não valer a pena perto da vida do amigo encanador. Nada é perfeito.
Eles hoje sofrem com imigrantes que pedem refúgio político. Quando aceitos (muitos são, os suecos parecem um pouco ingênuos nessas situações), recebem ajuda do governo e caso tenham filhos, recebem visto de residentes. Como está havendo abuso, o povo nota e reclama.

Parecem acreditar piamente no aquecimento global como uma verdade absoluta (talvez pela insistente repetição na mídia), mas não souberam explicar motivos pro
White Christmas (Natal com neve). Por vários anos, inclusive no ano passado, a neve chegou apenas em meados de janeiro, neste ano tudo estava branco em meados de dezembro... E como nevou!
Terminando, é interessante notar as preferências locais. Suecos gostam de peruas. Vi muitas, certamente muito acima da média de outros países europeus. E menos SUVs do que eu esperava. As marcas mais freqüentes eram Volvo e Saab, compreensivelmente, seguida de VW e japonesas (principalmente Subarus com seus 4x4). Surpresa foi encontrar picapes americanas (Silverado), Mustangs, até alguns Chryslers. Nenhum Koenigsegg, infelizmente. De carros esportivos, alguns Porsches apenas. Nas bancas, é comum encontrar revistas de muscle cars e vi uma carcaça de um Dodge 68 indo para restauração, em cima de um caminhão-plataforma. Em uma sociedade toda certinha, parece que alguns precisam de uma válvula de escape de muitos cilindros!!!
MM