“Chamai-me Ismael. Faz alguns anos – não importa quantos, precisamente -, tendo na bolsa pouco ou nenhum dinheiro e nada que particularmente me interessasse na terra, achei que devia velejar um pouco e ver a parte de água do mundo. É uma maneira que tenho de afastar o tédio e regular a circulação. Sempre que começo a ficar rígido e austero; sempre que é um escuro e úmido novembro em minha alma; sempre que me vejo parar involuntariamente em frente a casas funerárias, e a seguir todos os cortejos fúnebres que encontro; e especialmente quando minha hipocondria toma tal domínio sobre mim que é preciso um sólido princípio moral para me impedir de sair deliberadamente às ruas socando as pessoas – então acho que está na hora de ir para o mar o mais depressa possível. É o meu substituto para a pistola carregada. Com um floreio filosófico Catão se atira sobre a espada; eu calmamente subo a bordo do navio. Não há nada de surpreendente nisso. Quase todos os homens, qualquer que seja sua classe, uma vez ou outra, compartilham comigo praticamente os mesmos sentimentos para com o oceano.”
O texto acima é o início do livro "Moby Dick", escrito pelo americano Herman Melville em 1851. Melville era ele mesmo um andarilho, um aventureiro, além de escritor, e a introdução de sua obra-prima transparece isso. Particularmente acho Mellville um gênio da pena, e Moby Dick um forte concorrente para o posto de melhor obra literária já criada. Não existe pessoa com um pouco de alma que não sinta uma incomensurável vontade de sair e ver o mundo lá fora, deixando tudo para trás, ao ler o primeiro capítulo desta obra. Um livro épico de conotações bíblicas, uma viagem a um lado negro das obsessões humanas, um questionamento sobre a fronteira entre o bem e o mal. Fora que é escrito com um domínio magistral da língua, é as vezes de um humor irônico genial, e tem todo aquele suspense que nos impede de parar de ler. Como se não bastasse, é um tratado sobre a pesca de baleia no século19. Uma obra-prima imortal.
Mas o que isso tem a ver com os automóveis, tema deste blog? Bem, sempre que leio o início deste livro, substituo em minha mente o mar pela estrada. Sempre que é um úmido e sombrio novembro em minha alma, imagino-me acelerando um carro numa enorme reta que segue até acabar no horizonte. E me sinto melhor.