Um dos componentes mais misteriosos do carburador é o chamado “tubo de emulsão”, popularmente conhecido como “caneta” ou “flauta” em razão de seu formato. Para explicar seu funcionamento, é preciso primeiro entender sua necessidade.
Vamos começar pensando num carburador elementar.

Neste carburador, a bóia regula o nível constante de combustível na exata altura do difusor.
Conforme o ar é aspirado pelo motor através do venturi, sua conformação acelera o fluxo, diminuindo a pressão estática na altura do difusor, o que suga combustível para o ar passante, formando a mistura. O combustível aspirado através do difusor é reposto pela cuba de nível constante, e regulado pela restrição do giclê.
Embora este seja o princípio básico de todos os carburadores, este não serve para alimentar motores, isto porque a curva de aspersão de combustível deste carburador é incompatível com a exigida pelos motores.
Enquanto a proporção de mistura oferecida pelo carburador elementar seja sempre crescente, os motores exigem uma mistura inicial, de marcha lenta, bastante rica, uma mistura de carga intermediária mais pobre para economia, e uma mistura mais rica à plena carga.

Para atender a estes requisitos, todo carburador precisa, em tese, de 3 circuitos, cada um otimizado para cada nível de carga do motor. Entretanto, em alguns carburadores mais simples, o circuito de carga intermediário pode ser calibrado para oferecer a mistura de carga plena.
Para que as necessidades de mistura do motor sejam atendidas, cada circuito precisa de mecanismos de compensação, que tragam a curva do carburador elementar para a mais próxima possível da ideal para o motor.
Ao longo da história do carburador, diversos sistemas de compensação foram propostos, com diversos giclês, poços e ventilações a diferentes pressões, mas nenhum se mostrou tão eficiente e flexível e completo quanto o sistema de tubo de emulsão, patente original da Solex.
O princípio básico do tubo de emulsão pode ser entendido através da sequência de três experimentos.
No experimento A, colocamos um tubo imerso no líquido, e fazemos vácuo na extremidade oposta. Temos apenas a formação de uma coluna de líquido.
No experimento B, instalamos um pequeno tubo capilar, ligado à atmosfera, na lateral do tubo, porém acima no nível do líquido na cuba. O resultado é o aparecimento de grandes bolhas de ar junto com o fluxo de líquido.
Já no experimento C, há uma restrição à entrada do tubo principal, e a conexão com o tubo capilar é feita abaixo do nível do líquido na cuba. Nele observa-se a formação de diminutas bolhas de ar que criam uma espuma densa com o líquido. Esta espuma, uma emulsão de líquido com microbolhas de ar, possui propriedades físicas como inércia e viscosidade diferentes do líquido original. A importância desta alteração veremos mais adiante.

O experimento C foi adaptado e desenvolvido para criar o tubo de emulsão, que é constituído basicamente dos seguintes componentes:

O princípio de funcionamento deste dispositivo é bastante sofisticado, embora não possua uma única peça móvel a não ser combustível e ar.
Conforme o fluxo de ar atravessa o venturi, a pressão estática daquele ponto, menor que a atmosférica, é transmitida ao combustível do poço de emulsão pelo difusor. Estando o ar na entrada do giclê de ar do tubo de emulsão e do combustível na cuba sob pressão atmosférica, estabelecem-se fluxos de ar e combustível através do sistema de emulsão.
O fluxo de ar pelo interior do tubo de emulsão empurra para baixo a coluna de combustível que o preenchia, até que o equilíbrio de pressões seja atingido, e o ar vaze através dos furos capilares na lateral do tubo que ficaram acima do nível da coluna interna de combustível.
Neste ponto, a pressão do ar dentro do tubo de emulsão é intermediário entre a pressão atmosférica e a altura da coluna de combustível, e é função da relação entre a restrição dos furos capilares com a restrição do giclê de ar. Assim, para um mesmo tubo de emulsão, quanto maior o diâmetro do giclê de ar, maior a variação de altura da coluna de combustível no tubo, abrindo mais furos na lateral do tubo, e menor a restrição à entrada de ar atmosférico, arejando mais a emulsão e empobrecendo a mistura. Se usarmos um giclê menor, pelo mesmo raciocínio, enriquecemos a mistura.
O trio formado pelo giclê principal, pelo giclê de ar e pelo tubo de emulsão são projetados para trabalharem em conjunto, de forma a oferecer a curva de mistura mais apropriada ao motor em qualquer circunstância.
Entre profissionais de preparação e reparação existe a cultura de que ajustes de mistura do carburador são resolvidos no giclê principal. Isto pode ser verdade para pequenos ajustes, porém para ajustes mais significativos deva-se equalizar os dois giclês mantendo-se o tubo, e nas transformações mais extremas, trocar os três.
Sem esta prática, o sistema de emulsão perde a curva adequada de compensação, e se cai no velho cenário onde o mecânico acerta um ponto e estraga outro indefinidamente após alguma transformação no motor, sem que ele seja capaz de acertá-la adequadamente.
Esta sensibilidade varia de modelo para modelo de carburador. Há alguns anos, preparadores e proprietários afirmam que o carburador Brosol 3E é melhor para preparação que o seu irmão contemporâneo 2E. O que ninguém diz, provavelmente por desconhecimento técnico, é que o 3E, por diferenças de projeto, é menos às diversas mudanças de giclês a que são submetidos nas transformações que o 2E.
Se o trabalho de recalibração do 2E fosse feita por um especialista em carburação, a correção de mistura poderia ser igual ou superior à do 3E alterado apenas no giclê principal.
O equilíbrio entre os três componentes é ainda mais delicado do que parece. Assim como observado no Experimento C, a emulsão afeta as propriedades físicas do líquido. Quanto mais aerada for a emulsão, menor a inércia e maior a fluidez através dos dutos do carburador. Mas não só isso.
O tubo de emulsão revolucionou os carburadores não só pelo controle mais preciso da progressão da mistura, mas também porque o combustível emulsionado é quebrado no difusor em gotículas mais finas do que na forma líquida contínua, que vai de encontro com a necessidade do motor, que é admitir gotículas de combustível menores tanto quanto possível. Esta nebulização tão fina do combustível não era conseguida por nenhum outro sistema anterior.
Mexer na relação do conjunto emulsionador é mexer no tamanho das gotículas admitidas pelo motor, e consequentemente, a eficiência com que ele consegue queimar combustível. Isto afeta diretamente a potência, a economia e a emissão de poluentes do motor.
Para que o sistema funcione a contento, os furos capilares ao longo do tubo emulsionador devem estar posicionados para que formem a emulsão mais homogênea e estável possível. Para tanto, o diâmetro destes furos é calibrado pensando-se no diâmetro ideal de bolhas de ar, e sua distribuição é tal que as bolhas não se concentrem, e que as formadas pelos furos mais baixos interfiram o mínimo possível com as que se formam nos furos de cima.
Portanto, cada furo do tubo emulsionador tem um diâmetro, uma altura e uma posição radial muito bem determinados. A especificação do desenho do tubo emulsionador é, portanto, o resultado de intenso refinamento da peça através de estudos, simulações e testes práticos em bancada.
Até aqui discutimos aspectos de funcionamento estático do sistema de emulsão, porém há um importante efeito dinâmico associado a ele.
Quando o motorista vem andando com baixa carga, a pressão estática dentro do poço de emulsão é baixa. Se neste estado o motorista pisar rapidamente no acelerador, o fluxo de ar através do venturi aumentará rapidamente, diminuindo rapidamente a pressão estática no poço de emulsão. No entanto, por inércia e por resistências dentro do tubo, a coluna de combustível dentro do tubo de emulsão não desce tão rapidamente, limitando o aumento de aeração do combustível e enriquecendo momentaneamente a mistura.
Se, ao contrário, o motorista desacelera rapidamente a partir de alta carga, pelos mesmos motivos, o nível de combustível demora a subir, aerando violentamente o combustível e empobrecendo a mistura. É o caso da troca de marchas.
Esta é uma característica desejável pelo motor. Porém, para atender às necessidades dele, este atraso deve ser incrementado ao ponto ideal. Para tanto, alguns tubos de emulsão possuem uma extensão inferior maior, além do furo mais baixo, para incrementar os efeitos inerciais da coluna de combustível, enquanto outros usam um restritor inferior para isto, e um terceiro tipo de tubo tira proveito das duas possibilidades.
Além de toda esta versatilidade, o sistema de emulsão é menos sensível às variações de altitude que outros dispositivos, se ressente menos da variação das propriedades do combustível com a variação de sua temperatura, e é simples e barato de ser construído.
Tudo isto contribuiu para que outros fabricantes licenciassem as patentes da Solex, ou criassem alternativas que contornassem os direitos de patente originais. Todo tipo de variação possível foi tentado, incluindo misturá-lo com sistemas mais antigos.
No final, a idéia do sistema de emulsão puro era tão superior, que ela se estabeleceu como norma entre carburadores de todos os portes.
AAD
nota: Texto originalmente produzido para o fórum Car & Audio Brasil, e aqui reproduzido na íntegra.