Não sei se aconteceu já com vocês, mas às vezes ler sobre carros me deprime.
Ler sobre viagens exóticas em superesportivos, sobre novos Ferraris e velhos Porsches, sobre os grandes ícones do mundo automotivo, toda esta orgia de prazer, alumínio e comandos múltiplos, era uma coisa muito boa na adolescência. Nesta época, tudo é possível e o futuro é um livro com as páginas em branco que podemos escrever na maneira que quisermos. “Um Homem quando sonha é Deus, quando pondera é um mendigo”.
Mas chega uma hora na vida de todo mundo em que se percebe que, muito provavelmente, não teremos aquela garagem de 20 Porsches diversos. Afinal de contas, não é todo mundo que nasceu para ser o Ferdinand Piëch, ou mesmo ser desonesto o suficiente para se tornar deputado ou senador no Brasil... Não, o fato é que a maioria de nós não tem condições de comprar um Porschezinho sequer. A classe média deste país, principalmente, é ocupada demais sustentando os governantes e suas cortes para gastar dinheiro consigo mesma.
E como ficamos então, nós, os sem-Porsche? Estaremos fadados a uma vida insignificante e xexelenta? Seremos privados nós de todos os prazeres automotivos e relegados à privada da mobilidade? Se não ousamos mais sonhar, seremos então mendigos?
É claro que não. Existem pessoas como o AG que podem criar coisas tão legais como um Opaloito, pelo preço de um carro pequeno zero-km. Um Opaloito 350-cid de 300 cv pode não ser algo para todo mundo, e passa longe de ser controlável como um carro esporte moderno, mas é uma coisa que dá o sabor do poder supremo para quem não é milionário. Se você, como eu, tem um lugar guardado no peito para o Opala, ainda é possível, com paciência e dedicação, fazer um carro divertidíssimo. Dou o exemplo do Morcego Negro, sobre o qual já falamos
aqui: um carro de aproximadamente 180 cv e pesando 1.150 kg em ordem de marcha, e que custou apenas 18 mil reais para se fazer, com todos os parafusinhos e presilhinhas e parafusetas inclusas neste valor. E tão belo e malvado que murcha as flores a sua passagem, espanta cachorrinhos, e manda crianças correndo para a saia de suas respectivas mamães!
Para quem não pode ou não quer ter mais de um carro, e/ou prefere algo moderno, existem várias opções. Um Peugeot 206 1.6 16V é algo incrivelmente veloz, estável, e é uma delícia para dirigir. O Ford Focus de primeira geração também é ótimo, principalmente com o genial Duratec, e já o defini como o meu
Santo Graal pessoal. O Arnaldo Keller já nos contou aqui como adorou o
Clio 1.0. Todos estes carros são realmente ótimos para dirigir, e no mundo em que vivemos, cheio de radares e multas, são muito mais do que suficientes. E com preços baixíssimos no mercado de usados.
Mas é claro que, para ter prazer com estes carros, você tem que se desprender da vaidade pessoal, e isto é muito difícil. Mas se você gosta de carro e não tem dinheiro, vai ter que fazer alguns ajustes. Eu consegui me livrar disto faz muito tempo, e sou mais feliz assim. Lembre-se sempre que um carro deve satisfazer a você, e não seus amigos, vizinhos e cunhados. Afinal, quem pagou por ele foi você, e quem tem que viver com ele é você... Meio como sua esposa ou namorada: é melhor o pessoal não saber como ela é entre quatro paredes; pode despertar um interesse desnecessário.
Existem também os importados com mais de 10 anos. A lista é tentadora, e vai de BMW’s série 5 e Audi S6 até Lexus e Mitsubishis. Eu mesmo, acho que todos já sabem, desde ano passado ando com um velho Nissan do ano de 1995, que é muito feio (e uma banheira imensa), mas tem um delicioso V-6 de alumínio que pensa que é um Ferrari. É a primeira aparição, no primeiro ano, do V-6 “VQ” da Nissan, um motor moderno que ainda hoje é usado em vários carros da empresa, inclusive no 370Z e no GT-R. Além disso, a traquitana tem câmbio manual (raro), ar condicionado que funciona bem, bancos em couro cinza, som original bem razoável, freios a disco nas quatro rodas com ABS, e um gigantesco filtro K&N na admissão. Paguei apenas 8 mil reais nele, e no total, hoje, com um ano de uso e vários consertos, me custou coisa de 11 mil reais, preço de compra incluso. Isto para um carro que, segundo a Car and Driver americana, é capaz de fazer 0-60 mph (96,5 km/h) em 6,5 segundos.

Mas não é um caminho que aconselho. Eu preciso de um carro para andar todo dia (quem não precisa neste país?), e ando realmente com as finanças apertadas, portanto não há um dia que passe que não imagine o que pode acontecer se algo realmente sério acontecer com esse exótico motor, por exemplo. Mecânicos que sabem mexer nele são raros, e eu agora tento fazer tudo que posso eu mesmo. Achar peças é sempre estressante: nunca fiquei com ele muito tempo em oficina esperando peça, mas uma hora destas... Vai acontecer, é uma questão de tempo.
Carro velho para uso diário é possível, mas não agradável. Toda hora a jaca resolve fazer um barulho novo, e de novo minha gastrite ataca com a possibilidade de mais gastos inesperados. Tudo que apareceu até agora foi fácil de resolver, mas sempre tenho que fazer algo. Quando se resolve uma coisa, aparece outra, uma chateação. Bom mesmo é um carro novo e confiável feito o Focus de minha esposa...
Mas o danado do Nissan é uma delícia de acelerar. E para não acharem que sou parcial, deixo alguns amigos que já o dirigiram contarem o que acham dele, e assim dar uma perspectiva real para vocês do que é se aventurar por este caminho de pouco dinheiro, perturbações constantes, mas prazeres intensos. Divirtam-se:
Juvenal Jorge
O MAO me entregou as chaves da banheira japonesa, mais respeitosamente conhecida como Cruzador Imperial Yamato. De fato, é um carro nada bonito, realçado por uma cor azul – cinza – preto indefinível, e rodas de aço pretas de impacto visual positivo nulo. Ou seja, com essa roda ou sem nenhuma, a beleza é a mesma.
Mas aí ligamos o transversal lá na frente, 3 litros funfantes e aspirantes através de um K&N espertamente montado para melhorar o que as fábricas fazem de mal-feito, que é matar ao máximo o ruído de aspiração de ar, que é algo divino de ser ouvido. Mas fazer o que, o povão prefere ouvir o rádio, não é mesmo?
Engatamos a primeira em uma alavanca curta mas que não requer muito esforço, os engates são bons, e aceleramos. Como saio bem devagar, não impressiona, mas depois de uns minutos para ajustar minhas partes móveis ao carro, uma acelerada mais forte faz o pescoço trabalhar para segurar a cabeça sobre ele.
O japonês é disposto mesmo, apesar dos 14 anos de uso e aparentemente, nenhum excessivo zelo, apenas um pouco de cuidados, refletidos no bom estado geral do carro.
Freia bem, como acelera, o que dá um conjunto bacana, e não chacoalha muito não, tem um conforto sobre pisos ruins bem apreciável.
Como o ponto aqui não é uma avaliação completa, coloco apenas mais um detalhe que não me agrada, e que era característica desse Maxima e do Accord de mesmo ano. Ambos são muito baixos para nossas valetas e lombadas, raspando fácil. E isso me desagrada brutalmente em qualquer carro.
Só que aí o problema não é o carro, são as ruas.
JJ
Rafael Tedesco
(o RT, que deve seu codinome a um certo Charger eternamente em reforma (além suas iniciais, é claro), é um grande amigo deste Blog, mas ainda não conseguiu contribuir. Espero que, depois desta pequena “participação especial”, ele se anime!)
O motor urra furioso pela admissão, que assusta motorista, passageiros e pedestres. O K&N aspira tanto ar, mas tanto ar, que certa vez aspirou um inocente Ford Ka numa acelerada de saída de semáforo. O Ka foi cuspido pelo escapamento um pouco chamuscado, mas sem maiores danos.
Piadas a parte, o motor vale o passeio. O Maxima em geral é um velho jap-car, com suas características um tanto pobres da época: controles do ar condicionado horizontal, tamanho minúsculo dos botões do radio, posição péssima de dirigir (desenhado para japoneses de pernas curtas e braços longos, sem ajuste telescópico na coluna de direção), enfim, tem tudo o que você precisa, e nada alem disso, e nada surpreende. Exceto o motor, incompatível para o jeitão do carro, tem muito mais motor do que você espera num banheirão desses.
Marchas longas, e fortes. Esticar a segunda dentro de SP, mesmo numa avenida larga, é um tanto perigoso (120 km/h ou mais), e faz o motorista borrar o fraldão geriátrico ao engatar terceira e sentir que o carro continua acelerando como se não houvesse amanhã. Não engatei 4a ou 5a, o fraldão já estava no limite para mais abusos.
RT
Bill Egan
Poucos carros nessa vida nos fazem pensar duas vezes quando experimentados pelo assento do banco do passageiro. Ainda mais quando você, no dia de ir buscar o carro na casa de seu antigo dono, se prepara para um treasure hunt daqueles, com pás, galochas, e capacete de minerador. Pelo preço, o estado do carro prometia muito menos. Knee deep in mud, to be precise.
Andei na banheira no dia da descoberta, e entendi o porquê de certos círculos adorarem o velho VQ. Heck, até a minha mulher falou que pagaria o preço do velhinho se o MAO não fechasse na hora. Na semana seguinte, pude provar ao velho Marco o que constatei no dia da busca, que o banco do carona anda mais rápido, como se dois cronômetros ligados ao mesmo tempo, um na mão do motorista, e o outro no passageiro, depois de algumas quadras, registrassem coisa de minutos de diferença. Power corrupts, and I´m very corruptible.
Mas um motor só não faz um carro, e o velho Maxima segue a velha máxima de que nem tudo é perfeito. Anexo àquele V6 DOHC que jura que noutra encarnação esteve atrás dos bancos de um Dino 246, há uma triste imagem de um japonês velho e cansado. Sim, inteiro, saudável, limpo por dentro (anos de soja e peixe cru, sabem como é...), mas já marcado pela idade no lado de fora. E a questão nem é só a imagem, é o volante ruim, sem regulagem de profundidade, que só dá algum feedback quando é pra dizer que tá difícil de conseguir tração, a alavanca de marchas pesada, e o fato de ser um soul-less bastard. Mas acho que isso faz parte da mágica. MAO, me dê as chaves dele por um mês. Eu quero ver se encontro alguma alma ainda naquele velho corpo ligado naquele forte coração. Maxima´s a bitch, and I wanna spank her.
BE
Paulo Keller
Nos bastidores do blog falamos muito sobre a falta de alma dos carros "lava-louças" feitos pelos japas. É claro que existem muitas exceções como Supra, Honda NSX, Subaru Impreza, Mitsubishi 3000GT, Nissan Z, Mazda Miata e muitos outros. Esses aí tem alguma alma, mas no geral os japas não são desejáveis pela emoção e sim pela razão. Mas como nosso entusiasmo não é racional acabamos preferindo algo mais carnal e com muitas polegadas cúbicas.
O MAO levantou um ponto muito importante sobre como podemos sobreviver nesse mundo, cheio de desejos, a maioria inatingíveis, e encontrarmos felicidade mesmo nas pequenas coisas. Nesse ponto, de certa forma, eu "invejo" o MAO e outros autoentusiastas que conseguem esse tipo de realização. Eu ainda não passei do campo dos sonhos, mas logo terei o meu Charger.
Outro dia fiz uma visita ao MAO inicialmente para avaliarmos um Opaloito a 8 mãos. Mas infelizmente acabou não dando certo. Então o MAO gentilmente me convidou para experimentar "a" Maxima (como ele gosta de chamá-la). Ele usa esse japa todos os dias e deve sentir um imenso prazer ao transitar com a "barca" com todo seu desprendimento e uma sensação de superioridade incompreendida por quem o observa de cima de seus SUVs coreanos pagos a prestação que tentam nos dizer que são bem sucedidos. É, um cara que dirige um V6 noventa e pouco, que custou 8 mil reais e se sente muito bem fazendo isso é de fato superior aos que acham que possuir um carro é uma demonstração de status. Na verdade ele queria dividir comigo esse prazer entusiasta.
É claro que aceitei de pronto! Ao entrarmos no carro ele me falou o ano, o motor, a potência, os dados de performance e mais um monte de coisas. Como eu estava relaxado e descontraído me dediquei mais a experiência de dirigir o Máxima. Esqueci quase tudo que ele me falou e registrei apenas o necessário. Motor V-6, tração dianteira, uns 15 anos de uso, bom estado, excelente performance e 8 mil reais.
Logo ao sairmos reparei no ruído do motor. Achei estranho por ser diferente, incompatível com minha expectativa, mas gostei. O MAO logo explicou que se tratava de um "Cayenne". Vocês sabem que não dá pra entender de todos os assuntos. Então fiquei na minha pensando no que a Porsche teria a ver com esse barulho. Andamos mais um pouco e na conversa entendi que se tratava do filtro de ar, daqueles utilizados pelos "tuneiros". Legal, menos restrição igual a uns cavalinhos a mais.
Pegamos um avenidão e deu para habilitar o "modo binário" de direção. Ou seja, pé direito atuando em apenas duas posições, aceleração máxima ou marcha-lenta. Com uma excelente caixa manual, as passagens de primeira para segunda e segunda para terceira e eventualmente para quarta foram muito divertidas e rápidas. O V-6 fala forte e é muito elástico. Me fez pensar em fazer um comparativo meio maluco, tipo aqueles que o Top Gear adora, desse Maxima com um BMW, ou até um 911 mais antigo. A idéia seria mostrar como um "carro lava-louças" pode ser tão divertido, ou mais, que outros carros mais desejáveis. Logo entendi o entusiasmo que o MAO transmite a falar do Maxima.
Isso prova uma outra teoria que discutimos muito em nosso grupo e que embora não chegamos a um consenso entre todos eu estou do lado daqueles que acreditam nela. Carros tem alma, mas essa alma pode ser mais ou menos entusiasta dependendo do seu dono. No caso do Maxima do MAO, além de alma, tem até personalidade.
PK