google.com, pub-3521758178363208, DIRECT, f08c47fec0942fa0 AUTOentusiastas Classic (2008-2014)
No início dos anos 90 eu era um pré-adolescente que só pensava em duas coisas: mulheres e carros (e vice-versa). Já estava iniciado naquela rotina matinal de terminar o café da manhã antes da irmã caçula e ir para a garagem com a chave do carro na mão, com o argumento de "esquentar o motor do carro".

Era minha mãe que nos levava para a escola e, se não incentivava a prática, ao menos não proibia. Meu pai torcia o nariz, com medo de eu sumir com o carro, mas era um medo infundado. Até então, essa era a minha única prática automobilística. Nem mesmo manobrar o carro eu podia, apesar de já dominar por completo os comandos do carro. Aos 11 anos de idade eu já tinha 1m68 de altura, o que ajudava bastante.

De resto, apenas a teoria: Motor 3 (que já não era mais publicada, mas ganhei a coleção completa de um tio) e todo mês um casal de Quatro Rodas e Oficina Mecânica. Ajudava muito o fato de ter um tio e um primo jornaleiros: nem bem as revistas esfriavam na banca e as duas já estavam separadas para que eu as buscasse na volta da escola.


Como muitos já devem ter percebido, sou uma pessoa que gosta de filosofar. E tenho feito muito disso nas semanas que antecederam o dia de hoje. Não é todo dia que se completa 40 anos, uma idade que é emblemática da entrada de outra fase em nossas vidas, a da meia idade.

E tenho pensado muito sobre o significado de tudo, se valeu a pena, o que vem pela frente. E pensado muito sobre carros de uma maneira abrangente, sobre o que realmente quero deles, em que eles podem ajudar para que os próximos 70 anos sejam tão bons quanto os últimos 40.

Por coincidência, ando com aquele claro sentimento de que é hora de trocar um dos carros da garagem. Vocês conhecem este sentimento, ele vem sei lá de onde, mas como uma onda nos empurra a pensar no assunto, elucubrar, procurar anúncios na internet, e, finalmente, gastar uma quantidade enorme de dinheiro (que na maioria das vezes nem se tem) e colocar algo novo, ou diferente, na garagem.

A maioria das pessoas procura justificativas lógicas para este sentimento totalmente emocional e irracional. Me divirto muito com isso. Engraçado como a maioria das pessoas reclama de custo de manutenção, consumo, depreciação, e um monte de outros argumentos que na verdade escondem a realidade: desejo. Incontrolável, irrefutável, lascivo desejo.

Desejo de mudar algo, de experimentar algo novo, de mostrar ao mundo seu sucesso profissional, de provar a si mesmo que você pode, de mover algo na vida adiante. Não importa qual o desejo que se tem por um automóvel, todos são válidos, e é o que move uma indústria multimilionária para adiante.

E há também a questão da imagem. Um carro, quer você queira quer não, passa uma imagem de você para o mundo. E, querendo ou não, você se preocupa com isso. Nem que seja para passar a imagem de que você não se preocupa com imagem.

Tem gente que quer fazer parte de uma turma, um grupo, e para isso deve ter um carro de certa marca ou tipo. Tem gente que quer passar a imagem de conhecedor, escolhendo algo raro e exótico aos olhos treinados. Tem gente que quer simplesmente chamar a atenção para si. Tem gente que quer apenas parecer rico. Tem gente que apenas gosta de juntar coisas, e estende esse tipo de comportamento aos automóveis, colecionando-os compulsivamente. Tem gente que quer ser o mais veloz de todos, sendo reconhecido como um ás do volante que não tem medo de nada.

Eu já fiz disso tudo. Já tive hot rods espalhafatosos para aparecer, já tive caros carros zero que, pelo menos onde vivia, me fizeram parecer rico (tudo é relativo). O mesmo hot rod me fez parte de clubes, e já tive também carros diferentes entendidos apenas por um pequeno grupo de amigos que aprovavam-no como algo fino e exótico. E sempre dirigi meus carros competitivamente, gozando da fama de pé pesado. Já comecei uma coleção de Chevrolets nacionais, que apesar de modesta, prometia muito.

Mas, tirando todos este fatos externos à real experiência de ter e dirigir um automóvel, o que realmente importa? Essa é uma dúvida que começou a me assolar há algumas semanas, sabe-se lá saída de onde. O que me move, o que é que faz a experiência de propriedade de um automóvel realmente importante e memorável? Essa dúvida se tornou quase uma obsessão para mim. Se eu pretendo ser feliz com os automóveis no resto de minha vida, já é hora de saber a resposta.

Como sempre faço, procurei a resposta no passado. Dos carros que já tive, entre os realmente lembrados, os memoráveis, o que tem eles de comum? Qual é a linha que os liga, o padrão sagrado da felicidade automotiva que os une? Será que existe algum ou é algo que vem apenas da emoção, um daqueles sentimentos do fundo da alma que ninguém explica ou entende, e que portanto seriam impossíveis de repetir senão por um acaso do destino?

Felizmente tal padrão existe, incrivelmente claro, no meu gosto por carros. Antes de dividir estes gostos com vocês, no sentido de evitar revoltas e inundação de hate-mail, tenham em mente que é o que é importante PARA MIM. Como já disse, isso é apenas uma jornada de auto-conhecimento, e não uma busca de certos ou errados definitivos. O que seriam dos Camaros se todos quisessem Mustangs?

Em primeiro lugar, descobri que gosto de ter apenas um carro, que sirva para tudo. Claro que ter um ou outro brinquedo na garagem é bom e melhora a saúde, mas são irrelevantes para minha felicidade. Não, em primeiro lugar o meu carro precisa ser o que sempre uso. Aquele que reconhecem estacionado na porta de qualquer lugar, aquele que é quase indissociável de você mesmo. Aquele com o qual eu viajo, faço compras, vou à praia, ao sítio de meu pai, e ainda assim ele arruma tempo para me divertir sempre que pode. Um companheiro, um amigo, uma alma gêmea, algo que seja uma alegria sempre que nos preparemos para ir para casa juntos. Aquele carro que nos provoca aquele sorrisinho tímido mas revelador no canto da boca quando vamos nos aproximando dele, naquela viela escura onde ele ficou nos esperando o dia todo, pacientemente. Uma extensão de quatro rodas de seu próprio corpo.

Depois, noto como padrão que aparência não importa para gostar de um carro. Meio que como consequência disso, vejo aqui não como algo intencional, mas meio como um acidente, que todos os carros que realmente gostei de ter eram a negação do automóvel como símbolo de sucesso pessoal do dono. São carros largamente ignorados como transporte apenas por quase todo mundo, coisa barata, reles, xinfrim mesmo. De qualquer forma, voltando à aparência, acho qualquer carro bonito se é bom (realmente bom) para dirigir. Admiro a beleza de um Jaguar XK-E de primeira série, por exemplo, mas da mesma forma que fiquei embasbacado vendo a Vênus de Milo ao vivo. Não preciso dirigir a Vênus de Milo por aí para gostar dela. E acho que também, passada a longa adolescência que tive, tenho gostado cada vez mais de não chamar a atenção para mim através do de meu carro.

O terceiro padrão é a confiabilidade absoluta. Existe algo em carros que aceitam qualquer punição, por anos a fio, e não pedem nada em troca. Eu simplesmente adoro carros em que o capô praticamente nunca precisa ser aberto. Esta é uma confissão difícil para alguém que adora a simplicidade dos carros mais antigos e espartanos, alguém que vive apregoando que carros têm que ter personalidade e história, alguém que despreza a ignorância mecânica da população. Mas tal coisa é inevitável quando se propõe a conhecer mais de si mesmo; e o fato é que este é mais um padrão. Eu gosto de usar sem dó e nunca fazer nada pelo pobre do meu carro, e provavelmente quando selarem o capô finalmente (como é o futuro inevitável), vou chiar aqui no blog, mas na realidade nem perceber a diferença.

Finalmente, algo que é indispensável para mim é o comportamento. Um carro deve se mover com agilidade, fazer curvas apontando a frente para dentro delas com vontade. Tem que ter direção precisa, com o peso correto, e comunicativa. Tem que ser um parceiro entusiasmado para se dirigi-lo como se tivéssemos acabado de roubá-lo. Tem que ter um acelerador comunicativo, e seu comportamento em curva tem que depender deste pedal também. Tem que ser um carro fácil de andar rápido, um carro melhor que seu dono, que não é lá nenhum Senna (nem Fisichella, by the way) mas que adora viagens a velocidades realmente altas. Eu gosto de andar rápido, e preciso de um carro que goste disso também.

O mais estranho é que o motor é irrelevante para mim. Antes de começar este incrível exercício, se alguém me dissesse tal coisa, ia achar um absurdo, pois adoro ler, saber, e já gostei muito de mexer em motores. Se é potente ou não, se é econômico ou não, se vibra ou não... é totalmente irrelevante. Precisa apenas ser um companheiro fiel, alguém disposto a despejar toda sua potência sempre que se vire a chave, não importando se esta potencia for 40 ou 400 cv. Amazing...

Descobri isso com meu atual carro, um Nissan Maxima 95. Ele deve fazer o 0-100 km/h em 6,5 segundos, de acordo com a C&D americana, e parece ser até mais rápido que isso. O motor é uma delícia, um V-6 DOHC de alumínio suave, liso, mas violento e girador, que quando berra parece o grito de acasalamento de um Ferrari macho adulto. Mas o carro atende a poucos dos critérios acima, e então...descobri o porquê de minha relativa infelicidade ao andar com ele.

Para quem ficou curioso sobre os carros que realmente foram memoráveis para mim: Chevette, Pampa e Ford Focus.

Sobre o Chevette, é interessante lembrar que, três anos atrás, já mostrando traços de uma busca ao Santo Graal automotivo, resolvi comprar um Chevette. Tinha tido quatro deles anteriormente, mas todos comprados zero-km ou semi-novos, nos anos 80/90. Foi uma experiência fracassada, pelo simples fato de que o carro nem chegava perto da confiabilidade que me lembrava. Idade faz diferença.

Sendo assim, só me resta uma coisa a fazer. Encontrar um belo Focus Ghia hatch de primeira geração. De bônus, além das coisas que me importam explanadas aqui, ainda levo um motor genial, potente o suficiente para me proporcionar uma grande morte gloriosa em uma bola de fogo inesquecível, e a melhor ergonomia, e o melhor volante, que já experimentei.

Achei meu Santo Graal. Não podia estar mais feliz e tranquilo.

“Buscar o amor é bom, melhor é achá-lo.”
(Olívia, em “Noite de Reis” – W. Shakespeare, 1599)

MAO


Honda Civic Si


Muito eu já lera e ouvira falar do Civic Si, só elogios, mas ainda não o havia guiado. A curiosidade ficou latente, até que certo dia um deles passou por mim esticando uma segunda com uma saúde de arrepiar. Falei, Êpa! Péraí! Esse tróço é forte. Preciso guiá-lo.

Dali a poucos dias a Honda deixou um em casa para um teste de uma semana.

As molas são mais fortes, os amortecedores têm 40% mais de atuação e as barras estabilizadoras são mais grossas, então, como era de se esperar ele é bem mais firminho que o Civic normal. Como ele é um esportivo, tudo bem, e creio que ele está no limite do conforto para se andar em uma cidade bombardeada como São Paulo; mas que dá um pouco de dó, dá. Até os pequeninos olhos de gato sentimos no volante. Pneus Michelin R17 com 33 libras nos quatro.

Porém o preço dessa maior dureza é amplamente recompensado quando pegamos uma boa estrada.

Hoje acordei cedinho, 5 da matina, acordei minha mulher e viemos pra fazenda, aqui em Pirassununga, a 220 km de SP. Em vez da Bandeirantes, saí pela Anhanguera, pois suas curvas são mais gostosas. Sempre que faço isso, com os horizontes se abrindo e o lindo e límpido céu se descortinando, tenho a sensação do final do filme Blade Runner, quando o camarada pega a morena robô linda pra burro e se manda numa nave daquela cidade soturna.

E... bah! Como anda esse Si! Como faz curvas! Nesse acerto de suspensão foi tirada grande parte da tendência de sair de frente que o Civic normal tem. Este é quase neutro. Neutro e rápido, imediato, agarradinho. Sua distribuição de peso sobre os eixos, quando só com o motorista, é de 62% na dianteira, o que é o usual para carros com essa configuração, mas o seu acerto, principalmente de barras, creio, o deixa quase neutro – uma tiradinha de pé já traz sua traseira pra fora. Pesei-o e ele pesou 1.250 kg com meio tanque de gasolina (só usa gasosa).

O motor, então, é empolgante. Quando atinge 5.800 rpm – que é quando os já bons motores comuns começam a abrir o bico – é que ele estilinga de verdade. Parece que mais outro motor entra, pois a 5.800 é quando o comando de válvulas variável varia para o seu lado bravo e o coletor de admissão encurta. E daí ele passa fácil das 8.000 rpm. Potência máxima: 193 cv a 7.800 rpm. Corte de ignição a 8.400 rpm.

E não pensem que em baixa ele é xoxo. Ao contrário, em baixa ele é um monstrinho também, tanto que na cidade passei a pular uma marcha nas cambiadas. De 1a ia pra 3a e depois para 5a, e assim por diante, de tanto torque disponível. Na verdade, é tanto torque, e o funcionamento tão suave e liso, que esse é daqueles carros em que, se estivemos meio desligados, nem sabemos direito em que marcha estamos, já que ele anda bem e responde de qualquer jeito. E são 6 marchas + ré.

Fiz uns filminhos que ficaram meio marretas, já que o primo Paulo não estava lá pra fazer a parte dele e me virei sozinho.


Cinquenta anos! Em agosto de 1959 o primeiro Volvo, um PV 544, era vendido com o primeiro cinto de segurança de três pontos como conhecemos agora. Havia cintos de segurança antes, mas nada que pudesse proteger os pasageiros como o novo cinto de três pontos de Volvo. O engenheiro Nils Bohlin tinha trabalhado com bancos ejetáveis de aviões antes de trabalhar para a Volvo e conhecia muito bem as forças que acontecem em um acidente, e como se poderia proteger o corpo. E até agora todos cintos são do mesmo sistema, mas com mais sofisticação, como carretel de enrolamento e pré-tensionadores para manter o corpo bem seguro junto ao banco antes do impacto.

Isso é interesante porque até hoje tem muita gente que ainda não quer entender a importância do cinto. Em eventos aqui na Suécia há um equipamento de teste no qual qualquer pessoa pode se sentar, colocar o cinto, mover-se a até 7 km/h e o banco parar repentinamente. A força é grande e dá um bom susto. Se você não tem acesso a esse teste faça o seguinte: fique em pé, normalmente, solte o corpo como se fosse cair para a frente sem movimento dos pés ou joelhos. E quando a cabeça chegar perto do chão, se salve com os mãos... nesse teste, a cabeça se aproxima do chão a uns 10 km/h. Fácil, não?

Sabendo de tudo isso, fui à praia no litoral ao sul de Natal, Rio Grande do Norte. Com esposa, criança e bagagem e um Chevrolet Celta. Na locadora perguntara se havia banco para criança de 2 anos. Não havia. Como tinha muita bagagem, reclinei o encosto do banco de trás para colocar as malas, e na frente minha esposa com a menina no colo segurando-a bem e eu dirigindo com muito cuidado, pensando que não era tão longe do apartamento onde íamos ficar. Depois iria levar tudo para dentro do quarto e colocaria a família no jeito mais normal e seguro, pelo menos com a menina por cima de um colchão lá atrás usando o cinto normal (na Suécia, todas as crianças, todas, ficam no carro viradas para trás, em um banco especial, tudo bem preso e seguro.)

Saí dirigindo e, numa rua, cheguei a um controle policial!
- Bom dia.
- Bom dia, senhor.
- Posso ver a carteira?
- Aqui, favor, é tudo em sueco mas lá atrás pode ver que classe B é carro normal e a data de validade está ok.
- Ok, muito bom. Mas por que a criança está na frente? Não pode, não.
- Sei que não é bom, mas com muita bagagem pensei que seria melhor deitar o banco e colocar tudo lá atrás.
- Mas não pode, não, isso dá multa de...cento e trinta e sete reais.

Que sorte que não é mais caro, mas mostrando uma cara bem infeliz.


- A menina na frente, é esse é o problema?
- Certo, criança tem que ficar no banco de trás.
- Com cadeira apropriada, com cintos e tudo?
- Não, não, só lá atrás.
- Solta?
- Sem problema.

O solução foi eu colocar bastante bagagem na frente, no banco direito, deixando a esposa com a menina, ainda no colo, atrás. E, para minha grande surpresa, o policial falou que tudo bem, que eu não seria multado. "Não queremos estragar as férias de vocês."

Momentos antes pensei em educar o policial sobre segurança de passageiros de carro, mas, pesando melhor, achei que devia ser melhor só falar "sim, sim" e explicar que não sou daqui...