
A pátina, na definição de Antônio Houaiss, pode ser a oxidação que surge sobre certos metais, revestimentos, monumentos ou qualquer coisa que fique exposta à ação do tempo, da luz e das intempéries. Modifica o aspecto, confere personalidade e implicita fatos, histórias e momentos.
Mas a pátina a que me refiro é a do sentido figurado: o puro e simples envelhecimento próprio das coisas antigas. Falo do envelhecimento natural do automóvel e de todos os fatores que contribuem para que cada um deles seja único, dotado de sua própria personalidade, ainda que tenha sido produzido aos milhões.
Vamos aos fatos: há dez anos sou o feliz proprietário de um automóvel fabricado em 1996 e que durante todo esse período de tempo só me trouxe felicidades. De domingo a domingo, é o carro de uso da família, para ir ao trabalho, pegar criança na escola e fazer compras. Com 13 anos nas costas, está naquela "faixa etária" automobilística em que não é novo, nem antigo. É simplesmente um carro velho, que não vale grande coisa, mas que não está a venda por valor nenhum, pelo enorme sorriso besta e matinal que me provoca na primeira partida do dia.
Mesmo sendo velho, chama a atenção por onde passa. Entusiastas ou não, todos me cumprimentam pelo "excelente estado de conservação" em que o carro se encontra, ainda que eu nada tenha feito de especial para isso. Tudo o que faço é cuidar da manutenção do carro, que está sempre em dia. Cuidados básicos, que deveriam ser a regra de qualquer proprietário, mas que na realidade são uma exceção reservada aos entusiastas. Não lavo, não encero e não me preocupo com perfumarias.
De vez em quando aparece um chato metido a "juiz de encontro de carros antigos" e fala que o carro não está tão bonito assim. E começa a numerar os "defeitos" do meu carro: a pintura da saia lateral esquerda gasta; os limpadores de pára-brisa oxidados, quase enferrujados; o carpete do porta-malas irremediavelmente queimado e derretido no lado esquerdo; a manopla do câmbio enferrujada; a mossa discreta acima do pára-lama dianteiro esquerdo, e para terminar, a pintura do teto queimada e fosca.
Geralmente o chato é um não-entusiasta mal educado, que é prontamente despachado com uma resposta igualmente mal-educada. Quem gosta de carro sabe que não existe nada mais chato do que alguém que fica tecendo comentários depreciativos sobre o carro dos outros. Em poucas palavras, o carro é meu e me reservo o direito de deixar o carro da maneira que achar mais conveniente. Não é preciso gostar de carros para perceber que é tênue a linha que separa o comentário inocente da observação maldosa e geralmente invejosa.
O que eu nunca vou dizer ao chatão (mas digo a vocês) é que cada detalhe tem uma história e me faz lembrar de grandes momentos que passei ao lado desse carro: a pintura da saia lateral esquerda vai continuar gasta, para que eu nunca me esqueça de que este carro é indestrutível e aceita numa boa o raspar da barra da calça do entra-e-sai diário. A mossa no pára-lama dianteiro esquerdo foi causada por uma ex-namorada afoita, que quis a qualquer custo namorar onde não devia. E a manopla de câmbio enferrujada é quase um troféu, tendo uma história própria, extensa demais para ser aqui relatada.
A oxidação dos limpadores de pára-brisa (pela maresia) e a pintura fosca do teto (pelo atrito da capa da prancha de surfe) me traz a tona todas as 986 praias que já visitei, com ondas e amores em que o carro foi a única testemunha. O carpete do porta-malas queimado foi vítima de um abafador defeituoso e 9 horas de pé direito pregado no assoalho, numa viagem maravilhosa até Florianópolis, tão inesquecível quanto a multa de R$ 574,00 que valeu cada centavo.
Daqui a 20 anos, pode ser que meu carro seja visto em um encontro de automóveis antigos, com outros detalhes, cada um com uma história para contar. Provavelmente vai ficar em último lugar, perdendo para automóveis que ficaram trancados durante 30 anos, com proprietários que não terão uma história sequer para contar sobre o que fizeram com seus automóveis durante todo esse tempo.
Só não admito a agressão alheia, geralmente os riscos e amassadinhos causados por pessoas mal-educadas, nos estacionamentos da vida. Essas são más lembranças, que o funileiro resolve num passe de mágica.
Os outros detalhes ficam, como as incontáveis cicatrizes em minhas canelas, que denunciam uma infância feliz e muito bem vivida. Minha vida é curta demais para manter este carro em cima de 4 cavaletes, de tal forma que prefiro vivê-la, explorá-la e provocá-la sobre 4 rodas que rodam, diariamente. E que ainda vai render muita história a ser contada, graças à pátina que modifica o aspecto, confere personalidade e implicita fatos, histórias e momentos que fazem do meu carro o único exemplar de sua espécie.
FB

Mas a pátina a que me refiro é a do sentido figurado: o puro e simples envelhecimento próprio das coisas antigas. Falo do envelhecimento natural do automóvel e de todos os fatores que contribuem para que cada um deles seja único, dotado de sua própria personalidade, ainda que tenha sido produzido aos milhões.
Vamos aos fatos: há dez anos sou o feliz proprietário de um automóvel fabricado em 1996 e que durante todo esse período de tempo só me trouxe felicidades. De domingo a domingo, é o carro de uso da família, para ir ao trabalho, pegar criança na escola e fazer compras. Com 13 anos nas costas, está naquela "faixa etária" automobilística em que não é novo, nem antigo. É simplesmente um carro velho, que não vale grande coisa, mas que não está a venda por valor nenhum, pelo enorme sorriso besta e matinal que me provoca na primeira partida do dia.
Mesmo sendo velho, chama a atenção por onde passa. Entusiastas ou não, todos me cumprimentam pelo "excelente estado de conservação" em que o carro se encontra, ainda que eu nada tenha feito de especial para isso. Tudo o que faço é cuidar da manutenção do carro, que está sempre em dia. Cuidados básicos, que deveriam ser a regra de qualquer proprietário, mas que na realidade são uma exceção reservada aos entusiastas. Não lavo, não encero e não me preocupo com perfumarias.
De vez em quando aparece um chato metido a "juiz de encontro de carros antigos" e fala que o carro não está tão bonito assim. E começa a numerar os "defeitos" do meu carro: a pintura da saia lateral esquerda gasta; os limpadores de pára-brisa oxidados, quase enferrujados; o carpete do porta-malas irremediavelmente queimado e derretido no lado esquerdo; a manopla do câmbio enferrujada; a mossa discreta acima do pára-lama dianteiro esquerdo, e para terminar, a pintura do teto queimada e fosca.
Geralmente o chato é um não-entusiasta mal educado, que é prontamente despachado com uma resposta igualmente mal-educada. Quem gosta de carro sabe que não existe nada mais chato do que alguém que fica tecendo comentários depreciativos sobre o carro dos outros. Em poucas palavras, o carro é meu e me reservo o direito de deixar o carro da maneira que achar mais conveniente. Não é preciso gostar de carros para perceber que é tênue a linha que separa o comentário inocente da observação maldosa e geralmente invejosa.
O que eu nunca vou dizer ao chatão (mas digo a vocês) é que cada detalhe tem uma história e me faz lembrar de grandes momentos que passei ao lado desse carro: a pintura da saia lateral esquerda vai continuar gasta, para que eu nunca me esqueça de que este carro é indestrutível e aceita numa boa o raspar da barra da calça do entra-e-sai diário. A mossa no pára-lama dianteiro esquerdo foi causada por uma ex-namorada afoita, que quis a qualquer custo namorar onde não devia. E a manopla de câmbio enferrujada é quase um troféu, tendo uma história própria, extensa demais para ser aqui relatada.
A oxidação dos limpadores de pára-brisa (pela maresia) e a pintura fosca do teto (pelo atrito da capa da prancha de surfe) me traz a tona todas as 986 praias que já visitei, com ondas e amores em que o carro foi a única testemunha. O carpete do porta-malas queimado foi vítima de um abafador defeituoso e 9 horas de pé direito pregado no assoalho, numa viagem maravilhosa até Florianópolis, tão inesquecível quanto a multa de R$ 574,00 que valeu cada centavo.
Daqui a 20 anos, pode ser que meu carro seja visto em um encontro de automóveis antigos, com outros detalhes, cada um com uma história para contar. Provavelmente vai ficar em último lugar, perdendo para automóveis que ficaram trancados durante 30 anos, com proprietários que não terão uma história sequer para contar sobre o que fizeram com seus automóveis durante todo esse tempo.
Só não admito a agressão alheia, geralmente os riscos e amassadinhos causados por pessoas mal-educadas, nos estacionamentos da vida. Essas são más lembranças, que o funileiro resolve num passe de mágica.
Os outros detalhes ficam, como as incontáveis cicatrizes em minhas canelas, que denunciam uma infância feliz e muito bem vivida. Minha vida é curta demais para manter este carro em cima de 4 cavaletes, de tal forma que prefiro vivê-la, explorá-la e provocá-la sobre 4 rodas que rodam, diariamente. E que ainda vai render muita história a ser contada, graças à pátina que modifica o aspecto, confere personalidade e implicita fatos, histórias e momentos que fazem do meu carro o único exemplar de sua espécie.
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