
Por diversas vezes temos abordado o assunto de segurança ao volante aqui no blog, já reclamamos e até já tivemos
o pesar pelo amigo do grupo que se foi, mas acredito que ficou faltando uma visão mais abrangente do que é o acidente.
Para isto, eu gostaria de lançar uma luz sobre um departamento brasileiro que, entre tantos serviços, tem a preocupação de avaliar acidentes para que outros não venham a acontecer. Seu foco é a aviação e não a de veículos terrestres, embora seus métodos tenham muito a nos ensinar.
Estou falando do
CENIPA (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos).
O CENIPA usa métodos de investigação para acidentes aéreos que seguem normas de padrão internacional bastante restritas, de forma que seus resultados sejam comparáveis com a de qualquer departamento similar em qualquer parte do mundo.
A primeira lição que o CENIPA tem a nos ensinar está sutilmente descrita em seu brasão. Trata-se da frase “O Homem, a máquina, o meio”. Em um acidente aeronáutico, são sempre estes três elementos básicos que se relacionam para causar o acidente. Reparem que num acidente automobilístico temos a mesma realidade.
O homem é sempre o primeiro elemento a ser investigado. É dele que se inicia o reconhecimento de uma situação, toma as decisões e age de acordo com esta situação. Ele é, quase sempre, a causa primária dos acidentes. Embora a razão principal de um acidente possa ser identificada como humana, não necessariamente esta falha pertence ao piloto. Um mecânico que não tenha apertado apropriadamente um único parafuso poderá causar uma pane durante um voo.
A avaliação (e a autoavaliação) do elemento humano é fator crucial. Qual o limite das habilidades daquele piloto? Sua capacidade está de acordo com o tipo de avião e o padrão de voo que a aeronave deve realizar? Há alguma margem de segurança, tanto nas habilidades dele, assim como em suas decisões, para que haja condições de correções em caso de algo sair fora dos padrões? E sua saúde, está perfeita? Seus reflexos possuem a velocidade desejada? Seus reflexos condicionados são apropriados?
Um aspecto importante sobre qualquer profissional que exerça uma profissão de risco é o constante treinamento e aperfeiçoamento. Submetido dia após dia a situações de risco que não se realizam, é natural ao ser humano relaxar na vigilância das fontes de risco. Treinamentos constantes não só ajudam a estimular a vigilância, como também ensinam técnicas mais avançadas no domínio da situação. Este controle do risco de origem humana é bem controlado pelas entidades de segurança de voo no mundo todo, e aplicadas não só aos pilotos, mas a todos que possam afetar a segurança da aeronave.
Esta, em contrapartida, é uma faceta falha no setor automotivo. Em geral, os motoristas recebem um treinamento elementar para dominar o automóvel, recebem alguns ensinamentos sobre legislação, e são deixados à sua própria sorte por todo o resto de suas vidas ao volante. Eventualmente, exames médicos superficiais, aulas elementares e testes psicotécnicos são regularmente feitos para a renovação da licença para dirigir. Não há qualquer tipo de análise do motorista para diagnosticar vícios de condução e encaminhar este motorista para a re-educação, corrigindo estes vícios.
Da mesma forma, não há qualquer regulamentação e fiscalização sobre os profissionais de manutenção e reparação. A legislação brasileira de trânsito é expressa sobre a responsabilidade do proprietário em manter o veículo em perfeitas condições técnicas, mas é omissa sobre os profissionais que trabalham para manter esse estado nos veículos.
Todos já ouvimos falar do “check list” realizado pelos pilotos antes de uma decolagem. O que poucos sabem é que, além de garantir as perfeitas condições técnicas da aeronave, o check list bem como os procedimentos de decolagem e pouso ajudam a evitar o chamado “efeito dos 5 minutos”.
O “efeito dos 5 minutos” é um fenômeno psicológico, o qual indica a mente humana fica relaxada até 5 minutos após o início de uma viagem e 5 minutos antes dela terminar. Não é à toa que a imensa maioria dos acidentes ocorra durante pousos e decolagens. Além dos problemas técnicos inerentes, a mente dos pilotos tende a relaxar e a demorar mais tempo para perceber e avaliar uma situação de risco, bem como decidir o que fará e agir neste sentido.
Isto geralmente não é ensinado ao motorista padrão. Atitudes como andar em volta do carro observando se tudo está de acordo, perceber qualquer irregularidade com os pneus, checar o óleo do motor, entrar, conferir os controles, ler com atenção os instrumentos e luzes indicadoras, dar a partida no motor e observar se o ronco e a trepidação são normais, afivelar o cinto de segurança custam pouco tempo ao motorista e ajudam-no a se concentrar no início da viagem. Também é importante que ele permaneça com a atenção firme e não relaxe até chegar em seu destino.
A máquina é o segundo elemento de todos os acidentes. Ela deve sempre oferecer o máximo de confiabilidade ao homem que a pilota.
No caso do avião, as normas de manutenção são extremamente rigorosas. O fabricante especifica a vida útil de determinadas peças, e estas precisam ser trocadas ao final desta vida prevista, mesmo que aparente estar em perfeito estado.
Muitos componentes aeronáuticos são substituídos antes que um desgaste significativo aconteça, pois caso esta peça seja usada com certo desgaste, ela irá operar fora das condições nominais, forçando outros componentes do mesmo conjunto, causando desgaste prematuro do conjunto.
Uma lição aprendida no setor aeronáutico que pode ser aproveitada no setor automotivo é que manutenções preventivas rigorosas, embora aparentemente representem gastos, se mostram ao longo do tempo mais econômicas do que os processos de manutenção tardia ou de reparação funcional, já que o conjunto não sofre com o desgaste de uma peça trocada antes que operasse fora das especificações.
Um avião ou um carro rigorosamente mantidos, sempre estarão em perfeitas condições, sem que isso represente um custo excessivo.
O meio é o terceiro elemento. Em geral, ele se refere ao ambiente onde o veículo trafega, onde é óbvio o problema meteorológico. Ter uma boa previsão do tempo ao longo da viagem é vital para qualquer piloto, e também é importante para o motorista.
Mas o meio não se refere apenas a isso. No caso do motorista, ele se refere também ao estado do asfalto e aos veículos e pedestres que estão em volta dele.
Atitudes ao volante que prevejam problemas com o asfalto e distâncias seguras para outros veículos são fatores de sobrevivência sobre rodas.
Outra lição importantíssima que o CENIPA tem a nos ensinar é que não existe um único motivo para um acidente. Todo acidente ocorre por uma sucessão de eventos envolvendo os três elementos que foram expostos anteriormente, e que cada evento deste conduz o veículo até um ponto sem retorno para o acidente. Qualquer atitude e/ou evento positivos que se intrometam neste processo são capazes de evitar o acidente.
Qualquer investigação de acidente aeronáutico busca primeiramente encontrar a dinâmica específica de eventos que conduziram ao acidente, e com base no que foi aprendido, propor medidas que interfiram e evitem que futuramente este mesmo acidente volte a ocorrer.
Até mesmo acidentes que parecem ter uma única causa, como um avião que caia por uma tesoura de vento na cabeceira da pista, quando comparado com outros casos semelhantes que não resultaram em acidente, mostram que, mesmo sutil, a cadeia de eventos existe.
É desta forma que o transporte aéreo se tornou o segundo meio de transporte mais seguro do mundo. Antes que alguém me cobre, aviões ainda perdem longe em segurança por passageiro transportado para os elevadores.
Certamente há muito que o motorista mediano ou mesmo avançado tem a aprender com o CENIPA e com as demais instituições e normas internacionais de segurança de voo.
Pode parecer complexo, mas para a maioria dos motoristas, as medidas necessárias são pequenas e simples de serem tomadas, mas capazes de evitar algo de grandes proporções negativas na vida de muita gente.