Prezados,
Desde a última viagem minha com a Ram, fiquei algo decepcionado com o fato de ter deixado coisas legais para trás por não ter conseguido carregar tudo na picapona. Triste, isso não tinha acontecido antes. Não pelo menos com metade dos bens que adquiri com tanto carinho. Muita coisa acabou vindo via transportadora. Isso me deixou muito inseguro.
Há muito tempo que planejo comprar um caminhão de verdade, mas qual? Bom, para iniciar bem a escolha, só aceito comprar algo que seja Chevrolet ou Dodge. Simples desse jeito. Chevrolets são muito mais disponíveis e têm muito mais escolha de modelos, anos e preços bem variados e sempre ou quase acessíveis.
Venho namorando um Chevrolet 1958, nacional, mas como tem uma boa reforma a caminho, penso se é prudente adquirir o veículo, algo antiprático, obsoleto e com uma boa conta de despesas pela frente. Por melhor que esteja, é uma boa obra. Na segunda fui vê-lo novamente, tive o cuidado de entrar entre as longarinas do chassis dele, abri o bujão do diferencial, para ver o que tinha dentro e achei óleo de motor diesel usado. Isso me deixou com um certo receio de que algo não muito legal deveria estar lá antes e que, antes de pensar em continuar, uma boa desmontagem na tampa do eixo deve acontecer antes de qualquer coisa mais séria.
Já vi alguns Dodges à venda, mas sempre com motores diesel xexelentos, tipo MWM 225, ou Perkins 6-357. Claro que prefiro a gasolina, como é sabido, não vou viver de fazer fretes, o caminhão vai servir apenas para me servir quando eu quiser. E por pior que sejam de consumo, não devem ser muito piores que a Ram com seu frugal v10, sendo que já rodei com ele algo perto de 40 mil milhas em viagens pelo Brasil.
Hoje à tarde fui a um ferro-velho procurar peças para alguns carros em que estou trabalhando e conversa vai, conversa vem, descobri que um carinha jovem e aparentemente gente fina, sobrinho da cunhada do meu amigo Samuca, dono do ferro- velho, tinha um D60 77, se não me engano. Não um D60 qualquer, mas um D60 original, de época, com o maldito motor Detroit Diesel 4-53 2-tempos.
Normalmente sou muito contido e evito que minhas emoções transpareçam, porque isso sempre atrapalha a negociação. Mas infelizmente não me contive. Sempre tive motores V8 e motores GM 2-tempos no mesmo patamar, de coisas emocionantes, fantásticas e desejáveis, produtos de uma escola de engenharia muito diferente de nosso cotidiano e representantes de toda uma maneira de pensar e projetar motores. E claro que, ao contrário dos V8, os 2-tempos GM sempre me foram coisas raras, exóticas e fora do meu alcance.
De modo que uns 10 minutos depois de iniciada a conversa, saímos do ferro-velho e fomos à casa do pai do carinha ver o tal D60. Surpreendentemente, o caminhão estava em excelente estado de conservação, pintura da cabine, chassis e carroceria de madeira aberta, tudo muito bem cuidado. O interior da cabine ainda merece sérios cuidados, mas isso são outros quinhentos. Literalmente. Ele me avisou dos pneus dianteiros ruinzinhos, do embuchamento gasto e folgado do eixo dianteiro, da ineficiência dos freios e de uma certa dureza na direção.
E então depois de todo o briefing, ligou o motor. Já tinha algum tempo que eu não ouvia um motor desses funcionando, mas ao ouvir de novo o som, me soou como apenas um velho conhecido a quem não ouvia há um bom tempo. Tive a mesma sensação maravilhosa que sinto ao ouvir meus tão amados V8, mas com apenas um único cano de descarga a fazer barulho.
Como já havíamos falado e combinado antes de saírmos, eu iria dirigir o dito cujo. Manobrei ele algo desajeitado, virei o caminhão em um beco e saí da vila onde ele estava de frente, normalmente. A direção já de cara demonstrou que iria fazer minha vida o mais miserável possível. A folga, se é que é justo que a chamemos desta forma, variava entre 1/4 e 1/2 volta. E os freios, ou melhor seria dizer uns certos retardadores, me lembravam que nada de engraçado poderia acontecer. Ou então quem sabe eu até poderia morrer de tanto rir. As relações de câmbio lembraram-me que se trata de um veículo de trabalho, feito para puxar peso. Primeira simplesmente inútil, segunda quase dispensável, usa-se bem terceira, quarta e quinta. E o câmbio, apesar de sincronizado, é bem dificil.
O motor é completamente diferente de tudo que já dirigi a diesel. E a gasolina também. É suave, quase morto em lenta, mas à medida que se acelera, ele começa a dizer ao que veio e do que é capaz. Como dispõe de um superalimentador mecânico, não depende de boost de turbina para subir. É linear, é liso, é fantástico.
Tratei-o com respeito e dignidade, lembrando que as limitações na manutenção e a minha completa inexperiência com o caminhão em questão recomendavam o máximo de prudência ao conduzi-lo. O dono gentilmente me disse para pegar a via estrutural com ele, mas eu agradeci e disse que não estava nem um pouco à vontade de dirigir um caminhão que eu não conhecia, com o qual tinha nenhuma intimidade e que estava com algumas dificuldades de manutenção em itens sérios no fim da tarde em uma via movimentada.
Retornei ao condomínio dele, estacionei, agradeci imensamente a gentileza dele ao permitir que um desconhecido qualquer conduzisse o seu veículo e me permitisse matar a vontade de guiar um caminhão antigo com motor tão exótico e raro. Um sonho antigo, que eu nem considerava mais ser possível realizar.
Agora vamos ver o que tem de motor aqui para vender para que eu possa resolver essas pendências desse maldito caminhão....perdi mais uma. Ah, e o 58 verdinho? Acho que vai ficar parado mais um tempinho onde está.