Sábado, mais de uma da madrugada, avenidas vazias, e com a
Renault Scénic voltávamos a São Paulo de um casamento em São Bernardo do Campo.
Minha mulher de vestido longo e eu de terno, com a gravata já afrouxada.
Lá pelas tantas me dei conta do conforto que nos cercava e
do quanto aquele carro nos é útil.
— Vera.
— Uh! – Ela respondeu, sonolenta, cansada da festa e na
certa pensando: "Lá vem o tonto do Naldo com seus pensamentos brilhantes
de novo, e ele vai falar e falar e vai ficar pedindo minha opinião e terei que
dar minha opinião, senão ele reclama, e para dar minha opinião terei que
entender mais essa idéia de jerico dele... – Fala, Naldo, ela finalmente disse.
— Imagine só se a gente tivesse que voltar pra São Paulo
na base do transporte público. Estaríamos ferrados.
— É claro, né!... Naldo, você bebeu? – ela perguntou,
encanada pela obviedade do que eu dissera como se fosse uma descoberta.
— Só um copo de cerveja, e no começo da festa. Tô limpo.
Ela tinha razão. Não é preciso ser gênio para constatar que
estaríamos ferrados.
Para ir pro trabalho, na maioria das vezes vou de metrô.
Não que o sistema seja bom; mas é porque ir de carro é pior que péssimo,
irritante. No meu caso, para o meu trajeto, horário etc., o metrô compensa, e
gosto de andar a pé.
Mas, e para voltar de madrugada de São Bernardo a São
Paulo? E com a mulher num lindo vestido longo e sandália de salto alto? Seria
uma epopéia cheia de contratempos, fora a insegurança.
— Vera... E nada de resposta... – Vera!
— Fala Naldo.
— Eu queria pegar uns urbanistas idiotas que ficam falando
mal de carro e botar eles pra irem de São Bernardo a São Paulo de transporte
público na madrugada com a mulher vestida de vestido longo e cansada e com umas
joinhas de família nas orelhas e nos dedos e aí esses caras iam ver o que era
bom pra tosse. Esses são medíocres. Simplificam a coisa como se ela fosse
simples que nem a cabeça deles.
— Tá louco ficar sem carro, ela comentou.
— Tá louco, mesmo. Carro é muito bom e pra gente viver bem
tem que ter carro. É essencial. O carro não vai acabar.
— E quem falou que o carro vai acabar? Que besteira! – ela
comenta.
— Sei lá. Tem muita gente demonizando os carros. Ficam
botando tudo quanto é culpa neles e se esquecem do quanto ele é útil.
— Naldo...
— Hum!
— Você tem cada idéia! Deixa de besteira! – ela finalizou,
e voltou a pensar nas coisas importantes lá que ela pensa, já que é ela quem
organiza a família.