Especialmente nas manhãs de quarta-feira eu tento não deixar de encontrar o Ralf, dono de um quiosque da Holandesa, onde tomo café da manhã regularmente. Ele adora carros e todos os dias trocamos informações, ideias e um bom papo logo cedo. Às quartas ele compra o JT e, além do café com queijo quente feito na chapa, ele divide comigo o Jornal do Carro para olharmos as novidades.
Ontem eu me deparei com duas propagandas, muito comuns recentemente, mas que sempre me causam dúvidas sobre sua eficácia. Uma do Focus e outra do Livina. Ambos excelentes carros e com ótima relação custo-benefício. Não apresentam nenhuma percepção negativa quanto ao pós-vendas e são premiados e recomendados por várias revistas e jornais. O Focus, segundo sua propaganda, é o carro que mais vence comparativos dentro da sua categoria. E o Grand Livina é insuperável na relação custo-benefício.
Resolvi dar uma olhada nos números de vendas dos modelos dos anúncios e alguns de seus concorrentes. Encontrei o seguinte:
média mensal dos últimos 12 meses - unidades/mês
- Livina: 700
- Fit: 3.500
- Meriva: 2.500
- Idea: 2.200
- Grand Livina: 170
- Zafira: 760
- Focus Sedan: 800
- Corolla: 4.500
- Focus Hatch: 1.600
- Astra Hatch: 2.500
Pois é, os números de vendas não refletem as avaliações positivas e os prêmios ganhos. Ou seja, o consumidor não está nem aí esse tipo de anúncio. Não é isso que vende carro. É uma coisa muito estranha, pois eu recomendaria facilmente tanto o Focus quanto o Livina. Mas o que vale é a percepção geral sobre os modelos, algo um pouco tangível, relacionado à percepção dos consumidores sobre a marca e ao desejo neles despertado. E como se desperta esse desejo? Isso dá um papo bom, mas não nesse post. Há também a falta de coragem dos consumidores para se desgarrar do grande rebanho.
Além disso, algumas marcas cometem erros fatais, que podem comprometer a imagem de seus modelos por toda sua vida. No caso do Livina, acho que a Nissan fez um excelente carro, com muitos atributos, especialmente relacionados à qualidade japonesa, mas com zero de emoção e envolvimento. Ou seja, não caiu no gosto do povo.
Já no caso do Focus, a Ford insistiu em lançar esse novo modelo sem motores flex. Apostou que o consumidor desse segmento não é tão avarento a ponto de querer economizar uns trocados nos abatecimentos. Ledo engano. Pode até ser que essa classe de consumidor não seja tão avarenta, mas quando todo o rebanho está na direção do flex, não adianta querer ser diferente, independentemente do rebanho estar indo para a direção certa ou não.
Outro ponto que também não me convence é essa enxurrada de prêmios das principais revistas. Os fabricantes adoram anunciar que seus carros ganharam prêmios aqui e ali. Mas são tantas premiações diferentes, com critérios diferentes e tão parecidas nos nomes - melhor compra, melhor modelo, melhor isso, melhor aquilo - que o consumidor já nem sabe o que é relevante ou não. E se fossem realmente relevantes, os mais premiados sempre deveriam ser os campeões de vendas. O mercado não funciona assim.
Também chego a me irritar ao abrir a edição de alguma revista que esteja divulgando o seu prêmio tão especial e ver várias propagandas dos campeões de cada categoria já enfatizando o prêmio recebido naquela edição. É, mas isso funciona assim. E não é só no Brasil. Certo? Errado? Não sei. Apenas me lembrei de uma citação:
"Lá fora, além do que está certo e do que está errado, existe um campo imenso. Nos encontraremos ali."
Mevlana Jelaluddin Rumi, século XIII
De qualquer modo, esses prêmios não significam absolutamente nada para mim.
Em outros países ao menos existem entidades independentes que fazem análises criteriosas sobre satisfação dos consumidores com uma base estatística apropriada, como a JD Power, por exemplo.
Por isso, quando alguém me pergunta que carro comprar eu já rebato com a seguinte pergunta: qual carro você gosta? Então é esse que eu lhe indico. Não tenho paciência para explicar por que o Focus é melhor que seus concorrentes, uma vez que isso não faz diferença alguma para quem pergunta.