Uns cinco anos atrás coincidiu de na mesma semana eu ter guiado dois carros bem fortes e com praticamente a mesma relação peso-potência.
Um era um Cobra QSH – excelente réplica, a melhor que já guiei, com suspensão traseira independente de duplo A – que estava com um motor Ford 302 preparado que rendia ao redor de 380 cv. O outro carro era um Mustang 1995, preparado pelo Malanga, da Brabus. O Mustang tinha dois turbos e a potência variava de acordo com o que o Malanga comandava pelo laptop que carregava no colo, enquanto ele ia literalmente de co-piloto ao meu lado. Ele ali, segundo ele, podia colocar de 700 cv a 1.400 cv à minha disposição. Como é que fazia isso? Sei lá. Só sei que apareciam montes de gráficos na tela do laptop e aquilo estava mais pra coisa da Nasa. Ele subia a lenta, baixava a lenta, enriquecia a mistura, empobrecia, aumentava a pressão do turbo, etc e tal.
Como estávamos na cidade, ele achou que 700 cv pra mim tava bom. Pra mim também, já que nem isso dava pra jogar no chão em 1a, 2a e 3a marchas.
Acontece que o Mustang era blindado, e uma blindagem antiga, pesadona, então ele pesava coisa de 1.900 kg – e, segundo a ficha técnica, com 46% dele na traseira. Já o Cobra pesava 1.050 kg (eu mesmo o pesara), com 52% no eixo traseiro.
Então, grosso modo, o Mustang e o Cobra estavam com a mesma relação peso-potência, 2,7 kg:cv – e me liguei nisso.
A primeira coisa que se imagina é que ambos arrancariam juntos, já que a aceleração basicamente depende dessa relação, mas não foi isso que aconteceu. Não coloquei os dois juntos, mas os guiei com as sensações frescas e isso bastou para compará-los.
O Cobra pulava na frente. Tracionava mais por dois motivos: tinha maior porcentagem da massa sobre os pneus tracionantes e era mais leve. Sendo mais leve, os pneus eram menos exigidos e assim patinavam menos. Semanas atrás mostrei um filminho desse Cobra fazendo 5,4 seg no 0 a 100 km/h.
Bom, até aí tudo bem, caso resolvido.
E aí toquei a imaginar mais coisas, pois eu havia acelerado aquele Cobra a até uns 220 km/h e senti que ele não iria a muito mais que isso, não por causa do câmbio mal escalonado, não, porque a caixa Tremec de 5 marchas, apesar das duas primeiras marchas estarem muito curtas para o conjunto, as marchas longas caíam bem. O fator limitante era o motor que não dava conta de levar o ar no peito, já que o Cobra é ruizão de penetração aerodinâmica – é um design do final dos anos 40 e sem muita preocupação com isso, mesmo para os padrões da época. Talvez, então, ele fosse a uns 240 ou 250 km/h, não mais.
Aceitemos aí 250 km/h para o Cobra. Tendo o câmbio bem escalonado, conclui-se que o Cobra precisa de 380 cv para atingir essa velocidade.
O Mustang 1994 também não me parece um primor nesse quesito, mesmo assim na certa seu arrasto aerodinâmico é inferior ao do Cobra, mas, por favor, suponha comigo que os dois tenham o mesmo arrasto. O.K.? Sendo assim, conclui-se que o Mustang também usaria 380 cv para atingir os mesmos 250 km/h. Isso mesmo, tá certo. Mas acontece que ele ainda teria 320 cv sobrando no motor, o que é potência bastante para o levar aos 306 km/h.
Como calculei isso? Simples, aprendendo com o Bob Sharp. Ele me passou a formulinha mágica:
V2 = V1 x raiz cúbica de P2/P1
Onde:
V2 é a velocidade com a potência maior (P2)
V1 é com a potência menor (P1)
V1 é com a potência menor (P1)
Conferindo:
V2 = 250 x raiz cúbica de 700/380
V2 = 250 x 1,226
V2 = 306,5 km/h
V2 = 250 x 1,226
V2 = 306,5 km/h
Essa fórmula não tem erro, desde que a relação da transmissão esteja correta para o caso, ou seja, que não esteja nem curta nem longa.
Então, imaginando uma filmagem do racha desses dois – filmagem que eu quis fazer, mas quem mandava na grana achou isso desinteressante, achando mais interessante comentários acerca de mais ou menos faixas esportivas em carros débeis – voltando a imaginar, o Cobra pularia na frente e assim se manteria até mais ou menos os 200 km/h, quando então o Mustang iria encostando, até que o Cobra, ao atingir os 250 km/h, não mais ganharia velocidade. Mas Mustang continuaria acelerando, acelerando e acelerando, mesmo sendo pesadão como é, e lhe botaria 56 km/h a mais, distanciando-se cerca de 1 km a cada minuto.
Então, aceleração é peso-potência, e velocidade final é potência-arrasto. O peso não importa muito na velocidade final, mas sim a aerodinâmica e a potência bruta.
Era só isso o que eu queria mostrar com a filmagem, eu queria enfatizar, deixar isso claro. Pena que ainda não deu. Quem sabe em breve a gente começa a fazer essas coisas?
E sobre a formulinha mágica do Bob, ela serve pra tudo quanto é carro.
Por exemplo, o autoentusiasta leitor tem um Chevettinho Júnior que comprou de uma velhinha – Chevettinho Júnior com rendinhas no vidro traseiro e cachorrinho de pelúcia com pescoço de mola que balança a cabeça –, carrinho de 50 cv que a véia usava pra ir ao bingo e tomar umas biritas com as amigas.
Aí o autoentusiasta, uma figura sempre cheia de ideias e sôfrega por emoções fortes, uma figura compulsiva que já acorda pensando besteira, gama no coitado do Chevettinho Júnior que nunca usou a 4a marcha, muito menos a 5a – que é uma marcha muito perigosa segundo a véia – e o autoentusiasta bom de lábia convence a véia a trocar o Chevettinho Júnior por um carro muito mais moderno, um Monza Classic, por exemplo. “Minha senhora, carro com tração traseira já era. É muito inseguro, vai contra as reações naturais do motorista mediano, ou seja, do motorista medíocre, tapado. Não que a senhora o seja, mas sabe como é, sei que a senhora toma umas e outras e seus reflexos podem retardar. Aí já viu... Um Monzão é da hora! Pu... carro macio!”
E aí o autoentusiasta já tem tudo armado e na certa tem um ogro maluco que nem a nossa turma aqui tem o AG, o Ogro do Planalto, que é o carrasco suado em pessoa, um cara que basta lhe darem marreta, machado e arame que ele bota “V-alguma coisa” em qualquer carro que vai parar na oficina dele. E o autoentusiasta procura o ogro maluco dele lá e mete um V-6 de Blazer no Chevettinho Júnior. Bota um diferencial mais longo e.... e.... com os 170 cv do V-6 – 120 cv a mais – o autoentusiasta fica encanado tentando calcular a quanto chegaria o Chevettinho Júnior ex-da-véia.
Vamos lá (a máxima do carro da véia é de 141 km/h, segundo a revista Oficina Mecânica da época):
V2 = 141 x raiz cúbica de 170/50
V2 = 141 x 1,5
V2 = 212 km/h
V2 = 141 x 1,5
V2 = 212 km/h
Pronto!
Agora o leitor autoentusiasta pode pensar em coisas mais úteis. Já leu o besteirol do dia, porque eu tô aqui pra isso.



