E após levar pra passear as loirinhas mais bonitas de
Pirassununga e com elas ralar o Opala preto 6-cilindros invocadão da cidade,
meu XK120 queria novos desafios. Só que para tanto era necessário pecar,
mentir. Confesso, caro leitor, confesso que menti a meus pais. Por diversas
vezes lhes disse que iria à noite para Pirassununga para pegar o “dancing” de
sábado no clube, aqueles bailinhos que juntavam toda a moçada da cidade e
tocava Tim Maia, “Você é algo assim, é tudo pra mim, é mais que eu sonhava, baby...”,
e nessas músicas lentas é que era bom dançar devagarinho e colado e com o
coração aos pulos...
Bom, mas Pirassununga era muito perto e o XK, como um
autêntico roadster, um estradeiro, tinha mais é que rodar bastante. Então,
saindo da fazenda pela estrada de terra, ao desembocar no asfalto, em vez de
virar à direita e ir para Pirassununga, os fachos dos faróis altos viravam à
esquerda e eu me mandava para Poços de Caldas.
Poços ficava a 90 quilômetros por
boas estradas, sendo que o trecho final era uma bela subida de serra com curvas
deliciosas. Lá em Poços eu saberia onde achar o Zé Dias, meu amigo desde
molecote, toda a sua família era de lá, tinham fazendas de café naquela linda
Serra da Mantiqueira. Família grande, o caro leitor sabe, inclui muitas primas,
e aqueles ares dos 1.200 metros de altitude de Poços fizeram um bem danado às primas
do Zé, porque era uma mais bonita e legal que a outra e a gente chegava e feliz
arregalava os olhos praquele monte de sorrisos bonitos e ficava desnorteado sem
saber em qual focar a atenção. Sendo assim, o caro leitor pode perceber, estava
montada a fórmula da felicidade.
Veja só, é legal pegar uma estrada só por
pegar, na base do ir e vir, com um carrão esporte, mas muito mais legal é fazer
isso com um objetivo, uma missão a cumprir, então você se vestia pensando
naqueles sorrisos que iria ver, entrava no carro pensando naquelas bocas que
tanto queria beijar e tocava a lenha à noite na estrada pensando naqueles
abraços apertados que tanto queria dar. Assim é que é bom viajar e o resto é
conversa.
E viajando sozinho, só você e o carro; esse sim é o melhor
esquema.
Ir com um amigo ou com uma namorada (minha mulher continua
sendo minha namorada) é bom, mas o melhor mesmo é ir sozinho, principalmente se
o carro for um esportivo dos bons, um esportivo que nem o XK, com quem temos
muito a conversar, muito o que ele contar sobre sua forte e rica personalidade,
muito o que aprender sobre ele; como fazê-lo agarrar certinho nas curvas, como
trocar as marchas no momento e modo exatos, e como saber fazê-lo acelerar feito
doido entre uma curva e outra.
6 cilindros, 160 cv |
Já muito o que frear não era bem com ele; não para os
padrões de frenagem de hoje. Já para os padrões da época, 1972, até que tudo
bem, era passável. Em 1972, os bons carros nacionais, como o Dart, o Galaxie e
algumas versões do Opala, já tinham freios a disco na dianteira; enquanto que
o XK120, com 20 anos nas costas, os tinha todos a tambor. E o galho é que o XK
andava muito mais que eles, bem mais, principalmente de final, e para os freios velocidade conta mais do que peso.
Seus tambores
eram largos e de grande diâmetro, o que é importante, pois dá um momento maior,
então as primeiras freadas eram boas, bem fortes, mas era melhor não ir achando
que elas continuariam a vir assim fortes por toda a vida, se fôssemos metendo
freada atrás de freada. Numa subida de serra, tudo bem, mas numa descida
lenhada a coisa ia acabar complicando, porque dali um tempo era fading na
certa. Você pisava e a coisa não parava. Você calcava mais forte e o sentia
borrachudo, escorregando, e essa situação é chata pacas, no mínimo
desagradável. Se escapasse da encrenca, o negócio era maneirar e ir tocando
devagar e sem frear, ir só na reduzida e ir deixando que os freios esfriassem.
Os carros, como se vê, não eram tão à prova de idiotices
como hoje, mas sabendo como eram, conhecendo a máquina, conhecendo os seus
limites, não havia problema algum.
C-type |
A Jaguar ganhou sua primeira 24 Horas de Le Mans, a primeira
das cinco que ganhou na década de 1950, principalmente devido a ter adotado os
freios a disco no seu C-type, que era a versão de corrida do XK – mesma
mecânica, mas com carroceria mais aerodinâmica, desenhada por Frank Costin, um
mestre da área, vindo da engenharia aeronáutica. Grande parte do sucesso do
C-type se deve às suas estonteantes e seguidas freadas. Os outros freavam e ele
continuava no gás e ia frear lá adiante.
Uns dizem que essa tecnologia veio do avião, já outros dizem
que veio do trem – esses dois meios de transporte já o utilizavam antes do
automóvel –, mas ninguém discute que quem a introduziu nos carros foi a Jaguar.
Powerslide com o C-type |
Mas o meu XK tinha nascido antes disso, antes desses freios
a disco da Dunlop terem entrado na sua linha como opcional; e seu motor estava
além do seu tempo, fora que era um carro leve, entre 1.100 e 1.200 kg, e aerodinâmico.
Faróis de longo alcance Lucas, amarelos. Sim, ele tinha esses faróis
suplementares que iluminavam lá ao longe, muito úteis quando se pega à noite
uma estradona vazia e se quer andar rápido. E assim, ao pegarmos o asfalto,
seus fachos viravam junto com os altos à esquerda e apontavam para o leste,
para a Serra da Mantiqueira, para Poços de Caldas.
Capota fechada, janelas encaixadas, malha, casaco, meias de
lã e luvas – e um largo e quentinho túnel do motor e câmbio a esquentar a perna
direita. Era assim que era. E lenha. Hoje, muitos carros familiares permitem
que se viaje a 160 km/h
de cruzeiro, apesar de não termos mais liberdade para isso, e apesar de
praticamente não termos mais estradas vazias que nos permitam fazer isso sem
que ponhamos outros em perigo. Mas a coisa ia mesmo assim, cruzeiro de 160 km/h, e pro XK tudo
bem, que ainda havia muita sobra de potência; bastava acelerar que ele crescia
forte e tinha muito ainda a dar.
E era assim que o vulto da serra ia crescendo.
Logo o XK e eu passávamos por fora de São João da Boa Vista, e logo passávamos
por dentro de Águas da Prata, devagar, escutando o grosso ronco do 6-cilindros
ecoando pelas paredes das tranqüilas casas dessa tradicional cidadezinha
balneária, famosa pela leveza das águas que brotam no pé da serra.
E era assim que nos preparávamos, o XK e eu, para encarar a
subida da serra.
Um bom local de meditação |
Espero que o caro leitor me permita mais um tempinho para
que eu me recorde direito. Afinal, lá se vão quarenta anos. Logo eu continuo.
Enquanto isso, as primas do Zé que nos esperem.
— Esperem aí, primas do Zé! Mandem o tempo parar! Não virem
avós até o próximo capítulo!
AK
Realmente as coisas mudaram muito ao longo de quarenta anos. Hoje não tem prima, morena ou loira que queira andar em um carro diferente - no meu caso algo duro e bem barulhento - apenas um ou outro amigo tão maluco quanto o próprio dono do carro.
ResponderExcluirMenti algumas vezes também mas como era bom filho, meu pai fazia de conta que acreditava, afinal meu único vício era queimar gasolina. Continue Arnaldo, você já inspirou o Bob, o que achei ótimo!
ResponderExcluirOs Jaguares sofrem muito ao se colocar a direção do lado esquerdo, o cilindro de freio fica muito perto do escape, esquenta o óleo de deixa o freio borrachudo ou até inoperante. Uma simples placa de amianto corrige o problema. Quem devia fazer isso era a fábrica, mas eles mandavam os carros para fora sem nenhuma tropicalização.
ResponderExcluirPerfeito.
ExcluirHoje em dia não é mais possível imaginar um carro v6 com esse peso. Não que seja saudosismo, até porque não vivi essa época e também porque prefiro coisas mais modernas, como injeção eletrônica e freios a disco.
ResponderExcluirFico pensando se a solução para ter um carro potente e leve, nos dias de hoje, seria recorrer às vias alternativas, como réplicas, restauração de um velhinho ou mesmo construir um, no esquema Caterham Seven.
Nada como um bom 6cc!
ResponderExcluirO Bob com a experiência com um americano e o Keller, com um inglês. A coisa tá muito boa!!! Continuem escrevendo!!! E está no imperativo!!!
ResponderExcluirH
Obrigado, Arnaldo!
ResponderExcluirEssas escapadas noturnas estradeiras com destino aos primeiros beijos também fazem parte das minhas melhores lembranças de adolescente, 20 anos atrás.
Ainda essa semana me presenteei com um Volvo C30, e essa sensação prazerosa de escolher o caminho mais longo renasceu, e ao chegar em casa com um sorriso bobo e ser compreendido por minha eterna namorada , é a certeza de que aproveitei tudo a seu tempo. E continuamos aproveitando!
Abs.
cada vez mais divertido. que venha o próximo capítulo. a cada um, rolo de rir imaginando a cena.
ResponderExcluirÓtimo! Dá gosto de ler. Aguardando continuações.
ResponderExcluirE uma coisa à equipe Autoentusiastas:
Há algum modo de mudar o tema para leitura em dispositivos portáteis? Eu particularmente acho o fundo preto com letra branca extremamente irritante para os olhos. Após ler um texto pequeno e olhar para uma parede clara, continuo enxergando o texto pro alguns minutos.
É verdade... no meu celular da Nokia é assim que visualizo também.
ExcluirNão sei se em outros smartphones como é... mas no da Nokia (sistema Symbian) é assim.
Guilherme J.
ResponderExcluirFundo preto com letra branca? Éramos assim bem no começo, mas logo mudamos para o atual fundo branco com letra preta. Como pode você ver ao contrário?
Bob, ele estava falando da versão "móvel" do site (telemóvel, espertofone, tablete).
ExcluirNesses aparelhos o blog altera o tema assim (economiza banda/velocidade/procesamento nesses aparelhos):
http://www.autoentusiastas.blogspot.com.br/?m=1
É só quem estiver usando um aparelho desses ir até o final da página e clicar em ver página completa, versão PC ou algo assim que fica normal.
Ou acessa o link com o mobile desligado:
http://www.autoentusiastas.blogspot.com.br/?m=0
Isso mesmo , Bob .. Igual ao formato que aparece no celular .. Muito mais agradável para ler .
ExcluirTodos acima
ExcluirJá alteramos a configuração, agora aparece como no computador, fundo branco e letra preta.
Ufa!
ExcluirMuito obrigado.
Arnaldo, o motor do XK é o mesmo dos primeiros E-Type? E teve algum XK com freio a disco na traseira com suspensão DeDion?
ResponderExcluirE quando vai terminar essa série? Já estou achando que nasci tarde demais...
CSS,
ExcluirOs motores sao bem parecidos, quase a mesma coisa, mas o E-type ja nasceu em 61 com cilindrada maior, 3,8 litros, e depois passou para 4,2 litros.
Ao que me consta, todos os XK tiveram soh eixo rigido. Freios a disco vieram de serie, mas no XK140 ou no 150. Estou fora de casa e usando computador alheio, portanto, me perdoe a escrita.
Arnaldo, que mal lhe pergunte, mas o seu Jaguar era um conversível, não um "roadster", certo? Pois ao que eu saiba um "roadster" não tem capota nenhuma, e só um arremedo de parabrisa, com menos da metade da altura.
ResponderExcluirLorenzo,
ExcluirHouve o XK120 conversivel, mas esse tinha janelas normais, embutidas nas portas, subindo e descendo normalmente. O meu era um roadster. O que vc diz, com um parabrisa que eh soh um defletor, sem limpadores e sem capota mesmo, nenhuma, esse eh um barchetta.
Ao ver direitinhos as posições do volante, pedais e a alavanca do câmbio, lembrei-me dos Fuscas, em que era preciso dar uma levantadinha com as costas para fazer a terceira marcha. Só não precisava fazer isso quem tinha braços de gorila.
ResponderExcluirUé, eu passo a terceira encostado no Procar do 65 (com 1600 e caixa de brasilia), enquanto os 1000zinhos ainda estão no fim da primeira na subida... será que tenho braços de gorila?
ExcluirAh! Esqueci-me de dizer:
ResponderExcluirAcho os máximos carros azuis, meu primeiro Fuscão era assim. Mas minha mulher detesta essa cor.
Bob, na versão para celular ainda é com fundo preto.
ResponderExcluirJá acerte a versão mobile. Agora esta com fundo branco! Abraço. PK
ResponderExcluirQue texto incrível AK !!
ResponderExcluirEsses 'rides' a dois, só vc e o carro, são realmente demais. Já fiz muito disso. E por ótimas causas tbm ...rsss....
Arnaldão! (quem mandou dar liberdade né?! kkkk)
ResponderExcluirtop de linha... mais um episódio muito bacana, apesar de não ser fã dos ingleses, esse carro é devia ser um verdadeiro diabinho!
qta coisa legal vc deve ter aprontado!
ahhh... qto à história do fusca, sobre a qual havia mencionado no post de número 4 da saga, estou em vias de adquiri-lo.
É um besourinho 1300, 79/80,vermelho e impecável... o único defeito é uma forração de estofado com gosto absolutamente duvidoso, em vermelho e branco... estou negociando com o proprietário, e consegui chegar a um valor bacaninha, nada extravagante como tenho visto muita gente pagar pelos fusquinhas...
do alto de sua experiência com esses alemãezinhos malandros, além de uma substituição de forrações (argghhhh como aquilo é feio!), o que poderia fazer para deixá-lo espertinho?
abs,
Romeo
Puxa vida, Romeo, dá pra fazer tanta coisa num Fusca! Tudo depende de quanto pretende gastar e o que quer.
ExcluirArnaldão...
Excluircomo diria Raul Seixas,o negócio é, um carrinho esperto, sem muitas frescuras mas que ande legal, um veneninho leve, apenas para sair do marasmo, fazer uns passeiozinhos e talz...
além disso, a ideia é gastar relativamente pouco, é apenas pela diversão dessa tranqueirazinha germânica... ou seja, um pouquinho de desempenho, com uma melhoriazinha aqui e acolá, mas preservando a aparência do carrinho...
abs,
Romeo
Romeo, eu começaria trocando o motor. Colocaria um 1600. Só isso já é um pulo e vc tem uma base boa para maiores preparações, caso depois deseje.
ExcluirO resto é deixar tudo novo, freios, caixa de direção, suspensão e pneus. Depois vai vendo o que fazer e se inteirando dos milhares de recursos.
pô Arnaldão! grande sacada... ótimas sugestões pra começar a bolinar o fusquinha...
Excluiressa ideia do motor 1600 é realmente bacana, havia até pensado nisso, visto que, pelas minhas pesquisas esse motor, standard, chega a desenvolver pouco mais de 50 cv, um desempenho até razoável...
outra coisa, um rebaixamento de cabeçote seria uma opção a se pensar? e o sistema de carburação, dupla ou simples?
abs,
Romeo
Já saí de casa à noite, um par de vezes com o Gol CLI 1.8 (Gol Bola) do meu pai, e peguei a estrada só por pegar mesmo, pelo simples prazer da condução, com os vidros abaixados e o som desligado.
ResponderExcluirEra demais, e como o carrinho andava/anda.
Legal saber que você e seu xk estiveram bem perto da minha casa, eu sou de Caldas, você veio com ele a Caldas também?
ResponderExcluirCleyton, até aí não fui, não, mas sei que é uma linda região.
ExcluirParabéns pela série de posts sobre suas experiências. Só uma observação: tem um colchete no título ...
ResponderExcluirWagner
ResponderExcluirQue coisa, tinha mesmo! Já removi, obrigado.
Está realmente muito boa esta novela... ha ha ha
ResponderExcluirFalando em freios a tambor, lembrei que cheguei a constatar sua limitação para alta velocidade, e isso no meu Fusca 1300 74. Na estada costumava andar a 120, e até mais, e percebi, nas poucas vezes que precisei frear nestas velocidades, que a eficiência realmente caia muito. Mas para velocidades mais baixas eu achava que eles eram bem eficientes. Em serras nunca tive problemas, até porque nestas condições só utilizo os freios para pequenas correções de velocidade nas curva, o resto é no motor mesmo. Inclusive diversas vezes me perguntaram se eu tinha feito alguma modificação nos freios do meu fusca para serem tão bons, mas não, até as lonas ainda eram originais.
ABRAÇOS.
Arnaldo, essa histórias são ótimas. Saudades do Mark V 1952 do meu pai.
ResponderExcluirAbração
Luiz
Ansioso para saber como o XK se virou com o Maverick 302... !
ResponderExcluirRicar, eles não se cruzaram, para a sorte do Maverick...
ExcluirArnaldo,
ResponderExcluirMuitos reclamam da falta de alma nas máquinas atuas (ao menos numa parcela considerável delas).
Quando se presencia, mesmo passivamente, um motor como esse em funcionamento, entende-se porquê.
Sr. Arnaldo fiz um comentário ontem que aparentemente não entrou, dizia eu que durante 2 anos servi no Regimento Blindado de Pirassununga, em frente a AFA e também que depois do filme"SE MEU FUSCA FALASSE" teremos agora "SE MEU JAGUAR FALASSE".
ResponderExcluirAbraço
Militar Anônimo
Militar Anônimo
ResponderExcluirHouve algum erro que não sei dizer qual, pois seu comentário não teria por que ser excluído, asseguro-lhe.
Bom artigo, eu estou muito interessado em seu artigo .. obrigado por compartilhar
ResponderExcluirFreio a tambor... meu pai teve um Alfa Romeu Timb (o JK com o cocorute sobre o capô) e este carro tinha freios a tambor nas 4 rodas. Era ruim de arrancada (motor 2 litros) mas, quando embalava... lembro de ter rodado com ele, na Imigrantes, quando ainda não tinha pedágio, a quase 200 km/h. Mas, para parar...
ResponderExcluirEle tinha tambores mais largos, ventilados (aletas em forma de hélice sobre o tambor), dois cilindros de roda nos da dianteira (os dois patins eram "mestres", ou seja, aproveitavam o movimento do tambor para aumentar a pressão de freio). Acho que era 1964... Foi nele que eu aprendi mecânica (coitado)...