04/10/2010

A MECA DA VELOCIDADE



Recentemente o assunto Bonneville recebeu grande destaque da mídia e dos aficionados por velocidade em função da reportagem do Stock Car brasileiro que ultrapassou a marca dos 340 km/h. Também muitos lembram pelo filme "Desafiando os Limites" (World's Fastest Indian) com Anthony Hopkins e sua Indian recordista.

Ano passado estivemos no Speedweek, o principal evento do deserto de sal no estado americano de Utah, próximo da divisa com Nevada. O deserto é cortado pela Interestadual 80 (ou apenas I-80 nos mapas), passando pela cidade de Wendover, considerada a "sede" do evento. Wendover é uma mini-cidade que dá para resumir como "umas dez ruas e algumas casas". Não mais que isso, mas ainda assim bem simpática.



Bonneville é um mundo à parte, esqueça qualquer coisa que já viu sobre automobilismo, não se compara com nada desde o tamanho até a atmosfera local. As cidades em volta são tomadas como base de operação das equipes, durante a semana do evento é possível afirmar que grande parte do trânsito local é apenas de pessoas relacionadas ao evento.



Chegamos na região do deserto no fim da tarde, ainda com sol, para conhecer o local e saber chegar sem erro no dia seguinte bem cedo. Pela I-80 já há placas indicando Bonneville Speedway, como se fosse um autódromo. Por meio de uma estrada paralela bem menor, vamos em direção ao sal. Neste momento, o trânsito já é 100% do evento. Caminhões, picapes heavy duty de dupla rodagem traseira rebocando carretas com quinta roda, e muitos, mas muitos hot hods.



A estrada excluiva para o Speedway, de mão dupla, avança deserto adentro até que ela simplesmente acaba. Você está no sal, sem nada ao redor, apenas um ou outro cone de sinalização. Na dúvida, siga o fluxo, pois ainda estamos longe do evento, o suficiente para não vê-lo. Quando menos se espera, olhamos ao redor e vemos que todo o tráfego (não é pouco), tanto indo como voltando da área dos "boxes", transforma o deserto em uma estrada de múltiplas faixas em ambos os sentidos. É o primeiro grande choque de Bonneville. Chegamos próximo dos boxes, mas como estava escurecendo e boa parte dos carros estava sendo recolhida, voltamos, mas já sabendo o que nos espera no dia seguinte.

Logo cedo, repetimos o trajeto e nos deparamos com o mesmo movimento pela rodovia no sal. Desta vez chegamos até os boxes, bem afastado da I-80 e da estrada de acesso. Já é possível ouvir alguns carros acelerando. Não dá para ter noção do tamanho do evento. Os "boxes" são resumidos aos carros e equipes sob lonas ou coberturas armadas, com lonas estendidas sobre o sal. Só. Não há uma estrutura imóvel construída sequer.



A área dos boxes onde ficam as equipes e os carros parece um estacionamento, com as equipes lado a lado, formando três corredores, que se extendem por mais de quilômetro. Este é o segundo grande choque, pois é muito grande mesmo.

Os carros são dos mais variados tipos, desde antigos originais, passando por carros e motos modernas modificadas, até os streamliners a jato. Ao contrário do que imaginava, a grande maioria são os hot rods, divididos em diversas categorias. Aliás, categorias não faltam, pois os carros são agrupados de acordo com o tipo de motor, tipo de carroceria, nivel de modificações etc.



A hospitalidade é o terceiro grande choque. TODOS, repito, TODOS os que conversamos ou apenas chegamos mais perto para olhar os carros nos receberam muito bem, alegres, empolgados, bem falantes. Não se compara com nada que temos por aqui. Os mecânicos chegam a parar de trabalhar espontaneamente para dar espaço para você fotografar o carro, e ainda falam que pode chegar mais perto para ver os detalhes.

Todos contam histórias, falam do carros, do projeto, das dificuldades e das expectativas. Como falado em post anterior, o pessoal do Corvette azul foi um dos que nos receberam muito bem. A atmosfera toda do evento é muito agradável, pode-se dizer que o clima é de um evento de total amadorismo, como uma reunião de amigos. Amadorismo apenas neste ponto, pois em todo o resto, a coisa é séria. Muita potência e motores grandes é o ponto comum. Um outro carro diferente chama a atenção por não seguir estas duas regras.



O que mais chama a atenção mesmo é o gosto das pessoas pelo evento, especialmente dos hot rodders e seus carros. A grande maioria vai rodando com os carros até o deserto, participa das provas de velocidade, e depois volta rodando com o carro para casa. Vemos que não é apenas uma diversão, ou uma moda, é quase que uma religião. Hot hods, rat hods, customs, não importa o que for, é um estilo de vida para os americanos. Carros cobertos de sal até o teto, e um sorriso enorme no rosto.


As provas de velocidade são organizadas em três pistas, cada uma com uma característica de distância. Não há cronograma rígido, uma vez que o carro está pronto, basta ir para a fila de largada (parece a fila de pedágio), dar o número de registro e acelerar. Podemos ficar ao lado dos carros o tempo todo, desde os boxes até a largada. A largada em si não chega a ser muito emocionante, pois como os carros possuem marchas muito longas e o sal não permite tracionar tão bem como o asfalto, os carros largam devagar, muitas vezes empurrados por picapes para embalar.



É interessante de se ver a preparação, a saída e tudo mais, mas também vale a pena andar alguns quilômetros para ver os carros passando em velocidade. Aí sim a coisa fica séria. Passam carros desde os mais fracos, próximo dos 200 km/h, até o streamliners a mais de 800 km/h. O deserto, por ser muito amplo e longe das montanhas, não permite o som dos motores ressoar muito, mas quando estão passando perto, é em alto e bom som.



O solo é firme, compacto e bem regular. Andar a pé e de carro não deixa transparecer ser algo diferente de terra batida. Mas com a potência dos motores, é preciso cuidado e experiência para tracionar, especialmente nos motores turbo, com aumento repentino de potência pela faixa de rendimento da turbina. As motos sofrem mais neste aspecto.

Pode parecer fácil acelerar um carro forte em linha reta em um imenso descampado, mas há diversas dificuldades. Além do solo não ser dos mais eficientes para tração, o controle direcional também é prejudicado pela baixa aderência. Os carros mais velozes precisam de um compromisso exato entre força aerodinâmica para baixo (downforce) e arrasto, pois não adianta apenas eliminar o máximo do arrasto por não utilizar asas e em contrapartida, acabar com o downforce. Vale lembrar sempre que no caso de carros com carroceria não-streamline, sua forma tende sempre a gerar força aerodinâmica para cima (lift), que levanta o carro.

Um cuidadoso trabalho no assoalho e identificação de zonas de pressão positiva é o necessário para manter o carro no chão sem prejudicar seu coeficiente de penetração no ar, para evitar ao máximo uso de asas. Essa era a teoria usada nos carros asa de F-1 dos anos oitenta, como o famoso Lotus de Mario Andretti "efeito-solo". O assoalho era o principal responsável pela geração de downforce, reduzindo assim o arrasto gerado.

Vemos em diversos videos que carros perdem o controle sem motivo aparente, rodam e decolam como uma folha de papel. Essa perda repentina de controle é justamente, em grande parte dos casos, causada pela perda maior de aderência dos pneus por conta de forças aerodinâmicas para cima.



É preciso de alguns cuidados especiais em Bonneville, como um bom óculos escuro e muito protetor solar de alto índice de bloqueio, e não esquecer de passá-lo em toda a pele exposta. O problema não é somente a radiação vinda diretamente do sol, mas também a refletida pela sal. A sensação é de que há dois sóis, um em cima e um embaixo, justamente o que causa as maiores queimaduras de quem não conhece.

A lista de recordes oficias pode ser vista aqui dividida em todas as categorias.

A Meca da Velocidade, como é chamado Bonneville, possui uma atmosfera especial, e é um dos grandes eventos automobilísticos do mundo. É uma experiência única. Se ao menos tivessemos esse clima de "amadorismo profissional" em tantas coisas por aqui, nosso automobilismo seria muito diferente.



MB

11 comentários:

  1. Milton,

    Como o pessoal lida com o problema da corrosão do sal nesses carros, se é que acontece ?

    Imagino que alguém com pressão alta também não deva nem passar perto dessa pista. :-)

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  2. Francisco Neto04/10/2010, 12:18

    Bonneville, Nurburgring e Spa Francorchamps são(definitivamente na minha opinião) as MECAS do automobilismo.

    Temos que visita-los uma vez na vida, pelo menos.

    Belo post MB!

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  3. Francisco Neto
    Concordo plenamente!

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  4. Ótimo post! Senti-me lá!

    Curiosidade:

    Quando ouve a visita da equipe do programa Top Gear à Bonneville, na reunião de segurança foi comunicado que se o competidor tiver um problema durante a prova, como explosão do motor ou incêndio, e recomendado virar o carro para direita que imediatamente é mandado uma equipe de socorro.

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  5. Leandro Silveira05/10/2010, 09:06

    tenho a msm dúvida do ítalo.

    dá uma pena ver aqueles carros cobertos d sal! se caminhões q carregam sal, tem d colocar uma lona por baixo da carga p/ ñ corroer td a carroceria, lá eles devem ter esse msm problema, certo??? ou será q o sal marinho é tão diferente assim do sal d bonneville?!?

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  6. Italo e Leandro,

    Os mais cuidadosos lavam os carros todos os dias a noite, mas a grande maioria mesmo não limpa a semana toda.

    Nas picapes que rebocam os carros ou as carretas, as caixas de roda ficam literalmente cheias de sal até alguma boa alma tirar.

    Acredito que pode haver um problema de corrosão sim, mas por ser por um período "curto" de exposição, não deve gerar maiores problemas.

    Nos carros que participam das provas, há um cuidado de haver o melhor isolamento possível contra o sal nas partes mecânicas importantes, como juntas e articulações de suspensão e itens do motor. Este sim, em quase todos os carros que vimos, estão sempre impecáveis e limpos do sal.

    abs,

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  7. Esse lugar não é onde o Carlos mora?

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  8. Taí um lugar que gostaria muito de ir. Vamos ver se consigo visitar Boneville algum dia...

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  9. Belli,

    Devia ter ido com vcs...

    Mas ainda vou!

    MAO

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  10. Bobeira minha, mas eu estava falando com uns amigos sobre o deserto de sal de Bonnevvile, seus carros, suas histórias e particularidades, ai um zé mané na mesa falou: eh, eu tb vi no Esporte Espetacular.....grgrgrgrrg


    Henrique Sousa

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  11. Show o post!

    Será que o motor daquele hot preto com o cowboy dirigindo, é um Ford 2.3 OHC?
    ...com um par de carburadores DCOE...

    Tempos atrás vi num fórum americano de hots, fotos de alguns com esse motor...

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