google.com, pub-3521758178363208, DIRECT, f08c47fec0942fa0 ALEXANDER WINTON, O PIONEIRO ESQUECIDO - AUTOentusiastas Classic (2008-2014)

ALEXANDER WINTON, O PIONEIRO ESQUECIDO




Corria o ano de 1901, e o automóvel ainda era um exótico e raríssimo aparato tecnológico, mas já despertava o interesse de todo mundo, como nenhuma máquina já o fez e fará algum dia. A promessa de que algo viria libertar todos da cidade onde se nasceu, tornando viagens antes impossíveis algo corriqueiro, embalava um sonho de poder e liberdade na população como nunca antes se viu, ou se verá novamente. Uma época onde a mobilidade e a velocidade encantavam a todos e os "automobilistas" eram admirados universalmente.

E naquele dia dez de outubro, dois deles se encontrariam para um duelo. Reunidos na pista de corridas de cavalo de Grosse Pointe, em Michigan, nos EUA, estavam o futuro e o presente. De um lado, vindo da cidade de Cleveland, o maior fabricante de automóveis americanos de então, dirigindo o seu mais novo e famoso carro de corrida. Do outro, um mecânico de Detroit que falhara até ali, não obstante sua grande determinação, em produzir e vender seus carros com algum lucro. Esse mecânico de 38 anos tentava reverter a situação complicada que vivia, conseguindo alguma fama e glória numa pista de corrida. O primeiro, quase esquecido hoje, era Alexander Winton. Era o franco favorito; tratava-se afinal do mais famoso recordista de velocidade nos EUA, detendo todos os recordes até 25 milhas de distância. Reza a lenda desta prova que a taça de vidro do primeiro prêmio fora escolhida por um subordinado dele para combinar com a mesa de sua sala. O segundo não necessita introdução: Henry Ford.

Inicialmente haveriam outros competidores, mas a competição acabou por se tornar um duelo épico entre os dois. Jornais e rádios compareceram em massa; uma competição automobilística era algo novo e excitante, e ainda mais uma em que o aparentemente invencível Winton participasse.

As duas primitivas máquinas se alinharam para a largada, seus criadores no comando. Os mecânicos de bordo correriam encolhidos, aboletados nos estribos. Dois monstros, cuspidores de óleo, fumaça e barulho, o estado da arte da velocidade àquele tempo. A multidão, completamente estranha a espetáculos deste tipo, ficaria embasbacada; o barulho, a incrível velocidade (comparada com cavalos, claro), a poeira... As vidas destes pobres sujeitos nas arquibancadas nunca mais seria a mesma.

O carro de Ford (2 cilindros opostos, quase 9 litros de deslocamento, 20 cv e algo em torno de 100 km/h de final) partiu na frente, mas Henry, com medo, diminuía muito a velocidade nas curvas, e Winton logo tomava a frente da competição. Com o tempo, Henry começou a tomar coragem e retomar o espaço perdido. A multidão enlouquecida incentivava o mecânico local, e Henry pisava fundo. Logo, aparece fumaça no carro de Cleveland; Winton estava com problemas, e estava diminuindo a velocidade, apesar de se manter na pista.

Ford emergiu vitorioso; a multidão foi ao delírio e os jornais de Detroit espalharam para o país a imagem do herói local que, tal qual Davi, vencia o Golias estabelecido. Clara Ford, esposa de Henry, escreveu uma famosa carta para uma sobrinha em Dearborn:

“Henry está se cobrindo de poeira e glória. Eu queria que você pudesse ver ele, e ouvir a multidão quando ele passou Winton... Um homem jogou o chapéu para cima, e quando ele caiu, pisou em cima dele. Outro bateu na cabeça da mulher para que ela se acalmasse."


O exato momento em que Ford ultrapassa Winton, Grosse Pointe, Michigan, 1901 (foto do Smithsonian Institute)

O evento foi pivotal na vida de ambos. Em parte graças à sua fama recém-conquistada, ou ao menos o novo ímpeto que ela lhe proporcionou, Henry logo se tornaria o mais importante industrial do mundo a seu tempo.

Já Winton seguiria, infelizmente, o caminho do esquecimento. Mas é dele que quero falar, para tentar remediar um pouquinho essa injustiça.

Alexander Winton nasceu num mundo sem automóveis de qualquer tipo: Grangemouth, perto de Glasgow, Escócia, em 1860. Após ser aprendiz nos estaleiros Clyde, se mudou para Cleveland, nos EUA, em 1880, onde trabalhou em usinas siderúrgicas, e foi engenheiro de barcos a vapor.

Logo se fascinaria pelo meio de transporte mais popular da época: a bicicleta. Abriu uma fábrica/oficina em 1890, caminho da maioria dos pioneiros do automóvel nos EUA. Em 1896 criou seu primeiro automóvel, e no ano seguinte nascia a Winton Motor Carriage Company.

Winton foi sem dúvida um dos mais brilhantes pais do automóvel em seu país. Superou todos em número de patentes (mais de 100), e logo se destacou como o mais importante “automobilista” da América. Já em 1897, para demonstrar a utilidade e confiabilidade da nova máquina, fez uma viagem de Cleveland a Nova York (quase 1.300 km), levando 10 dias para completar o trajeto, e, depois, ainda demonstrou que um automóvel era capaz de chegar a incrível velocidade de 55 km/h. Em 1898, vende seu primeiro carro, o primeiro automóvel americano vendido ao público. Ao fim do ano havia vendido 23 deles, e, no ano seguinte, mais de 100, mais que qualquer outro fabricante.

Os carros de Winton eram os mais velozes e luxuosos da época. Reginald e Alfred Vanderbuilt compraram Wintons em 1901, e no início do século, quando o carro ainda era um brinquedo para os milionários, Alexander Winton era rei. Ford estava destinado a mudar a realidade dele não somente nas pistas...

Winton e Ford se enfrentariam mais uma vez, em 1903, Winton com seu Bullet n°. 1, e Ford com seu famoso 999, dirigido pelo lendário Barney Oldfield em sua primeira corrida com um automóvel. De novo, Ford, que havia desistido de dirigir seus próprios carros por puro medo, venceu.


No mesmo ano, um Winton (acima, hoje no acervo do museu Smithsonian) realizava a primeira viagem rodoviária de costa a costa nos EUA. Dr. Horatio Nelson Jackson levaria 63 dias para realizar a façanha, mas inauguraria uma nova era para os americanos. A promessa de mobilidade absoluta do automóvel começava a se realizar.

Em 1904, dirigido por Barney Oldfield, um Winton com dois motores de quatro cilindros acoplados (efetivamente o primeiro oito-em-linha americano) batia o recorde mundial de velocidade em terra, a fantásticos 135 km/h.



Winton nunca deixou de fazer seus carros com esmero e cuidado, sempre à mão e artesanalmente. O oposto exato de seu arqui-rival Ford, Winton era interessado em automóveis, um entusiasta da engenharia e do carro. Logo perderia o posto de principal fabricante americano, e mesmo entre os carros de luxo perderia seu lugar no imaginário popular (e nas garagens dos milionários) para a Packard, que, produzindo carros de luxo em grande escala, tornar-se-ia muito mais comum que os Winton. Na frente da qualidade a qualquer preço, os Rolls-Royces também eram mais conhecidos e admirados que os carros de Cleveland.


O primeiro Six, um Tourer de 1908
Mas um Winton ainda era a escolha de uns poucos abnegados admiradores. Principalmente depois que lançou, em 1908, o que viria a ser seu carro definitivo: o fabuloso Winton Six.




Outro Tourer, desta vez de 1910

Desenvolvido lentamente até 1924, o Six é o Winton mais comum, e o melhor deles. Sua época de ouro, seu ápice, foi no meio da década de 1910. Em 1917, seu melhor ano, mais de 2.500 carros saíram da fábrica de Cleveland, uma enormidade para os padrões do pequeno fabricante.


Winton six Limosine 1915

E era um carro sensacional. Enorme, a maioria deles era vendido com carroceria tourer de sete lugares, uma belíssima criação da própria Winton. O catálogo tinha mais 21 opções de carroceria, e certamente qualquer pedido diferente poderia ser acomodado pelas oficinas artesanais. Seu característico radiador quadrado com os cantos arredondados, e o longo capô, eram facilmente identificados e admirados. Como todo Winton, o carro era produzido com cuidado e esmero, num nível de acabamento próximo dos Rolls-Royce.Talvez o Rolls fosse mais considerado que os Winton por um motivo prosaico: o carro inglês era mais decorado, com bem mais cromados reluzentes.

E como o Rolls 40/50hp contemporâneo, tinha um poderoso seis em linha debaixo do longo capô. Dois modelos eram oferecidos: o modelo 33 tinha 5,7 litros e 56 cv, e o modelo 48, um verdadeiro supercarro dos anos 10, deslocava 8,6 litros e fornecia 72 cv. Ambos os motorzões tinham válvulas laterais, e eram construídos em 3 blocos de 2 cilindros.

Lembrem-se que a esta época, um modelo T tinha apenas 20 cv. Olhando na perspectiva da época, o Winton Six era enorme, potente e suave ao extremo. E veloz; um padrão em toda referência que se busca sobre o carro é a menção de como era capaz de manter altas velocidades facilmente. E, ao contrário do estranho arranjo de Ford em seu T, tinha três pedais na posição hoje universal e comum, e transmissão manual. Nada daquela bagunça da época, em que cada um fazia os comandos principais de um jeito diferente. Como consequência, mesmo hoje em dia é uma delícia guiá-lo, e todos que tiveram a oportunidade e colocaram suas impressões no papel foram de novo unânimes: velho e enorme ele pode ser, mas com certeza ainda é capaz de impressionar na suavidade, força e velocidade.

Para quem ainda não está convencido de quão interessante pode ser um carro desta época, veja no Youtube um filme do motor funcionando clicando AQUI, e sinta o poder e a suavidade que emanam dele. Acelerá-lo parece não gerar nenhuma vibração, e o motor permanece estático como um monolito. Amazing...

O paralelo com Ford e seu T é óbvio: este, lançado também em 1908, seria a obra definitiva de Henry. Mas enquanto o Ford chegava ao ápice de vendas em 1923, o Six, já longe de seu melhor ano (1917), cessava sua fabricação. Com ele desapareceriam os carros com a marca Winton. Produção artesanal, representada pelos Winton Six, teria cada vez menos lugar no mundo.


Uma das últimas propagandas de um Winton Six, cerca de 1922-23. Reparem como o carro perdera seu radiador tradicional para se conformar com a nova voga de estilo, capô integrado a carroceria.

Mas a empresa não acabou tão rápido. Winton era um grande produtor de motores estacionários, e um pioneiro dos motores movidos a diesel. Sua empresa continuou a produzir motores, especialmente para locomotivas. Em 1930, era comprada pela General Motors em expansão, e se tornava a Winton Engine Corporation. Esta empresa criou os primeiros diesel dois tempos na faixa de 400 a 1.200 cv, que foram os propulsores das primeiras locomotivas diesel-elétricas da GM, fabricadas pela sua divisão Electro-Motive. A empresa foi reorganizada como a Cleveland Engine Division em 1937, e continuou produzindo motores para a Marinha americana, estacionários e de locomotivas, até 1962, quando fechou as portas.

Alexander Winton faleceu em 21 de junho de 1932, no dia seguinte a seu septuagésimo segundo aniversário, um industrial de relativo sucesso, mas fracassado em sua adorada fábrica de automóveis. Em Fair Lane, a gigantesca mansão de Henry Ford às margens do rio Rouge, em Detroit, uma bela taça de vidro trabalhado decorava o hall de entrada: o único prêmio conquistado por Henry Ford ao volante de um carro de corrida.

Sei que a GM hoje em dia está cortando divisões e simplificando sua estrutura, mas eu não consigo deixar de pensar como seria legal um novo Malibu V-6 com o motor de injeção direta do Camaro de 300 cv, mas com o símbolo da empresa de Cleveland, e o nome Winton Six. Acho que pouca gente entenderia, mas toda vez que emparelhasse com um Fusion no sinal, fantasmas famosos acordariam! Na verdade, acredito que, mesmo sem os logotipos, Winton faz parte da GM, e assim toda vez que um carro da GM enfrenta um Ford, Alex e Henry se encontram novamente, dentes cerrados, expressão concentrada, certos da vitória.
Certas rivalidades , afinal de contas, são eternas.

MAO

10 comentários :

  1. Legal ver como as corridas foram decisivas para a criação ou consolidação de certas marcas.

    A Ford foi e continua sendo a marca que mais participou de competições automobilísticas, nas mais variadas categorias, por todo o mundo.

    Grande post!

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  2. Carlitos Queiroz12/11/2009, 13:55

    Maravilha de post!
    Historias assim devemos contar a nossos filhos, netos, ...
    Acho que deveria ter uma parte neste blog intitulada "AUTOhistórias", com hístórias como está!
    Não se pode esquecer do passado,
    Pois ele foi e é essencial em nossas vidas. Mas sempre devemos viver o hoje, não esquecendo do passado, mas vivendo o presente.

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  3. Uma saga incrível, contada com maestria. Parabéns!

    Ao ler o episódio narrado no começo do post sobre a primeira corrida entre Ford e Winton, não pude deixar de pensar que essa deve ter sido a origem daquele velho ditado de Detroit: "Win races on Sunday, sell cars on Monday".

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  4. Mister Fórmula Finesse12/11/2009, 14:22

    Mais um daqueles posts para guardar na parede: cultura e história em um belíssimo pacote....não conhecia esse outro pai dos automóveis, muito interessante sem dúvida.

    Mas Henry não tinha um piloto antes disso para fazer os testes? um maluco de enorme coragem que teve que esperar a gasolina acabar para imobilizar o carro, li em algum lugar isto.

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  5. Que bela história.

    Não fosse esse post eu jamais saberia quem foi Alexander Winton.

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  6. Mas que bela história MAO !!!
    Se alguém muito inteligente disse certa vez que " a história da humanidade é a história das guerras" , nosso paralelo aqui pode ser " a história do automóvel é a história das corridas".
    Tremendo post.

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  7. MAO, já que vc é um ratão de biblioteca, sabe dizer quem disse a frase "Chevys são resistentes, mas Fords são rápidos" ?

    Abraços.

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  8. Luis,

    Até onde sei era uma frase em voga desde o lançamento do Ford V8, que se tornou obsoleta no lançamento do Chevy small block V8.

    Não sei quem a disse da primeira vez...

    MAO

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