No início dos anos 90 eu era um pré-adolescente que só pensava em duas coisas: mulheres e carros (e vice-versa). Já estava iniciado naquela rotina matinal de terminar o café da manhã antes da irmã caçula e ir para a garagem com a chave do carro na mão, com o argumento de "esquentar o motor do carro".
Era minha mãe que nos levava para a escola e, se não incentivava a prática, ao menos não proibia. Meu pai torcia o nariz, com medo de eu sumir com o carro, mas era um medo infundado. Até então, essa era a minha única prática automobilística. Nem mesmo manobrar o carro eu podia, apesar de já dominar por completo os comandos do carro. Aos 11 anos de idade eu já tinha 1m68 de altura, o que ajudava bastante.
De resto, apenas a teoria: Motor 3 (que já não era mais publicada, mas ganhei a coleção completa de um tio) e todo mês um casal de Quatro Rodas e Oficina Mecânica. Ajudava muito o fato de ter um tio e um primo jornaleiros: nem bem as revistas esfriavam na banca e as duas já estavam separadas para que eu as buscasse na volta da escola.
A teoria também se aplicava às mulheres: catecismos e revistas masculinas (outra coleção completa do mesmo tio que colecionou a Motor 3). Novamente, também ajudava muito o fato de ter um tio e um primo jornaleiros: aquela tradicional revista masculina da editora Abril nem bem esfriava na banca e já estava separada para que eu a buscasse também.
Prática com mulheres? Ah, essa se resumia aos bailinhos de garagem, mas ainda não eram mulheres, eram apenas meninas. Nada mais que isso, mas já servia para empolgar os primeiros anos de pouca inocência e muita malícia. Na escola o negócio era passar a semana inteira comentando sobre os testes da Quatro Rodas e Oficina Mecânica, esperando pelos bailinhos na garagem de algum colega que fazia aniversário.
O negócio era esse mesmo, falar sobre a quinta marcha do Opala Diplomata, discutir sobre o painel envolvente do Mitsubishi Eclipse, reparar na menina da sala que usava sutiã sem necessidade (eu disse que eram apenas meninas) e comentar sobre aquela atriz de novela que foi capa daquela revista masculina da editora Abril.
Estudar que é bom nada. Nada mesmo. Ou aprendia por osmose ou deixava para estudar na véspera das provas. Mesmo assim, no meio do livro de geografia aparecia o mapa de um teste de longa duração feito pela Quatro Rodas. Ao estudar desenho geométrico, imaginava a frente em cunha do novo Monza. E ao estudar o corpo humano no livro de ciências do nada surgia aquela paquita que foi capa de abril daquela tal revista.
Aos trancos e barrancos, o boletim escolar até que ia bem. Havia apenas uma sucessão de notas vermelhas numa matéria terrível chamada matemática. Terrível mesmo, pois os números faziam com que eu me lembrasse apenas de carros: a relação do diferencial do BMW 735i, as 6 marchas do Corvette, dados de consumo do Uno Mille Brio. Mas na hora de realizar os cálculos...
Na véspera de uma prova de matemática passei na banca de jornal do meu tio e peguei as últimas edições da Quatro Rodas e Oficina Mecânica. Já estava capengando em matemática, mas dediquei o resto do dia à leitura das revistas. A matemática que se danasse.
No dia seguinte, logo cedo, estava na sala de aula, sentado em minha carteira, com a prova em minhas mãos. Logo de cara, havia um problema que dizia:
Naquela hora o arrependimento bateu. Quase chorei de raiva e fiquei imaginando se seria possível encontrar um tratamento que me livrasse um pouco desse vício por carros, que até então estava me trazendo esses problemas educacionais terríveis. Mas logo percebi que a ávida leitura, ao menos, me garantia boas notas em português e redação.
Mais calmo, decidi enfrentar a maldita prova. "Acho que devo começar calculando o volume dessa caixa" - pensei eu. Nada mais simples do que multiplicar 30 x 40 x 60. O resultado: 72.000 cm3.
Foi aí que a porca torceu o rabo: "Qual é a relação dos 72.000 centímetros cúbicos com o frasquinho de 30 mL?" - pensei novamente. Centímetros. Litros. Centímetros cúbicos. Mililitros. Nada fazia sentido. Naquela maldita aula de grandezas matemáticas eu provavelmente estava "viajando", pensando em carros. Ou mulheres.
Foi então que o teto da sala se abriu e uma forte luz celestial surgiu, e junto com ela vinham pilhas de revistas automotivas com as páginas abertas nas fichas técnicas. Ficha por ficha, em destaque estavam as cilindradas dos veículos. Alguma coisa mais ou menos assim:
Monza: 1.998 cm3
Santana: 1.984 cm3
Opala: 4.093 cm3
Maverick: 4.949 cm3
Charger: 5.212 cm3
E logo em seguida, comentários diversos dos respectivos testes:
"Monza e Santana, ambos equipados com motores de 2 litros"
"O Opala, com seu motor dotado de mais de 4 litros..."
"O Maverick apresenta muito torque, graças ao motor de 5 litros..."
"O Charger esbanja desempenho com seu motor de 5,2 litros..."
Foi a glória. Naquele exato momento, mesmo sem saber absolutamente nada sobre relações matemáticas de volume eu havia feito a relação entre centímetros cúbicos e litros. Quase pulei da carteira ao rabiscar na prova: 72.000 cm3. = 72 litros.
Depois disso, uma regra de três simples, para determinar qual o volume necessário do maldito produto para tratar a maldita água da maldita caixa da maldita prova da maldita matéria: 360 mililitros, ou doze frascos de 30 mL. Alternativa "A" de "Alfa Romeo"!
Daquele dia em diante nunca mais pensei em abrir mão do tal vício em automóveis. Mesmo a leitura ávida que tanto tomava meu tempo foi suficiente para que eu aprendesse o mínimo do mínimo sobre matemática. O péssimo desempenho matemático me acompanhou pelo resto do ginásio, atravessou o colegial e parou na faculdade de engenharia, esta última a minha barreira intransponível de integrais, derivadas e outros bichos numéricos que deixei de molestar há mais de 10 anos.
Quem sabe um dia eu volte a encará-los com a mesma galhardia do moleque de 11 anos que enfrentou a tal prova de matemática sem saber absolutamente nada. Quem sabe um dia.
FB
Mais calmo, decidi enfrentar a maldita prova. "Acho que devo começar calculando o volume dessa caixa" - pensei eu. Nada mais simples do que multiplicar 30 x 40 x 60. O resultado: 72.000 cm3.
Foi aí que a porca torceu o rabo: "Qual é a relação dos 72.000 centímetros cúbicos com o frasquinho de 30 mL?" - pensei novamente. Centímetros. Litros. Centímetros cúbicos. Mililitros. Nada fazia sentido. Naquela maldita aula de grandezas matemáticas eu provavelmente estava "viajando", pensando em carros. Ou mulheres.
Foi então que o teto da sala se abriu e uma forte luz celestial surgiu, e junto com ela vinham pilhas de revistas automotivas com as páginas abertas nas fichas técnicas. Ficha por ficha, em destaque estavam as cilindradas dos veículos. Alguma coisa mais ou menos assim:
Monza: 1.998 cm3
Santana: 1.984 cm3
Opala: 4.093 cm3
Maverick: 4.949 cm3
Charger: 5.212 cm3
E logo em seguida, comentários diversos dos respectivos testes:
"Monza e Santana, ambos equipados com motores de 2 litros"
"O Opala, com seu motor dotado de mais de 4 litros..."
"O Maverick apresenta muito torque, graças ao motor de 5 litros..."
"O Charger esbanja desempenho com seu motor de 5,2 litros..."
Foi a glória. Naquele exato momento, mesmo sem saber absolutamente nada sobre relações matemáticas de volume eu havia feito a relação entre centímetros cúbicos e litros. Quase pulei da carteira ao rabiscar na prova: 72.000 cm3. = 72 litros.
Depois disso, uma regra de três simples, para determinar qual o volume necessário do maldito produto para tratar a maldita água da maldita caixa da maldita prova da maldita matéria: 360 mililitros, ou doze frascos de 30 mL. Alternativa "A" de "Alfa Romeo"!
Daquele dia em diante nunca mais pensei em abrir mão do tal vício em automóveis. Mesmo a leitura ávida que tanto tomava meu tempo foi suficiente para que eu aprendesse o mínimo do mínimo sobre matemática. O péssimo desempenho matemático me acompanhou pelo resto do ginásio, atravessou o colegial e parou na faculdade de engenharia, esta última a minha barreira intransponível de integrais, derivadas e outros bichos numéricos que deixei de molestar há mais de 10 anos.
Quem sabe um dia eu volte a encará-los com a mesma galhardia do moleque de 11 anos que enfrentou a tal prova de matemática sem saber absolutamente nada. Quem sabe um dia.
FB
caralh***
ResponderExcluirque texto animal cara!!!
hahaha
muito bom
me 'vi' nessas linhas!
Até a 7ª série eu era péssimo em matemática e, conseqüentemente, odiava a matéria (ou vice-versa). Aquele negócio de equação, mudar de lado de acordo com o sinal, fração e outras bizarrices não entravam de forma alguma na minha cabeça. Talvez eu tivesse criado um bloqueio e não aprendia porque não gostava e não gostava porque não conseguia aprender. Foi quando eu me conscientizei e passei a olhar a matemática com olhos mais amenos e ver o lado interessante da disciplina. Minhas notas melhoraram e, já no ensino médio, meu rendimento na disciplina passou a ser bom.
ResponderExcluirMas, inegavelmente, minha vocação sempre foi para a química, talvez por achar interessante a mínima ligação química, por mais besta que a representação no quadro pudesse ser...
Até parece eu a parte das contas, odeio contas, mas a paixão por automoveis me fez aprender varias delas, calculos de volume, cilindros, velocidade media, aceleração e mais diversos calculos relacionados a carros, pra alguma coisa a paixão por veiculos automotores tem que nos ajudar não é mesmo? haha muito bom o texto!
ResponderExcluirNão consigo parar de rir. E a maneira como é contado, então, nem se fala.
ResponderExcluirEngraçadíssimo, ainda mais por eu ser uma toupeira em matemática até hoje. :-)
ResponderExcluirFB,
ResponderExcluirParabéns. Ótimo texto
Abr
Luiz
Ótimo texto, muito divertido, a condição de devorador de leitura te tornou um grande contador de histórias, parabêns!!
ResponderExcluirEu também, no colégio, sempre tentei ligar o conteúdo aos automóveis, para ver se entendia alguma coisa. Apesar de um bom leitor (e de escrever alguns bons textos), nunca entendi a nada da parte teórica do português. Conjunções, tempos verbais e esse tipo de coisa nunca fizeram sentido pra mim.
ResponderExcluirÓtimo texto.
O mais incrível é o Bitu ter guardado a prova com a ilustração do maldito problema geométrico!
ResponderExcluirMe enxerguei completamente neste texto, sensacional Bitu!
ResponderExcluirSempre fui bem na parte de Forças de Atrito,Energia cinetica,energia potencial,aceleração,desaceleração entre outros devido a paixão pelo automovel.Eu sempre respondia as questões sobre esses assuntos primeiro que a sala toda!
ResponderExcluirBoooaaaa B2...
ResponderExcluirQuem disse que revista de carros e mulher pelada não ajudava a gente na escola???
Ainda me lembro daquelas provas do tipo "um trem parte de londres as 17h a uma velocidade média de 17km/h, outro trem parte de paris as 21h30min a velocidade média de 80km/h. Sabendo que a distância entre as duas cidades é de 250km...a que distância de paris os trens irão se chocar???"huhauhauhaua... bons tempos em que as obrigações se resumiam a ir bem na escola e voltar com todos os dentes na boca...
hahahahahaha!!!
ResponderExcluirficou fera o texto, B2!
Ainda bem q eu sempre gostei e me saí bem em matemática e física. Até pq, caso contrário, ia acabar entrando pra estatística dos 50% de evasão dos cursos de engenharia.
Mas tb não deixava de ler minhas 4R, Oficina Mecânica e as famosas revistas masculinas da editora Abril...hehehehehe...
Ué, ninguém aqui leu as revistas educativas suecas?
ResponderExcluirPor ler tanta coisa nacional que o Bitu deve gostar tanto de Santana. Se lesse as revistinhas mais pesadas, gostaria de Volvos e Saabs!!
huahuahuahua
Hahahahahaha!!
ResponderExcluirFora a parte da matemática, que sempre me amarrei (Calculo 2 e 3 realmente foi phoda pra passar...), esse texto tá falando de mim!!!
Lembro do lendário teste das 24Hs de Interlagos da 4 Patas, lançamento do Monza 85 e meio 9ainda no ginásio) e uma propaganda que me fez gamar no Santana Evidence de 89, que acabei comprando anos depois...
E, olhando pra trás, vejo que arrastei vários colegas e amigos, com os quais tenho contato até hoje, para o mundo dos automóveis!!
B2, vc já assistiu ao filme Irmãos Gêmeos?
ResponderExcluirVc ficou com o tamanho e a malandragem.
Sua irmão herdou a inteligência e beleza.
É a vida. :D
Caro, gostaria que todo pedagogo lesse seu texto. Você trouxe noções muito claras sobre como se constroi o conhecimento.
ResponderExcluirPS: Sou professor de Física.
Luizinho
ResponderExcluirTenho um pouco de inteligência: não comprei um Maverick!!!
(brincadeirinha)
FB
Caio Ferrari
ResponderExcluirDe fato, a pedagogia ainda precisa evoluir um bocado.
FB
Tallwang disse...
ResponderExcluirTallwang disse...
Tallwang disse...
Ué!!!!!????
Cadê aquela foto do parto da Romiseta????
Censura????
Talles
17/09/09 20:47
18/09/09 21:32
18/09/09 21:33
Bitu, desvirtuando totalmente o tópico...
ResponderExcluirVai no Show do Kreator?
Quem vai abrir o show é nada menos do que o EXODUS!
E viva o bom e velho Thrash Metal!
Anderson
ResponderExcluirNão vou não. Ando ocupado de tal forma que o pouco tempo que livre que me sobra é gasto com a família.
FB
Voltei vários anos ao ler este texto! Tem muito da minha história aí.
ResponderExcluirParabéns
Caro Felipe de Jesus.
ResponderExcluirTemos algo em comum.
A única diferença é q minha mãe bancou a assinatura da Oficina Mecanica desde 1985 e me forneceu "de grátis" a imensa coleção dakela revista da editora da marginal q ela tinha.
Vai ver ela pressentiu q no futuro, se tornar um Emo multicolorido ou algo do gênero estaria na moda...